Se há mérito reconhecido a António Costa, tanto pelos seus seguidores como pelos seus detratores, é que o líder do PS e primeiro-ministro tem uma habilidade política rara e uma igualmente invulgar capacidade de gestão do poder e das peças do xadrez político, que manobra com frieza e calculismo ímpares.
Foi, aliás, com esse saber feito de intuição e oportunismo político que, independentemente das amizades, fações, alinhamentos ou interesses de qualquer índole, chegou ao poder no partido e no país.
Apanhando-se lá, revelou, aí sim, toda a sua mestria, consolidando-o e reforçando-se. E já lá vão sete anos e ainda tem mais quatro de uma legislatura em que o PS conta com maioria absoluta no Parlamento.
Com trágicos incêndios em 2017, uma pandemia pelo meio e o regresso da guerra à Europa, o Governo de Costa ainda não deixou uma única marca de esperança para o futuro, caminhando para a falência dos serviços públicos em todas as funções mais básicas do Estado, da Segurança à Justiça, da Educação à Saúde. Apesar das contas certas, mercê de uma carga fiscal que bate recordes, ainda que disfarçada em impostos indiretos e manobras nas taxas de retenção.
Estão a cumprir-se sete-anos-sete de governação socialista. E não apenas meros meses de um Governo de maioria absoluta.
Os sinais de desgaste e de descoordenação são evidentes. Mas fruto do ciclo de poder que se iniciou em 2015, com a ’geringonça’, e não apenas destes últimos tempos.
Que, na verdade, foram – estão a ser – um desastre.
A guerra na Europa agudizou a situação económica e social, com a crise energética e de matérias-primas e a inflação.
Mas não desculpa tudo. Tal como a pandemia serviu de justificação para muito mais do que os problemas graves e cada vez mais evidentes de um Serviço Nacional de Saúde em implosão.
O episódio da desautorização recíproca do primeiro-ministro e do ministro das Infraestruturas, com a precipitação do anúncio dos novos aeroportos pelo responsável pela pasta e a revogação do despacho do Ministério pelo chefe do Executivo no dia imediatamente seguinte sem que ninguém se demitisse ou fosse demitido, foi a manifestação máxima do estado a que chegou a falta de discernimento no interior do Governo.
Ninguém fala com ninguém? Será possível uma das maiores obras estruturais para o país ser decidida e anunciada por um ministro sem dar uma palavra ao chefe do Governo e, este, ao Presidente da República?
Ainda por cima, umas semanas antes o primeiro-ministro fizera saber que tinha contratado um novo diretor de comunicação e coordenação de informação para o Executivo.
Pior ainda se tivermos em conta que o ministro em causa é um assumido e legítimo candidato à liderança do partido.
Como se não bastasse, veio agora a público que o ministro das Finanças e também ele um dos putativos concorrentes à sucessão de António Costa tratou de contratar o antigo diretor de informação de uma televisão privada – onde, a convite daquele, o agora governante e então presidente da Câmara de Lisboa passou a ter um espaço de comentário semanal – para o seu Ministério, como responsável pela avaliação de políticas públicas.
Não está em causa a capacidade técnica de Sérgio Figueiredo para o exercício daquelas funções, nem tão pouco o vencimento que possa auferir (equivalente ou mesmo superior ao do ministro) ou até as suas ligações ou amizades no passado recente.
O que está em causa é que Fernando Medina contratou-o sem sequer ter previamente informado o primeiro-ministro.
Ou seja, mais um a achar que corre em pista própria e sem ter de dar satisfações a ninguém.
Com ministros que se julgam tão autónomos assim, não há primeiro-ministro que resista. Mesmo tratando-se de António Costa e mesmo que este, habilidosamente, diga que cada um tem total autonomia para gerir o seu gabinete.
Faltam quatro anos para o fim desta legislatura… se chegar ao fim.
Se o Presidente da República foi o primeiro a avisar, logo na posse, que o facto de ter uma maioria absoluta não conferia ao primeiro-ministro o poder para fazer o quiser, e nomeadamente para abandonar o barco a meio e zarpar para Bruxelas cedendo a cadeira a quem bem quisesse, nunca em democracia se traçaram tão curtos horizontes para um Governo maioritário.
Parece que ninguém se entende e cada um faz o que quer.
E, assim, não há primeiro-ministro que resista. Por mais habilidoso que seja na gestão política e do jogo político. Porque é urgente também governar. E governar pressupõe coordenação.