O pré-aviso de greve dos trabalhadores da Portway esteve para se realizar em abril, mas acabou por ser cancelado porque o Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Aviação Civil deu espaço à administração para dar uma resposta às suas reivindicações. Uma delas passa por voltar a pagar os feriados a 100%, deixou de ser pago durante três anos, para evitar mais despedimentos, mas após este período a situação manteve-se. O processo está agora à espera de uma decisão do tribunal.
Pedro Figueiredo, um dos dirigentes do SINTAC, admite que “neste momento todas as opções estão esgotadas” e garante que “a empresa prefere ir por outros caminhos”, daí a estrutura sindical ter avançado com um pré-aviso de greve para os dias 26, 27 e 28 de agosto. O responsável reconhece que isso irá afetar o funcionalmente normal dos aeroportos, mas também afirma que o sindicato assumirá as suas responsabilidades.
No mesmo dia em que foi feita a entrevista, o SINTAC teve acesso ao despacho assinado pelo secretário de Estado do Trabalho, Miguel Fontes, e pelo secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Santos Mendes, “no qual é referido que os trabalhadores que prestam assistência a passageiros de mobilidade reduzida nos aeroportos nacionais, pertencentes à MyWay, têm que assegurar os seus postos de trabalho, mesmo que seja de sua vontade aderir à greve agendada”.
Isto significa que, segundo o documento, “em cada dia de greve, os trabalhadores da Portway deverão assegurar os serviços mínimos de assistência em escala para de 1 voo diário Lisboa/Funchal e Funchal/Lisboa e 1 voo diário Porto/Funchal e Funchal/Porto”. No entanto, a estrutura sindical lembra que, nesses dias estão previstos “21 voos de igual natureza em Lisboa e oito voos no Porto, assistidos por outras empresas que não a Portway”.
Uma situação que leva a estrutura sindical a garantir que “este despacho institui dois novos direitos constitucionais: o direito ao turismo e o direito dos interesses económicos das multinacionais, em detrimento do direito à greve”, acrescentando ainda que é uma forma “encapotada” do Governo conseguir constranger o direito à greve de alguns dos trabalhadores da empresa de handling.
O SINTAC fez chegar ontem uma carta aberta aos trabalhadores da Portway com o pré-aviso de greve agendado para os dias 26, 27 e 28 de agosto, onde são denunciadas as atitudes da entidade empregadora e é feito o apelo à paralisação geral de todos os trabalhadores. Este pré-aviso chegou a estar marcado para abril, mas acabou por ser cancelado e está agora marcado para o final desta semana…
Tínhamos marcado um pré-aviso de greve, em abril, na altura da Páscoa, mas acabou por ser cancelado porque demos uma oportunidade à empresa. Mas pela forma como as coisas foram conduzidas desde aí começámos a perceber que houve uma profunda má-fé por parte da administração face ao acordo feito em abril. Neste momento temos todas as opções esgotadas. Somos um sindicato que está sempre aberto ao diálogo, ainda agora estivemos reunidos com a empresa e, mais uma vez, a empresa prefere ir por outros caminhos.
Na carta aberta falam dos problemas das progressões de carreiras que estão a ser feitas por via das avaliações impostas, e por outro lado, do incumprimento do pagamento de feriados a 100%…
Essas duas questões são o basilar de tudo.
Uma das críticas é que os feriados estão a ser pagos a 20 euros…
Sim. Já viu o que é trabalhar num dia de Natal ou num outro feriado que seja e receber por esse dia 20 e poucos euros?
Como era pago anteriormente?
O pagamento de feriados a 20 euros é resultado de um acordo que foi feito entre outros sindicatos, o qual não subscrevemos. Esse acordo foi realizado em 2020 e subscrito por três sindicatos que, em principio tinham menor representatividade, nós ficámos de fora desse acordo de 2020, após uma consulta aos associados do SINTAC e ratificado pela direção deste sindicato, precisamente por essa situação dos feriados e outras que dariam mais perda de direitos.
Constata-se, até porque é público, por parte desses sindicatos que há um desconforto enorme por causa do pagamento de feriados. Esses próprios sindicatos fizeram crer que se sentem defraudados com essa situação, tanto é assim que um deles já manifestou esse desconforto em uma missiva enviada à empresa e numa determinada reunião de obtenção de um acordo único com todos os sindicatos. Ou seja, esses mesmos sindicatos fizeram uma proposta à empresa diferente em relação ao que diz respeito aos feriados.
Em relação ao SINTAC, o nosso acordo de 2016, em que a redação dos feriados é igual desde 2000, isto é, desde que existe a Portway, previa que os pagamentos relativos aos feriados fossem a 100%. No entanto, em 2016, houve um congelamento do pagamento nesse montante e passou para 50% devido ao despedimento coletivo que a Portway efetivou. Nessa altura, para evitarmos o máximo possível de despedimentos acordámos com a empresa num período máximo de três anos, que o pagamento de feriados fosse a 50%. Esse congelamento era para vigorar durante três anos e, no final desse período, voltaria aos 100%.
Para nosso espanto, a empresa veio dizer que o pagamento de feriados estava correto e entende que está a cumprir até decisão judicial em contrário. Ou seja, o que a empresa quer é, mais uma vez, por caminhos sinuosos dizer que está a cumprir porque o tribunal ainda não decidiu o contrário.
Mas a ação está a decorrer no tribunal?
A ação está a decorrer. Mas como todos sabemos podemos andar aqui 10 anos à espera de uma decisão. É só recorrer, recorrer e solução para os problemas imediatos não temos. E o sindicalismo em Portugal não se faz nos tribunais, nem pode ser isso. Queremos um sindicalismo real e não nos tribunais. Queremos diálogo, acordos admissíveis e paz social.
E essa redução do pagamento de feriados em 50% era apenas para três anos…
Era uma medida transitória, está escrita e está perfeitamente comprovada em ata. Mas no final desses três anos, a Portway veio dizer que não tinha de fazer esse descongelamento. Por outro lado, a empresa que, nesse ano, passou a ter nova administração que considerou que não tinha que fazer nenhuma progressão em termos de carreiras e que iria manter tudo congelado.
Logo nesse ano, o SINTAC colocou um pré-aviso de greve, na altura do Natal e teve uma adesão brutal e com grandes impactos. E agora lamentavelmente iremos pelo mesmo caminho. Não era este o desfecho que queríamos, até porque não queremos prejudicar os viajantes que estão a pensar em embarcar ou desembarcar nesses dias.
Vai inevitavelmente afetar quem vai ou quem regressa de férias…
Até éramos para ter o pré-aviso de greve para o fim de semana que tinha o feriado de 15 de agosto, o que até iria ter muito mais impacto, mas optámos por adiar devido a esse fator. Mas qualquer data que possamos marcar iremos ser sempre alvos dessa crítica, mas temos de aceitar e de assumir essa responsabilidade. E assumiremos essa responsabilidade com toda a certeza.
As imagens de verdadeiras paralisações que assistimos no início no verão nos aeroportos poderão voltar-se a repetir?
Julgo que sim, embora não tenhamos por hábito lançar esse tipo de prognóstico porque, por vezes, podemos não acertar bem nas perspetivas. Esperemos que tudo corra bem e que se possam concretizar as viagens nos dias seguintes e que, a partir daí, seja retomada a normalidade.
E o handling complementa os outros serviços das restantes empresas de aviação…
As companhias voam para cá, chegam com um piloto e com a sua tripulação que geralmente é composta por cinco a sete pessoas e o que querem é sair o mais rápido possível e com o máximo de segurança. Na última greve houve relatos de aviões que saíram com a mesma bagagem de chegada, ou seja, voltaram e levaram a mesma carga para trás, só trocaram de passageiros.
Daí as queixas de malas perdidas…
Para todos os efeitos as malas nessa situação estão perdidas, claro que depois depende das políticas de cada uma das companhias áreas.
Na carta aberta criticam também a empresa de recorrer aos trabalhadores de trabalho temporário em grandes quantidades e na colocação desses mesmos trabalhadores em posições de chefia com experiência quase nula…
Não temos nada contra em relação a esses profissionais, os quais valorizamos e com os quais gostamos de trabalhar, até porque queremos que continuem na empresa. A questão é que esse comportamento mostra uma espécie de alguma provocação por parte da empresa. Isto é, a empresa tem quadros e esses não estão a ser chamados a assumir essas posições.
Só por aqui consegue-se visionar qual é a política, nomeadamente por parte dos recursos humanos. É uma política de completa provocação. Se a empresa prefere fazer dessa forma então vamos respeitar mas, pelo menos, que cumpram a lei relativamente a quem é colocado em cargos de chefia. E como tal deem um contrato a esses mesmos trabalhadores que estão a exercer cargos de chefia.
Ainda na semana passada, a Portway disse que “repudia veementemente qualquer acusação de cedências ou facilitismos operacionais”…
A empresa quando fez essas declarações referia-se à segurança operacional e não em concreto a esses trabalhadores que estão a laborar e a ocupar cargos de chefia. A empresa quando fez essa afirmação julgo que estava a reagir a declarações nossas relativamente ao facto de ter muitos trabalhadores precários, com experiência quase nula, o que é verdade, e que pode levar a que haja falhas de segurança, nomeadamente nos dias de greve.
Alertas semelhantes que foram feitos no passado, quando ocorreu a greve dos estivadores…
Sim, mas estamos a falar de atividades diferentes. A atividade naval é completamente diferente da aviação. No nosso caso estamos a falar de Aviação, em que, a segurança é fator muito mais importante e a ter em conta.
Sem falar dos erros que podem ocorrer…
E se ocorrer um erro é de extrema gravidade. Já para não falar da situação em que trabalhadores se vêm disponibilizar, por via de pressão ou não, para fazerem funções para o qual não estão habilitados ou, até mesmo, de trabalhadores que não são da mesma categoria profissional. Eu sendo técnico não posso substituir um operador. Isso é um crime perante a lei, no que diz respeito à substituição de grevistas. Já para não falar que as formações que essa pessoa tem não são válidas para executar as funções de outra categoria profissional.
Há aqui duas coisas muito distintas: por um lado, não terem a certificação ou não estarem autorizados a verificar determinados documentos oficiais para a execução do voo – simplesmente por não terem essa formação ou por não estarem autorizados para exercer esse tipo de funções – e, por outro lado, colocarem trabalhadores a fazerem funções que não são da categoria.
Por exemplo, um técnico de assistência em escala não pode ir para a placa do aeroporto agarrar em malas e pô-las dentro do avião, primeiro porque não está licenciado para o fazer, segundo não tem essa categoria profissional. O mesmo acontece com a função de operar veículos. É a mesma coisa do que dizer: ‘vou pegar num carro, mas não tenho carta’. Já viu o risco que isto é, principalmente em contexto de aviação? Pode danificar um avião, isto é uma coisa muito complicada.
Já tentaram obter uma resposta por parte do Governo às vossas reivindicações? Tanto que o turismo é uma das políticas de bandeira…
O Ministério das Infraestruturas está completamente ao corrente do que se está a passar porque são eles que vão definir a questão dos serviços mínimos. Também pedimos uma reunião urgente aos grupos parlamentares e, até ao momento, só um partido é que aceitou reunir-se connosco.
Qual foi o partido?
O Livre.
Na semana passada três estruturas sindicais – Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC), Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil (SPAC) e Sindicato dos Técnicos de Manutenção de Aeronaves (SITEMA) – convocaram uma ação de protesto. Não pensaram juntarem-se a este movimento?
O SINTAC é um dos maiores sindicatos da aviação civil e não está ligado a nenhuma central sindical. E, por isso, diferenciamos muito bem o que é político e o que não é político. O SINTAC está pelo trabalhador e para o trabalhador e não gostamos de misturar esses problemas que sejam de outros quadrantes, embora tenhamos alguma representação nessas empresas, ainda assim, queremos manter as coisas bem separadas porque o sindicato tem ferramentas para poder discutir e temos uma posição muito clara em relação a essa situação. Estamos para tratar dos problemas em concreto com o grupo Vinci. E esse foi um protesto que foi da TAP e isso isso são outras decisões sindicais, do qual não nos pretendemos misturar.
As reuniões que têm tido são com a Vinci?
Temos tido reuniões com representantes do grupo Vinci. Ainda agora tivemos uma reunião com a CEO para a Portway.