Oitenta e três anos depois, o Casa Pia volta a ser obrigado a receber o Benfica longe de Pina Manique. Hoje, pelas 18h00, o jogo será em Leiria – e em Leiria irão os gansos jogar em casa contra FC Porto e Sporting também, está decidido em nome de uma qualquer política igualitária que não faz grande sentido, mas enfim.
A primeira vez que houve um Casa Pia-Benfica para o campeonato nacional, no dia 26 de Fevereiro de 1939, a partida disputou-se no Restelo. Primeira e única, já agora: daí para cá nunca mais os casapianos tinham regressado à I Divisão.
De certa forma é triste que certos velhos campos históricos de Portugal tenham ultrapassado os seus prazos de validade.
Mas é a nova realidade de um jogo que não passa ao lado da modernidade contínua.
Em 1939, foi no Restelo. Jornada 6. Tão único foi esse confronto que merece que aqui fiquem registados os nomes dos que nele participaram: Casa Pia – Sousa; Pité e Frazão; Correia e Duartino; Carmo, Sérgio, Ramos Dias, Marques e Costa Santos. Benfica – Martins; Vieira e Gustavo; Gaspar Pinto, Raul Baptista e Francisco Ferreira; Barbosa, Alcobia, Espírito Santo, Xavier e Valadas.
Sousa, Fernando Sousa, foi a grande figura do jogo. O Benfica atacou de forma endemoninhada. Era natural que o fizesse. Até aí, os gansos contavam com cinco jogos e cinco derrotas: em casa frente ao Académico do Porto (1-3), fora com o Belenenses (1-7); no Barreiro, contra o Barreirense (1-3), em casa face ao Sporting (2-4) e no Porto, esmagado pelo FC Porto (0-10). Em último lugar, com zero pontos e uma contabilidade negativa de 5-27 (!!!), com a Académica de Coimbra dois pontos à frente, já era o grande candidato à descida, tal como veio a acontecer.
Jogar contra o Benfica ameaçava mais um tarde de penúria. Pois bem, os gansos agarraram-se à sua mística e àquela rivalidade particular com as águias já que tinham sido sobretudo casapianos antigos atletas do Benfica, chefiados por Cândido de Oliveira (juntamente com Ricardo Ornelas, David Ferreira, Mário da Silva Marques e António Pinho), que fundaram o Clube Atlético Casa Pia, em 1920, que veio tomar o lugar da antiga equipa da Real Casa Pia de Lisboa, a orgulhosa primeira vencedora do clube dos ingleses do Carcavelos, em 1898.
Houve, portanto, uma alma gigante que resistiu como pôde ao avassalador ataque dos encarnados que, além de terem contra si, a inspirada exibição do guarda-redes Fernando Sousa, viram os seus temíveis avançados, sobretudo Espírito Santo e Alfredo Valadas falharem pontapés que deveriam ter sido certeiros.
A derrota e a derrocada
«45 minutos de mau futebol», escreveu, desiludido, um dos cronistas da época ao intervalo. Se alguém tinha que arcar com o bruto das culpas, era o Benfica. Segunda classificado, com três ponto de atraso em relação ao primeiro, o FC Porto, perder pontos no Restelo significaria afundar-se ainda mais na curta corrida para o título – apenas 14 jornadas – e ainda por cima, na semana seguinte, os portistas teriam de se deslocar a Lisboa para defrontarem o Benfica, precisamente.
Não admira que a segunda parte tenha tomado foros de massacre. Mas alertava o nosso cronista, sempre atento: «O nível de jogo, porém, não melhorou e, por isso, tecnicamente o encontro continuou a desenrolar-se sem agrado». O agrado do público benfiquista acabaria por chegar quando já poucos contavam, aos 87 minutos, num lance individual de Guilherme Espírito Santo concluído com um remate certeiro e definitivo. 1-0 era pouco, sobretudo se pensarmos nas debilidades de uma defesa que sofrera 28 golos em seis jornadas.
Para infelicidade dos gansos, a defesa frágil continuou frágil. E as derrotas enfileiraram-se: 0-2, Académica (casa); 0-1, Académico do Porto (fora); 2-3, Belenenses (casa); vitória por 2-1 sobre o Barreirense em casa (aleluia!); 1-5, Sporting (fora); 1-2, FC Porto (casa); 1-10, Benfica (fora); 0-4, Académica (fora). Dois pontos apenas, último lugar atrás do Académico do Porto que fez dez, 12 golos marcados e 56 sofridos, regresso à II Divisão. A primeira teve de esperar até hoje. Sede bem-vindos!