Do diamante português ao Rosa do Lulo: o incrível mundo dos diamantes

Mais de uma semana depois da descoberta do ‘Rosa do Lulo’, o maior diamante cor-de-rosa dos últimos anos, a Lucapa Diamond Company respondeu às questões da LUZ. Mas, para entender melhor a indústria diamantífera, contámos com o auxílio de Luís Chambel Cardoso, engenheiro de minas e investigador que trabalha em Angola há 30 anos.

Pouco tempo depois de chegar de mais uma viagem, ainda a conduzir, Luís Chambel Cardoso explica que viaja há três décadas para Angola. «A maior parte das vezes, para prospeção de jazigos de diamantes primários e secundários. O Rosa do Lulo foi descoberto na mina do Lulo, pela Lucapa Diamond Company, que começou por produzir nesta concessão há quase dez anos. Sempre teve como característica os baixos teores e encontrar pedras como esta, não forçosamente rosa… Esta, nem de perto nem de longe, é o maior diamante: é o maior diamante rosa das últimas centenas de anos, não o maior de todos», observa o engenheiro de minas que concluiu dois mestrados – em Geologia de Engenharia e em Gestão de Empresas – e um doutoramento em Ciências da Engenharia.

O profissional refere-se ao diamante que foi batizado ‘Rosa do Lulo’ – o maior diamante desta tonalidade desde o Great Table Diamond, o Darya-E-Noor – devido à mina homónima onde foi descoberto, no nordeste de Angola, que será o maior do seu tipo a aparecer nos últimos 300 anos e foi descrito pela Lucapa, Endiama e Rosas & Pétalas, parceiras na Sociedade Mineira Do Lulo, como motivo de orgulho e «histórico», sendo «o 5.º maior diamante e o 27º com mais de 100 quilates recuperado até à data na concessão do Lulo».

«Este recorde e espetacular diamante cor-de-rosa de Lulo continua a mostrar que Angola é um ator importante no panorama mundial da extração de diamantes», disse o ministro dos Recursos Minerais angolano, Diamantino Azevedo, enaltecendo a importância da descoberta. Já José Manuel Ganga Júnior, Presidente do Conselho de Administração da Endiama, destacou que «o campo de diamantes do Lulo voltou a entregar uma pedra preciosa e grande, desta vez um extremamente raro e lindo diamante rosa», adiantando que a quarta-feira da semana passada constituiu «um dia significativo para a indústria diamantífera angolana e para a parceria» formada pelas empresas.

Já se sabe que a pedra será vendida em leilões internacionais e prevê-se que atinja um valor extremamente elevado. No entanto ainda terá de ser cortado e polido para desenvolver todo o seu potencial. No decorrer deste processo, a pedra pode perder 50% do seu peso. Mas esta não é uma novidade para a Lucapa que, no passado mês de novembro, descobriu 13 diamantes, nesta mesma mina, situada em Capenda Camulemba, Lunda-Norte.

«As 13 pedras, com 4,15 quilates, embora pequenas em tamanho, são de qualidade superior, identificadas como Type lla, só descobertas em 2,0 por cento da totalidade dos diamantes encontrados em todo o mundo», escrevia o Jornal de Angola, lendo-se na nota divulgada, à época, que a «rara descoberta de oito diamantes com esta qualidade numa única amostra» ocorreu num bloco denominado Lo28.

«No Lulo, já tinham sido encontrados os cinco maiores diamantes descobertos em Angola, quatro dos quais com mais de 200 quilates, o que torna a mina num quimberlito raro. Com 420 trabalhadores, a mina do Lulo, integrada no complexo mineiro do Lucapa, é conhecida pelos diamantes raros e de alta qualidade. Desde o início da exploração, em 2010, o potencial de qualidade e quantidade foi percebido», dava conta aquele órgão de informação, realçando que, logo no primeiro ano de exploração, a mina conseguiu o valor mais elevado por quilate no mundo inteiro: 2.983 dólares, o equivalente a 2.941 euros.

No final do artigo, lê-se: «Os blocos 6 e 8 foram responsáveis pela produção de 13 das 15 pedras com mais de 100 quilates saídas desta mina, incluindo o maior diamante alguma vez encontrado em Angola (2016), com 404,2 quilates, leiloada a 16 milhões de dólares e após ser lapidado, foi transformado numa jóia que acabou por ser comercializada por 34 milhões de dólares», isto é, um ainda mais grandioso do que o ‘Pink Star’ (59,6 quilates) e o ‘Rosa do Lulo’ (170 quilates), sendo que os mesmos são classificados consoante o tipo a que correspondem e, portanto, se nos referirmos àqueles dois, estamos a abordar somente os cor-de-rosa puro.

Diamantes de cor e o seu valor

«É raríssimo pelo tamanho e pela cor. Tínhamos uma mina na Austrália que produzia, até há poucos anos, diamantes como este com maior volume mas de fraca qualidade. E era a principal fonte mundial de diamantes rosa e vermelhos, a mina de Argyle», diz, lembrando que, após 37 anos de operações e tendo esgotado as suas reservas económicas, a mina na localizada no leste de Kimberley, na Austrália Ocidental, entregou a sua produção final em 2020. «Digamos que são variações de tonalidade. Os defeitos na estrutura cristalina dos diamantes que provocam cores menos desejáveis, como os acastanhados, por vezes geram cores raras. Fechou e, de vez em quando, surgem diamantes rosa noutras minas, mas não com a regularidade desta mina australiana», avança Luís Chambel Cardoso.

«Estes diamantes grandes têm origem em grandes profundidades: são especiais. Provêm de profundidades maiores do que as dos diamantes normais, até 600km, enquanto os outros vão até 180-200km. Os diamantes são arrastados até à superfície por um tipo de vulcão que ocorre só no núcleo dos continentes: quando se dão estas erupções. Exploramos ‘os restos desses vulcões’ (nem todos têm diamantes) ou quando chegam à superfície, começam a ser decompostos pela chuva e arrastados ao longo dos rios. E, depois, vão-se depositando no fundo dos mesmos e nas margens destes», avança o engenheiro que se doutorou com a tese ‘Discussão duma estratégia para a fileira dos diamantes em Portugal’, em 2000.

«Os do Lulo são de origem secundária porque ainda não descobriram os quimberlitos que também têm estas pedras, no caso específico de Angola. Há uma outra mina, que também produz diamantes grandes, de Karowe, no Botswana, explorada pela Lucara. Que tem um nome quase igual ao da Lucapa mas, parece-me, por pura coincidência», acrescenta, sendo que a segunda – responsável pela descoberta do Rosa do Lulo – respondeu às questões enviadas pela LUZ.

«Temos vindo a extrair diamantes em Angola com os nossos parceiros há oito anos, recuperamos muitos diamantes grandes e muitos diamantes rosa da concessão do Lulo durante este tempo. Este diamante certamente ganhou atenção mundial pela sua cor e pelo tamanho», esclarece o CEO, Stephen Wetherall, avançando que «certamente não é surpresa recuperar grandes pedras no Lulo, pois é um ambiente único de grandes pedras», porém «cada diamante de grandes dimensões é uma agradável surpresa».

«A África possui cerca de 60% dos recursos de diamantes do mundo, então continuará a desempenhar um papel importante na paisagem dos diamantes. Enquanto as nossas minas em Angola e no Lesoto são grandes recursos de pedra que entregam preços médios mais elevados, as recuperações gerais de diamantes no continente irão refletir um preço médio mais modesto nos EUA e arredores», elucida, sendo crucial recorrer à plataforma theglobaleconomy.com, que contém livre acesso a dados relativos a 200 países, no âmbito dos negócios e da economia, pois disponibiliza vários indicadores relativos à indústria dos diamantes em Angola. Começando pela produção, em quilates, compreendemos que o valor médio para Angola entre os anos de 2004 e de 2021 foi de 8.564.143,4 quilates com um mínimo de 6.146.360,89 quilates em 2004 e um máximo de 9701708,71 quilates em 2007. O valor mais recente de 2021 é 8.723.068,71 quilates.

Se quisermos fazer uma comparação, a média mundial em 2021, com base em 57 países, é de 2.105.983,03 quilates. Prosseguindo para o valor da produção destas pedras preciosas, percecionamos que o valor médio, também no decorrer destes anos, foi de 1140,3 milhões de dólares – 1123,99 milhões de euros – com um mínimo de 788,14 milhões de dólares – 776,87 milhões de euros – em 2004 e um máximo de 1625,9 milhões de dólares – 1602,64 milhões de euros – em 2021. Comparando, novamente, a média mundial, no ano passado, era de 245,42 milhões de dólares – 241,91 milhões de euros -, o que nos permite entender a importância de Angola neste setor do mercado.

À semelhança destes valores, também os do quilate registaram o seu expoente em 2021. O valor médio para Angola, durante os 17 anos estudados, foi de 133,55 dólares – 131,66 euros – por quilate com um mínimo de 87,04 dólares – 85,81 – por quilate em 2009 e um máximo de 186,39 dólares – 183,75 euros – por quilate em 2021. Para comparação, a média mundial, em 2021, era de 69,73 dólares – 68,74 euros – por quilate.

Relativamente à exportação destas pedras preciosas, o valor passou de um mínimo de 788,14 milhões de dólares – 777,13 milhões de euros -, em 2004, para um máximo de 1554,48 milhões de dólares – 1511,36 milhões de euros – em 2021. Ainda assim, a economia angolana, devido ao impacto de fenómenos como a crise financeira de 2008 ou a pandemia de covid-19, parece continuar frágil e não ser consolidada por meio de negócios como o dos diamantes. Porém, parece haver esperança: segundo as previsões do Standard Bank – um dos maiores grupos de serviços financeiros da África do Sul, atuando em 38 países -, a economia angolana vai registar um crescimento médio anual de 2,5%, entre 2022 e 2025.

Este número foi apresentado por Fáusio Mussá, economista chefe do Standard Bank para Angola e Moçambique, durante a conferência ‘Investimento em Angola e Moçambique’, que teve lugar há quase duas semanas, em Lisboa. Na apresentação feita por Mussá, é possível concluir que o petróleo, o gás natural liquefeito, o petróleo refinado e os diamantes são aqueles que mais peso têm na balança comercial do país.

«Historicamente, concentramo-nos no continente africano devido aos seus vastos recursos e potencial de fonte primária inexplorada, mas nos anos mais recentes expandimos para a Austrália, investindo em projetos de exploração e desenvolvimento de minas», elucida Stephen Wetherall, sendo importante mencionar que, na plataforma anteriormente mencionada, nem todos os dados sobre este país estão disponíveis. Por exemplo, relativamente à produção de diamantes, em quilates, desconhecemos o valor, mas ficamos a saber que ocupa o 24.º lugar, estando a Rússia, o Botswana e o Canadá nos lugares cimeiros e Angola em sexto.

«Há 30 anos, ninguém dava valor aos diamantes de cor, mas agora tudo mudou. Talvez pela raridade. Por exemplo, por ter começado a haver a produção da Argyle: passaram de ser uma curiosidade para um mercado com algum interesse. São muito mais raros do que os diamantes incolores. Há quatro características principais: quilates, cor, forma e a qualidade da pedra lapidada e o facto de a pedra ter ou não fraturas internas (perde valor, neste caso)», clarifica Luís Chambel Cardoso, abordando os ‘4C’S da qualidade dos diamantes’, dando a conhecer a importância da lapidação – determinada pelo modo como as facetas dos diamantes interagem com a luz -, da pureza – medida das características naturais da pedra -, a cor – do tom natural – e do famoso quilate – o peso do diamante. 

Indústria com base na confiança

«Os portugueses tiveram um papel muito importante nesta área: primeiro, abrimos o comércio via marítima para a Índia. Até ao início do século XVIII, foi a única fonte de produção de diamantes. Depois, descobrimos os diamantes em Minas Gerais, no Brasil, e criámos talhes novos. Há um diamante que é o Diamante Português que, lapidado, tem quase o tamanho deste rosa. Por outro lado, o maior diamante do mundo é um carbonado, sem interesse para utilização na joalharia», indica o engenheiro, aludindo, em primeiro lugar, ao diamante que terá sido extraído no Brasil no século XVIII e passado a fazer parte das Joias da Coroa Portuguesa.

No entanto, não há documentação que sustente esta teoria e há relatos que vão mais ao encontro de outra hipótese: o diamante terá sido descoberto em Kimberly, na África do Sul, no início do século XX, após ter sido comprado e vendido, passando pelas mãos de vários indivíduos. Já quando fala no segundo, trata-se daquele que é conhecido por ‘Carbonado do Sérgio’, tendo este as maiores dimensões da forma mais dura de diamante natural: isto é, uma variedade impura de diamante policristalino constituída não só por diamante como também por grafite e carbono amorfo, como frisa Luís Chambel Cardoso.

«E o Museu da Ajuda tem joias da coroa real e muitas foram feitas com diamantes do Brasil. Os holandeses até deixaram que os roubassem…. Lidamos com gente muito diferente nesta profissão desde os executivos passando pelos garimpeiros. É isso que mais me fascina. E, claro, aprendi a andar em Moçambique e a ler em Angola e ficou sempre esta vontade: juntei a profissão à vontade de trabalhar em África», confessa. «Durante muitos anos, a indústria funcionava com base na confiança pessoal e no segredo. Havia pouca gente que sabia classificar diamantes e o valor que tinham… Era assim um bocadinho opaco. Portanto, por ser desconhecido, é que se dizem tantas asneiras. Diria que 99% dos diamantes, hoje em dia, são produzidos em empresas ‘normais’: conhecidas, com políticas modernas, mas há casos de exploração de diamantes em condições que não são ideais».

Por isso, o engenheiro e investigador entende a existência de escândalos como aquele que foi noticiado pelo jornalista angolano Rafael Marques. Em maio de 2015, a agência Lusa dava conhecimento de que «o jornalista e ativista angolano Rafael Marques» estava «livre das mais de 20 acusações que enfrentava num tribunal de Luanda, capital de Angola, e a Amnistia Internacional enalteceu o desfecho do caso», sendo que era «visado por sete generais angolanos, incluindo Manuel Hélder Vieira Dias Júnior ‘Kopelipa’, ministro de Estado e chefe da Casa de Segurança do Presidente da República José Eduardo dos Santos».

Em causa estava a obra Diamantes de Sangue: Corrupção e Tortura em Angola, editada em Portugal pela Tinta da China, em setembro de 2011. «No livro, Rafael Marques de Morais expôs alegados casos de corrupção e de violações de direitos humanos cometidos por generais do Exército angolano e por empresas de extração de diamantes, na região de Lunda Norte, junto à fronteira com a República Democrática do Congo», era frisado, tendo o autor aceitado não republicar o livro caso fossem retiradas todas as queixas de acusação.

«Os generais, a ITM, e a sociedade de Catoca (as empresas mineiras citadas no livro) aceitaram as explicações de Rafael Marques e demonstram que não querem continuar a litigar. Foram dispensados os declarantes e as testemunhas, porque as explicações que o Rafael lhes deu foram convincentes. Na segunda-feira serão realizadas as alegações finais, e esperamos que nos termos do artigo 418 do Código Penal o tribunal decida aceitar as explicações. As partes interessadas assim já decidiram e registaram em ata que estão de acordo com as explicações. O tribunal não deve, por isso, aplicar nenhuma pena ao Rafael», afirmava o advogado de defesa, David Mendes, ao portal Rede Angola, que auxiliou o jornalista a partilhar o PDF da obra, juntamente com a editora, que, em menos de 48 horas, já tinha sido divulgado 15 mil vezes. «Em menos de dois meses, o livro já foi descarregado por mais de 55 mil pessoas», escrevia a Lusa.

Apesar de todas as contrariedades, a 14 de agosto de 2013, Kerry A. Dolan e Rafael Marques de Morais publicaram uma reportagem, na Forbes, explicando a forma como Isabel dos Santos enriquecera. «Aos 40 anos, Santos é a única mulher bilionária da África e também a mais jovem do continente. Ela conquistou rápida e sistematicamente participações significativas nas indústrias estratégicas de Angola – bancos, cimento, diamantes e telecomunicações – tornando-a a empresária mais influente em sua terra natal» é um dos excertos que ilustram o modo como a política e a indústria dos diamantes angolanas andaram sempre de mãos dadas.

Mas apesar de reconhecer que o problema existe, Luís Chambel Cardoso não aceita que corresponda à generalidade do paradigma vivido. «Quando não conhecemos uma realidade, temos de ter cuidado para não a analisarmos apenas com a nossa lupa. Eu conheço Angola e sei que é uma sociedade pouco transparente: é verdade. Enquanto o Brasil, Moçambique, etc. têm as concessões mineiras disponíveis online, Angola não tem. Está dependente dos diamantes e do petróleo? Sim, mas são completamente distintos em termos de valor. O valor da produção anual de diamantes, em Angola, corresponde ao valor da produção de uma semana do petróleo. Há coisas que deviam funcionar de forma mais clara, como é óbvio, mas todas as sociedades têm problemas. Há 30 anos, não encontrávamos mesquitas no interior de Angola e hoje isso é diferente», adiciona. «Há uma variação enorme nos diamantes: pode valer 1 dólar por quilate ou menos ou 1 milhão de dólares por quilate. Se for industrial (para ferramentas de corte e perfuração, acima de tudo), pode valer pouco e, se for extremamente raro, grande, em certos casos, chega a 1M. 1 quilate é 0,2 gramas. 1 grama são 5 quilates. Esta mina produz diamantes que valem, em média, perto de 2 mil dólares por quilate. É talvez a mina que produz, atualmente, os diamantes mais valiosos, mas tem produções baixas que se comparam com a mina do Catoca» – fica mais perto de Saurimo, capital da província de Luanda Sul  -, «que produz 6M de quilates».