A Colômbia é a mais recente nação a acompanhar a mudança à esquerda no barómetro político da América do Sul, depois de na segunda-feira ter visto pela primeira vez na sua história ser nomeado um Presidente esquerdista, Gustavo Petro.
Antigo guerrilheiro marxista, Petro tem entre as suas principais promessas eleitorais resgatar o país da violência da guerra às drogas, mas também acabar com a pobreza, preparar a Colômbia para lutar contra as alterações climáticas e até uma liga de futebol feminino profissional.
«É hora de uma nova convenção internacional que aceite que a guerra às drogas fracassou», disse Petro, citado pela Associated Press. «Claro que a paz é possível, mas depende da substituição das atuais políticas de drogas por medidas fortes que impeçam o consumo nas sociedades desenvolvidas», acrescentando que esta «guerra» fez «um milhão de mortes entre os latino-americanos nos últimos 40 anos» e provocou «overdoses a cerca de 70 mil norte-americanos por ano».
O novo Presidente da Colômbia, um ex-rebelde marxista do grupo guerrilheiro colombiano M-19, superou os partidos conservadores com o seu «manifesto radical», tal como descreve a BBC.
Petro cativou a população, que, no ano passado, organizou diversos protestos contra o Governo do ex-Presidente Ivan Duque, durante os quais dezenas de manifestantes foram mortos.
A luta contra a desigualdade é um dos principais focos do manifesto de Petro, com promessas de educação universitária gratuita, reformas previdenciárias e altos impostos sobre terras improdutivas. Na sua lista de ações está também implementar totalmente o acordo de paz de 2016 que encerrou um conflito de 50 anos com o grupo guerrilheiro comunista Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e procurar negociações com os rebeldes ainda ativos do Exército de Libertação Nacional (ELN).
«Não quero dois países, assim como não quero duas sociedades. Quero uma Colômbia forte, justa e unida», disse Petro durante o seu discurso de posse. «Os desafios e testes que temos como nação exigem um período de unidade e consenso básico».
Nova Venezuela?
O novo Governo colombiano rompe com décadas de tradição de governação conservadora e os analistas e especialistas internacionais olham para os planos de Gustavo Petro com ceticismo.
«Ele tem uma agenda muito ambiciosa», disse o ciêntista político da Universidade Rosario de Bogotá, Yan Basset, à Al Jazeera. «Petro terá de encontrar as suas prioridades. O risco que enfrenta é que irá atrás de muitas reformas de uma vez e não conseguirá fazer nada» através do Congresso da Colômbia.
Petro venceu as eleições por apenas dois pontos percentuais e ainda é uma figura controversa na Colômbia, onde a maioria não vê com bons olhos a participação de ex-guerrilheiros na política.
Existe também quem condene as ligações do novo Presidente. «Rússia, China e Venezuela ganham um aliado. Devemos lembrar que Petro nunca condenou a guerra na Ucrânia e defende que a ruína da Venezuela é atribuída à dependência do petróleo e não ao regime ditatorial chavista», disse o ex-embaixador colombiano em Washington, Francisco Santos, ao El Mundo. «Joe Biden perde e o Governo dos Estados Unidos perde o seu melhor aliado nesta parte do mundo. Além disso, Petro anunciou que atribuirá a José Luis Rodríguez Zapatero um papel no seu Governo, o que significa que Juan Guaidó é outro dos perdedores. Não esqueçamos que Zapatero foi aliado de Nicolás Maduro, Presidente da Venezuela».
Mas as dúvidas não assentam apenas em Petro, os analistas colocam em questão a viabilidade de todo o movimento de esquerda que está a chegar aos países da América Latina, como o Chile e o Peru e que poderá chegar este ano ao Brasil caso Lula venca Jair Bolsonaro em outubro.
«Assim que os novos líderes conquistaram o cargo, as suas promessas de campanha colidiram com uma realidade sombria, marcada por uma guerra europeia que disparou o custo dos bens do dia-a-dia – de combustível a alimentos – piorando as condições de vida de eleitores já sofredores e diminuindo muito da boa vontade que os Presidentes costumavam desfrutar», pode ler-se num artigo do New York Times, assinado por Julie Turkewitz, Mitra Taj e John Bartlett. «Ao contrário de hoje, a última onda significativa da esquerda na América Latina, durante a primeira década do milênio, foi alimentada por um boom de matérias-primas que permitiram aos líderes expandir programas sociais e deslocar um número extraordinário de pessoas para a classe média, elevando as expectativas de milhões de famílias», argumenta o jornal.
«Agora, a classe média está a diminuir e, em vez de um boom, os Governos precisam de lidar com as pressões dos orçamentos da pandemia, a inflação descontrolada alimentada pela guerra na Ucrânia, o aumento da migração e as consequências econõmicas e sociais cada vez menores», acrescenta.