Se de um lado se somam já centenas de declarações de escusa de responsabilidade nos hospitais, os médicos que aceitam fazer mais de 150 horas extra estão a ser confrontados com outro papel para assinar este verão: para receberem, a partir desse patamar de trabalho extraordinário, 70 euros por hora, conforme o Decreto-Lei n.º 50-A/2022, têm de manifestar por escrito a sua concordância em realizar, quando necessário, «um período equivalente a 96 horas de trabalho suplementar num período de oito semanas, até 24 horas extra por semana». A clarificação surge na circular enviada aos conselhos de administração dos hospitais pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) e, ao que o Nascer do SOL apurou, já há hospitais a dar a declaração a assinar aos médicos. É o caso do Centro Hospitalar Lisboa Norte. Significa que, no mínimo, dão acordo a fazer pelo menos 246 horas extraordinárias este ano. Médicos ouvidos pelo Nascer do SOL estranham a redação, que implicaria que, estendido a todo o ano, tivessem de aceitar fazer mais de 600 horas extra anuais para receber os 70 euros prometidos no decreto-lei a partir da 151ª hora extraordinária.
Ao Nascer do SOL, fonte da ACSS clarificou entretanto que só têm de indicar a disponibilidade para fazer 96 horas extra além das 150 obrigatórias por lei «uma vez». A circular, que entretanto já foi publicada no site da ACSS, esclarece de também que para este efeito, ainda que o novo regime só agora entre em vigor, contam as horas extraordinárias feitas desde o início do ano. Ao Nascer do SOL, o organismo indicou não dispor de dados sobre quantos médicos excederam este plafond de horas extra nos últimos anos.
ACSS vai ser intermediária
Uma das novidades desta circular foi pôr por escrito que além dos serviços de urgência externa, o novo regime de pagamento de horas extra abrange também urgências internas, unidades de cuidados intensivos e unidades de cuidados intermédios, o que já tinha sido comunicado aos administradores hospitalares – e que torna mais difícil que os pagamentos majorados possam ser feitos dentro do teto previsto no decreto-lei (uma despesa com horas extra e prestadores de serviço idêntica a 2019), quando quase todos estão a recorrer a mais trabalho extraordinário do que antes da pandemia. Sobre isso, a circular também vem agora dizer que podem ser tidas em contas as atualizações salariais anuais e que, «em função do detalhe da monitorização mensal das várias medidas previstas no Regime, e sob proposta fundamentada do respetivo serviço ou estabelecimento, a ACSS comunica atempadamente à tutela as situações em que seja necessário eventual reforço orçamental». Ou seja, que eventualmente pode haver forma de gastarem mais do que em 2019. O SOL procurou perceber em que medida uma circular da ACSS se sobreporá a um decreto-lei, tendo sido remetido para o ponto em que o que é referido é que será feita a proposta de reforço orçamental à tutela. Aí a decisão de autorizar despesas acima de 2019 voltará a ser do Governo, que manteve para já o decreto-lei com esse travão.