De um lado, mudança e promessas de acabar com o regime de partido único. Do outro, continuidade e uma oportunidade para acabar o que se começou. A campanha para as eleições gerais em Angola chegou ao fim, na segunda-feira, com os dois grandes adversários a realizarem os seus comícios de encerramento em Luanda.
Mais de 14 milhões de eleitores são chamados às urnas esta quarta-feira, naquele que se acredita ser um dos mais competitivos escrutínios na história política do país. Dele sairá o novo presidente, como também os 220 membros da Assembleia Nacional.
Ao todo existem oito listas a concorrer – mais duas do que em 2017 –, mas a disputa ocorre entre as duas maiores forças políticas em Angola. O MPLA – a força política dominante desde a independência – é favorito, mas a UNITA sonha conseguir chegar, pela primeira vez, ao poder, contando com Adalberto Costa Júnior para concretizar esse objetivo.
O partido do poder fez o seu último “ato político de massas”, no sábado, em Camama, Luanda, perante um recinto com 600 mil pessoas, segundo a organização. Só João Lourenço discursou, durante mais de hora e meia, num tom mais comedido e de menos provocação aos seus principais adversários políticos. E trouxe um discurso essencialmente focado em dois aspetos: as conquistas do seu primeiro mandato e as promessas para os próximos anos, caso vença as eleições.
Sem mencionar o nome do seu antecessor, José Eduardo dos Santos, enumerou uma série de feitos, numa tónica muito assente nas insuficiências da governação que o antecedeu.
“Rompemos com o tabu da luta contra a corrupção. Ninguém poderia procurar tirar do papel esta orientação do partido que é antiga, de acabar com algo que nos envergonhava”, afirmou o líder do MPLA.
As áreas da saúde, energia e emprego mereceram mais tempo no último discurso do cabeça de lista do MPLA. Depois de prometer novos projetos para desenvolver a rede eléctrica do país, referiu que em breve o país vai ter um hospital universitário.
“O partido é sério, é um partido comprometido com o desenvolvimento de Angola, com o bem-estar dos angolanos no geral”, frisou João Lourenço pedindo mais um voto de confiança.
“Não há democracia sem alternância” Na segunda-feira, coube à UNITA realizar o seu comício final, perante milhares de apoiantes – talvez a maior mancha humana presente num comício do partido em todas as eleições realizadas desde o fim da guerra em 2002 –, no antigo recinto da Filda, no Cazenga, Luanda. O líder do partido, Adalberto Costa Júnior, foi perentório: “É hora da mudança”.
No arranque lembrou Agostinho Neto, Holden Roberto, Jonas Savimbi e também o ex-Presidente angolano. “José Eduardo dos Santos e Savimbi deram continuidade à necessidade de conciliar este grande país, mas o trabalho não foi acabado”, defendeu.
Depois falou sobre os últimos cinco anos apelar ao povo angolano a que não tenha “medo da alternância”. “Não há democracia sem a alternância do poder”, vincou, argumentando que a continuidade do partido único no poder “corresponde ao adiamento do desenvolvimento de Angola”.
Um dos momentos altos do discurso do cabeça de lista da UNITA teve como enfoque o desemprego, que atinge cerca de 60% da população jovem angolana, faixa na qual há mais ânsia por mudança. Adalberto Costa Júnior dedicou ainda o seu discurso a matérias como a educação, prometendo a gratuitidade da escolaridade obrigatória até à universidade, as estradas e a saúde.
O MPLA, que governa o país desde a independência em 1975, dá sinais de perder popularidade, mas, mesmo assim, “a paisagem política extremamente desigual ainda favorece o partido no poder”. Pelo menos essa é a convicção de um relatório do Instituto de Estudos de Segurança (ISS) da África do Sul sobre as eleições em Angola.
Borges Nhamirre, o investigador que assina o estudo, acredita que o tabuleiro está demasiado inclinado na direcção do partido no poder para que haja uma real possibilidade de a UNITA vencer as eleições, ainda que esta se mostre “revitalizada, com um novo líder e ideias frescas”, bem como “membros importantes de outros partidos da oposição e personalidades da sociedade civil”.
E traça dois cenários mais prováveis: “O primeiro, e mais provável, é que o MPLA ganhe a eleição, manipulando as instituições eleitorais e judiciais e beneficiando da sua parcialidade”, explica. “O segundo cenário, que é menos provável, é a vitória da UNITA”, refere.
Em todo caso, segundo as perspetivas mais pessimistas do investigador, seja ele qual for, o resultado trará uma tensão pós-eleitoral propícia à violência nas ruas. Uma vitória do MPLA pode trazer um “levantamento popular”. Se a UNITA vencer, “isso levará alguns grupos conservadores no MPLA a recusarem a transferência de poder” obrigando a uma “mediação para evitar um conflito violento pós-eleitoral”.
O anúncio dos primeiros resultados das eleições gerais em Angola deverá coincidir com a data do funeral de José Eduardo dos Santos, a 28 de agosto.