«Os excelentes resultados no primeiro semestre são o corolário de seis trimestres consecutivos de resultados positivos e a evidência de que o plano de reestruturação cumpriu claramente os objetivos», defende António Ramalho, que abandonou esta segunda-feira a liderança do novobanco, seis anos depois de ter assumido as rédeas da instituição financeira e depois de ter apresentado um aumento dos lucros de 93,7% para 266,7 milhões de euros. O banqueiro disse ainda ao Nascer do SOL que «independente de todas as pressões os objetivos foram atingidos. Entregar resultados é um dever e é um hábito de que não pretendo abdicar».
Em igual período do ano passado, a instituição financeira tinha apresentado um resultado positivo de 137,7 milhões de euros. «Os resultados confirmam o momentum do novobanco e o modelo de negócio acretivo, combinado com medidas específicas de geração de capital. O novobanco demonstra criação de valor para todos os seus stakeholders, com o progresso efetuado nos últimos anos refletido no upgrade de 2 níveis pela Moodys. O banco está bem posicionado para continuar a crescer e competir no mercado português», disse Ramalho, na apresentação de resultados.
O banco apresentou assim resultados superiores à restante banca privada: Santander lucrou em igual período 241,3 milhões, o BPI 201 milhões e o BCP 74,5 milhões de euros. Apenas o banco público apresentou lucros superiores de 486 milhões.
A margem financeira totalizou 268 milhões (-7,3% face a igual período do ano passado), «refletindo a evolução estável da taxa média do crédito a clientes e o efeito das emissões de dívida sénior no quatro trimestre do ano passado e das taxas de juro negativas nas aplicações do mercado monetário».
Já a margem financeira foi de 1,30% (vs 1,42% em 2021) e o crédito a clientes (líquido) ascendeu a 24,3 mil milhões (um aumento de 2,8% face a dezembro de 2011), «confirmando a trajetória de crescimento da carteira de crédito no segmento de empresas e de particulares, e um ambiente de taxas de juro favorável».
As comissões de serviços a clientes ascenderam a 144,4 milhões (+6,5% face ao primeiro semestre do ano passado), «espelhando um sólido desempenho e mantendo a tendência positiva dos últimos trimestres».
Os custos operativos apresentaram um aumento face ao período homólogo (+4,6 milhões). «A diminuição dos custos com pessoal, reflexo da diminuição do número de colaboradores, não foi suficiente para compensar o aumento nos gastos gerais e administrativos e nas amortizações devido ao continuado investimento na transformação, otimização e simplificação da organização e dos seus processos em função do seu programa estratégico», refere, mas acrescenta que «excluindo os custos extraordinários e não recorrentes incorridos nestes primeiros seis meses de 2022, os custos totalizaram 203,1 milhões, representando uma redução de -0,5% face ao ano anterior».
Mudar página
O ano passado já tinha sido marcado pelo regresso aos lucros: 184,5 milhões de euros. Mas para trás fica uma história de prejuízos. No ano em que entra, a instituição apresentou perdas de 788 milhões de euros e as contas continuam no vermelho até 2020. No ano seguinte, os prejuízos engrossam para 2.298 milhões de euros, em 2018 o banco volta a apresentar perdas de 1.413 milhões, em 2019 1.059 milhões e em 2020 1.329 milhões de euros. Mas as perdas são acompanhadas por um controlo de custos operacionais. Se, em 2016, os valores rondavam os 591 milhões de euros, os números vão descendo até chegar aos 408 milhões em 2021. Ou seja, uma redução de 31% em seis anos.
Essa redução também se verificou em termos de estrutura. O número de colaboradores passou de 6.096, em 2016, para os 4.193, no ano passado. O cenário repetiu-se ao nível de balcões: 537 para 311, no mesmo período de seis anos.
Em contrapartida, o montante de depósitos registou um aumento. Na altura em que António Ramalho entrou no banco, o valor fixava-se em 25,6 milhões de euros para atingir em 2021 27,3 milhões de euros.
Já o crédito a clientes foi registando um decréscimo. Se, em 2016, rondava os 33,8 milhões de euros, esse valor desceu no ano seguir para 31,4 milhões de euros até atingir os 24,9 milhões em 2021.
Já a carteira de crédito bruto caiu: passou de 33,8 mil milhões em dezembro de 2016 para 25 mil milhões em dezembro de 2021, uma redução que se deveu em grande medida à venda de empréstimos tóxicos em grandes carteiras a fundos internacionais.
No entanto, tal como o Nascer do SOL já tinha avançado, a venda, as entradas de capital e a criação do Mecanismo de Capital Contingente (CCA) permitiram não só a reestruturação do passivo como a limpeza do balanço. E, antes disso, as previsões de resultados foram sendo ultrapassadas num curto período de um ano. Daí o rácio de malparado ter caído de 33% para 5,7%, ainda assim, com uma carteira na ordem dos 1700 milhões de euros.
Polémicas
O mandato de António Ramalho marcou o regresso da instituição financeira aos lucros, mas também esteve envolvido em polémicas. Recentemente, o Tribunal de Contas considerou que a gestão do Novo Banco com financiamento do Estado «não salvaguardou o interesse público», identificando-se «riscos de conflito de interesses» em operações efetuadas e «práticas evitáveis» que oneraram o financiamento público. E disse que esta ‘falha’ deve-se ao facto de não ter sido otimizado (minimizado) o recurso a esse financiamento, através da verificação das condições identificadas pelo tribunal, em consonância com os termos solicitados pela Assembleia da República.
Na altura, o banco ainda liderado por António Ramalho disse que não cabe à sua gestão «minimizar as chamadas de capital nos moldes a que o Tribunal de Contas se refere», considerando que «defendeu o interesse público» com vários trimestres de resultados positivos.
Também os pedidos de injeção ao Fundo de Resolução não foram pacíficos. O último foi de mais 209,2 milhões de euros. Isto porque o contrato com o Lone Star estipula um rácio de 12%, que não será cumprido caso não seja levada a cabo esta nova injeção. Recorde-se que o mecanismo de capital contingente foi criado em 2017, aquando da venda do Novo Banco pelo Fundo de Resolução ao fundo norte-americano Lone Star. Este mecanismo visa proteger o novobanco das perdas registadas num conjunto determinado de ativos problemáticos herdados do BES, vigorando até 2026.
E, ao abrigo deste acordo, o Fundo de Resolução ficou obrigado contratualmente a compensar o novobanco num montante que poderá ascender, no máximo, a 3,89 mil milhões de euros. Até à data, já foram realizadas injeções no valor de 3,4 mil milhões.
Para a história fica também a realização de 28 auditorias, assim como uma comissão de inquérito em 2021.
Calcanhar de Aquiles
Também a questão dos prémios fez correr muita tinta. António Ramalho tem direito a 410 mil euros em 2021: 372 mil euros foram pagos e 38 mil euros têm pagamento diferido. A este valor há que acrescer ainda um prémio de 1,6 milhões de euros à sua equipa, não revelando quanto caberá a cada administrador executivo. O relatório revelou ainda que «estes valores foram totalmente diferidos» e que «não haverá pagamentos até o final do período de reestruturação e, posteriormente, até às datas previstas». No entanto, só serão pagos, depois de as autoridades europeias darem luz verde à conclusão do plano de reestruturação, que ficou fechado no final de 2020.
Esta questão tem estado longe de ser pacífica. Em 2020, foi atribuído um prémio de quase 1,9 milhões de euros à comissão executiva e em 2019 tinha sido de dois milhões. «Esta questão dos prémios não me parece ser uma boa ideia», chegou a dizer Mário Centeno, governador do Banco de Portugal.