O futebol em Portugal vivia embalado pela música mágica dos Cinco Violinos, essa inesquecível linha avançada do Sporting: Jesus Correia, Vasques, Travassos, Albano e Peyroteo. Mas, curiosamente, os ares do Porto desafinava o quinteto. Reparem neste pormenor: o Sporting jogando com os seus avançados divinos juntos, jogou três vezes na capital do norte, a primeira no Estádio do Lima, no dia 20 de abril de 1947, vencendo categoricamente por 4-2, as duas seguintes no Campo da Constituição, sendo derrotado sem rebuço – 1-4, no dia 8 de fevereiro de 1948 e 0-1 no dia 5 de dezembro do mesmo ano.
Os Cinco Violinos, foi um apodo inventado pelo grande jornalista João Joaquim Tavares da Silva, natural de Estarreja, que escreveu em publicações como a Stadium, Diário de Lisboa e O Norte Desportivo e foi treinador no Belenenses, Académica de Coimbra, Lusitano de Évora, Sporting da Covilhã e Sporting, além de selecionador nacional. Os Violinos eram uma coqueluche do futebol português desse tempo ao ponto de poderem ser protagonistas de um filme dirigido por Arthur Duarte, o Leão da Estrela, cujo guião foi baseado na peça de teatro de um indefetível benfiquista, Félix Bermudes, a meias com Ernesto Rodrigues. O meu amigo, e cinéfilo imbatível que é Artur Guilherme Carvalho, resumiu uma vez a trama desta forma simples: «De um lado o gigante António Silva encarna Anastácio, o lisboeta típico, cheio de pompa e esquemas de última hora para ir resolvendo as dificuldades quotidianas. Do outro, Erico Braga (Barata, ou Baratinha), um comerciante novo-rico do Porto, sócio ferrenho do FCP. A pretexto de um FC Porto – Sporting a família de Anastácio decide instalar-se na casa dos Barata. Utilizando o automóvel e o motorista de um vizinho ausente, Anastácio faz passar a ideia que a sua família é também rica. Tudo se irá complicar quando os Barata decidem visitar os lisboetas na sua própria cidade».
Enfim, quase todos nós vimos a película, por mais do que uma vez, não há necessidade de entrar em muitos pormenores, embora a frase marcante de Anastácio, o pobretanas a armar ao fino, nos tenha ficado no ouvido para todo o sempre: «Ó Baratinha, tens aí vinte paus que me emprestes?»
A realidade e a ficção
O jogo a que Anastácio e Barata assistiram perde-se entre a realidade e a ficção. Houve jogo? Houve! Foi assim como se passou na película, entusiasmando os espetadores por poderem ver na tela os ases da bola? Não! Nesse ano de 1947, o FC Porto recebeu o Sporting no Estádio do Lima para o campeonato nacional. Um Sporting de estadão, de Cinco Violinos afinadíssimos. O Estádio do Lima, o melhor da cidade, nem era pertença dos portistas, e sim de outro clube tripeiro, o Académico, que desapareceu entretanto no sempre sem fundo poço do olvido. Vitória leonina de deixar aos abraços Anastácio Silva e o chofer Miguel, mesmo que o primeiro embirrasse solenemente com o facto de o segundo arrastar a asa à sua criada Rosa (Laura Alves): 4-2. Os golos, autênticos, do Sporting dos dois maganões lisboetas que se tinham congregado na patifaria de viajar de Lisboa à capital do norte no automóvel de luxo do Comandante, patrão ausente da personagem encarnada por Artur Agostinho, um multifacetado que, além de ator foi repórter da radiotelefonia e que, por mais do que uma vez, entrevistou os jogadores em disputa na trama, tiveram a assinatura de Jesus Correia (2), Peyroteo e Albano. Azar para Jesus Correia e Albano, que foram apagados da tela. Peyroteo e Travassos estavam, como se calcula, muito mais na moda. Arthur Duarte deu-lhes a primazia do golo.
Na produção da Tobis, poupou-se nos golos: 2-1 para os de Alvalade, com Peyroteo e Travassos a marcarem pelos Lisboetas e Araújo a dar uma alegria ao Baratinha. Na vida a sério, o grande Travassos só marcou um golo ao FC Porto: no dia 16 de maio de 1948. Numa vitória por 5-2, em Alvalade. Foi a realidade a imitar a ficção.