Desafiado pelo meu velho camarada Afonso de Melo, “regresso” agora a Bordéus, 38 anos depois.15 de Julho de 1984.
Depois de ter viajado de carro (!…) desde Abrantes, de onde saíra mais de vinte e quatro horas antes, Chalana chegou finalmente a Bordéus.Estava à sua espera.
Visível e compreensivelmente cansado, Aquele que, semanas antes, fizera esbugalhar de espanto os olhos da Europa do futebol, preparava a sua aventura num «mundo novo».
A noite terá sido «percorrida» apressadamente. Oito horas depois Chalana apresentava-se para o primeiro treino sob o comando de Aimé Jacquet.
Tenso, ansioso, fechado, nem o bigode farto lhe servia de disfarce. Mais tarde confessou-me que as pernas lhe tremiam…
… Como, visivelmente, lhe tremiam as mãos, quando das muitas solicitações para dar autógrafos.
Entrou no balneário, do qual foi o último a sair antes de chegar ao relvado, onde os novos companheiros, em pequenos grupos, iam trocando a bola entre si.
Acompanhamo-lo da cabina ao relvado e ouvi-lhe a primeira queixa: «As botas são pesadas, tem muitos pítons, embora de borracha».Animei-o: «Quem sabe como tu, até joga descalço». Não terei sido convincente…
Entrou, finalmente, no relvado, sem saber para onde se dirigir, que grupo escolher para se integrar na troca de bola. Foi o defesa Rorh quem o «ajudou» passando-lhe a bola pela primeira vez. Terá sido um alívio…
Poucos minutos volvidos, o técnico Aimé Jacquet distribui-lhe um colete… encarnado.Depois, sim, tudo se lhe tornou mais fácil, quando utilizou a sua «linguagem».
No final do treino, Chalana já parecia «outro». E os colegas não escondiam o entusiasmo. Battiston era, porventura, o mais surpreendido, quando me perguntou se «ele joga sempre assim?».
Roupeiro… só nos jogos – Comprar pomada e engraxar as botas
Fernando Chalana encontrou em Bordéus hábitos (e costumes!…) muito diferentes daqueles a que estava habituado no Benfica.
Antes do primeiro treino foi-lhe entregue um saco, contendo todo o equipamento de treino, botas e toalha para o banho. Chalana não contava com a «oferta». Mais: foi informado que teria de ser ele a cuidar do seu material, inclusive das botas. Reagiu assim: «Agora terei de ser eu a comprar pomada e uma escova para engraxar as botas… Meu querido José Luís (referia-se ao roupeiro do Benfica). Aqui , o roupeiro só nos dias de jogos…».
A 10 era do Giresse – Chalana não quis a camisola 11…
No Benfica, Chalana já tinha estatuto para usar a camisola 10 (como Pelé, Eusébio, Maradona ou Platini). Todavia, ao chegar a Bordéus, o número dos «seus amores» já tinha dono – e que dono!
«Tenho predilecção pela camisola 10, mas já sei que não a poderei usar, é do Giresse. Aqui é como no Benfica, os mais antigos tem direitos neste aspecto».
Sugeri-lhe a camisola 11. Voltou a não me «ouvir»… – «Não, não gosto desse número, como não gosto de números ímpares. Nunca gostei. Vou ver se consigo a 8. Desde que seja um número par, não haverá problema. No Europeu joguei com a 4 e as coisas saíram-me bem».
Treino a 10 francos para ver Chalana…
O ingresso de Chalana no Bordéus implicou números gigantescos.
Tratou-se da transferência mais cara do futebol francês: 18 milhões de francos para o Benfica (mais de 300 mil contos…). Para Chalana ficou destinado um «bolo» de 7 milhões de francos, a receber nos três anos de contrato, incluindo ordenados e prémios.
O bulício da transferência ficou sublinhado com algo de inédito no clube: 10 francos para ver o primeiro treino de Chalana. O Bordéus tentava tudo para amenizar o estremeção financeiro resultante da aquisição do «mais espectacular jogador do Euro-84».
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