A Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) apresentou, esta semana, vários contributos ao Governo para a elaboração do Plano de Poupança de Energia. É possível quantificar essa poupança nas propostas que avançaram?
Neste momento, penso que é muito difícil quantificar. Por isso é que propomos um conjunto de medidas que devem ser acompanhadas para ver se essas medidas são ou não suficientes.
Além de sugerirem desligar as luzes das montras no comércio de rua, também se mostram disponíveis para discutir a redução dos horários. Esta última proposta tem sido mais contestada, especialmente pelos centros comerciais e os hipermercados.
Essa questão de eventualmente reduzir o horário das lojas foi colocada como uma hipótese, para se discutir, nem sequer fizemos uma proposta nesse sentido. Claro que isso levantou polémica, como era de prever. O que acontece é que, se houver necessidade de fazer alguma redução, não sabemos se há necessidade ou não, só depois de pôr em prática as outras medidas é que podemos ver se são suficientes para atingir os tais 7% que o Governo português pretende poupar. Se virmos que é necessário, então é necessário encontrar uma solução entre todos os setores. Mas isso não diminui naturalmente o volume de negócios total das empresas, porque as pessoas vão fazer à mesma as compras.
Num cenário de redução horários, menos horas é capaz de implicar menos compras…
As pessoas acabam sempre por se adaptar aos novos horários. A medida tem é de ser equilibrada, não é reduzir nuns setores e noutros não. Isso é que não. Mas esse é um tema que lançámos para discussão, não é uma proposta concreta. Aliás, para apresentarmos estas propostas consultámos muitas associações, muitos comerciantes e muitos lojistas, quer dos centros comerciais, quer do comércio de rua. E há propostas completamente diversas.
E qual foi a recetividade?
Acho que a comunicação social empolou um dos aspetos que nem sequer é o principal. A nossa principal preocupação é que o Governo, para fazer as contas, tenha em consideração os valores de faturação. Entre 2020 e 2021, os dados são atípicos porque tivemos longos períodos de encerramento dos estabelecimentos. Se for colocada uma percentagem abaixo de 2020 e 2021, isso atinge números perfeitamente irrisórios. Pode-se usar, por exemplo, o patamar de 2019.
O ano pré-pademia…
Exatamente. E isso é uma preocupação nossa. Mas não podemos esquecer que em Portugal há sempre grandes preocupações com as mudanças, no entanto, nada disto que foi falado são coisas diferentes do que está a ser visto e feito noutros países. Por exemplo, Espanha já decretou limitações ao ar condicionado e às temperaturas.
E também sugerem a diminuição da iluminação noturna, no caso das montras…
Exatamente. E em França já foram aplicadas multas a quem tiver o ar de condicionado ligado e a porta aberta.
Portugal é mais resistente à mudança?
Por vezes, mas o que pretendemos é que, já que há uma preocupação e um problema nacional, então devemos analisar diversas hipóteses. É evidente que, na minha opinião, houve uma excessiva relevância dada à problemática dos horários, sob a qual não demos resposta nenhuma, dissemos apenas que não devia ser tabu e que devia ser discutido. Acho que, se estamos perante um problema nacional, então devemos discutir várias hipóteses, até se pode chegar a uma conclusão num sentido ou a uma outra conclusão, num outro sentido. Mas, por exemplo, para já, há uma grande confusão sobre a Associação de Centros Comerciais, que é a associação dos proprietários, não é dos lojistas. E nós, na confederação, temos os lojistas e nem sempre os interesses das duas partes são coincidentes. É evidente que eles arrendam o espaço e a rentabilidade para os lojistas não é uma grande preocupação dos proprietários, apesar de receberem um valor percentual sobre as vendas.
Mas a Associação de Centros Comerciais diz que encerrar mais cedo vai ‘empurrar’ as pessoas para o comércio online…
Até pode ser, mas o consumo online é das mesmas marcas dessas mesmas lojas. Isto é perfeitamente normal, mas evidentemente que os interesses de uns não são sempre coincidentes com os outros.
Aliás, a própria CCP até alertou para o facto de existirem diferentes realidades dentro do setor e que as medidas têm de ser feitas de forma ponderada para não haver medidas compulsivas…
Exato, para muitos lojistas dos centros comerciais seria natural fechar mais cedo de domingo a quinta, porque só às sextas e aos sábados é que têm negócios mais significativos à noite. Mas em contrapartida deve manter-se até mais tarde, a restauração e os cinemas.
Já em relação à diminuição da iluminação noturna (montras e iluminação pública), seguindo o exemplo de outros países europeus, fala na ‘necessidade de garantir o reforço da segurança e policiamento’. Há abertura para isso?
Isso são medidas que estão a ser estudadas em vários países. Há países, por exemplo, que resolveram deixar de iluminar os monumentos públicos. Ou seja, colocámos um conjunto de questões que devem ser estudadas e analisadas, até porque, da parte do Governo e dos operadores, até é mais fácil perceber quais são os consumos de todos e avaliar quais são os efeitos da sua baixa.
O Governo remeteu uma resposta para setembro…
Foi o Governo que nos pediu para apresentarmos propostas, não só a nós, mas a muitas outras entidades. Simplesmente, nós como achámos que o problema era importante e resolvemos tornar as propostas públicas, não faço ideia nenhuma o que é que outras entidades terão colocado, mas se calhar até apresentaram propostas mais discutíveis.
A Associação de Centros Comerciais sugeriu a aposta no consumo através de autoprodução, recorrendo a painéis foto voltaicos, mas para isso é preciso agilizar os processos de licenciamento…
Sim, mas nós também apresentámos uma série de coisas nessa área e chamámos a atenção nomeadamente para as dificuldades que há no licenciamento e para as dificuldades que os comerciantes podem ter na colocação de painéis nos edifícios devido à legislação dos condóminos. Isto tudo levanta um conjunto de problemas. Por isso é que achamos que faz sentido facilitar a regulamentação da instalação que atualmente, por vezes, demora meses e meses. Além disso, também pensámos – seguindo o exemplo do já existe em vários países – que deve haver benefícios financeiros e fiscais para quem tomar essas medidas. Isto é, devem ser compensados. É o caso, por exemplo, da substituição do ar condicionado, já que os antigos consomem cinco ou seis vezes mais do que os novos.
Isso implica investimento…
A maior parte das empresas de pequena e média dimensão, neste momento, não têm capacidade para fazer esse investimento e, por isso, teria que ser possível usar os fundos europeus ou benefícios fiscais. E a implementação dessas medidas devia ser voluntária. Há empresas que podem até ter facilidade em investir, mas outras não. Por isso, esta é uma área bastante importante. Por outro lado, também achamos que o Governo deve insistir em medidas pedagógicas, em campanhas de informação antes de entrar nas multas e nas penalizações, como em França. Os franceses aplicam uma multa de 700 euros a um estabelecimento que tenha o ar condicionado a funcionar e que esteja de porta aberta.
A ideia passa primeiro por sensibilizar antes de haver essa tentação de multar?
Sem dúvida, até porque para muitos pontos de venda não é fácil ter portas automáticas, etc., etc.
Outra questão tem a ver com a inflação. A taxa não pára de aumentar e tudo indica que deverá manter-se. Isso terá inevitavelmente impacto no consumo?
A inflação vai ter impacto no consumo, porque dificilmente, pelo menos, em Portugal, os aumentos salariais acompanharão a 100% a taxa de inflação.
E estamos a falar de uma inflação na ordem dos 10%, o que implicaria um aumento salarial, no mínimo, nesses valores…
Na média anual nunca serão os 10%, o valor será sempre abaixo. Mas, de qualquer modo, apesar de os aumentos na contratação coletiva e em outro tipo de instrumentos, a inflação será sempre superior à dos últimos anos. É muito difícil as empresas terem condições para compensarem isso. Por isso, é natural que possa haver alguma perda do poder de compra.
E essa perda do poder de compra deveria ser compensada pela implementação de algumas medidas?
O que já avançámos, assim como outras confederações no seu conjunto, é que é preciso apostar em medidas fiscais. No caso da CCP, pensamos que o Governo tem que encarar alguma redução em termos de IRS.
Isso representaria um alívio imediato em termos salariais…
Até porque o Governo está a ter receitas maiores também devido a inflação.
Isso até se tem visto pelos dados apresentados pela execução orçamental…
Exato e achamos que uma parte significativa desse excedente de receitas resultado da inflação deveria ser investido na economia, quer em termos fiscais para as empresas, quer em termos fiscais para os consumidores.
O Governo tem avançado com medidas pontuais. É o caso, por exemplo, do cabaz alimentar. Mas abrange uma franja mais pequena e que enfrenta maiores dificuldades…
Achamos bem que as franjas com maiores dificuldades tenham esse tipo de medidas. Mas, do lado das empresas, a manter-se esse ritmo de crescimento da inflação, a maior parte não aguenta porque não pode refletir todas essas subidas nos preços. O Governo tem de utilizar essa almofada financeira para reinvestir na economia.
E as empresas já enfrentaram uma pandemia que afetou inevitavelmente os resultados…
E estão descapitalizadas. Algumas delas estão a pagar os empréstimos que fizeram durante a pandemia e, apesar de terem beneficiado de alguns adiamentos fiscais, o que foi positivo, agora é preciso pagar. Se não houvesse estas consequências da guerra na Europa provavelmente toda a gente estaria mais folgada.
Estamos em finais de Agosto. Daqui a pouco, o Governo já está a discutir as medidas do Orçamento de Estado e, acima de tudo, o aumento do salário mínimo nacional. O que está à espera?
O Governo apresentou um calendário quando foi eleito, não sei se tencionará restringir-se a ele ou se irá mexer nessas datas. Não temos qualquer indicação nesse sentido. Por outro lado, estamos a discutir com o Governo aquele pacto que propôs para o aumento dos rendimentos e da competitividade. Mas, até agora, da parte do Governo não temos qualquer medida. Está previsto começar a discussão sobre o tema.
Quando é que vai ser retomada essa discussão?
Está previsto em concertação social retomar essas questões, a partir da primeira semana de setembro.
Na última entrevista apontou para o problema da falta de mão-de-obra e que é transversal a todos os setores. Como está a situação agora?
O problema continua bastante complicado. Claro que no verão se agravou, porque há o emprego sazonal, que é muito forte devido ao turismo. E esta é mais uma das razões para, se calhar, os países repensarem em algumas destas temáticas, como é o caso dos horários, porque não se arranja pessoal. Por exemplo, as lojas que querem abrir ao fim de semana, seja na rua, seja nos centros comerciais, têm dificuldade em encontrar pessoas que queiram trabalhar nesses dias. Aliás, quando se falou na hipótese de discutir a eventual possibilidade de reduzir horários também teve a ver com a falta de mão-de-obra, porque sabemos que há neste momento, por iniciativa própria, restaurantes que têm salas fechadas por falta de trabalhadores. Também os lojistas nos centros comerciais queixam-se de não conseguirem arranjar pessoas que queiram trabalhar ao fim de semana.
Uma das soluções passa por recorrer à imigração. É suficiente?
Isso é obrigatório, porque a correção democrática, mesmo que venha a ser feita, vai demorar umas dezenas de anos.
Pelo menos, tendo em conta as necessidades imediatas…
Não há outra alternativa. Por isso é que insistimos com o Governo nessa matéria e penso que tem tomado algumas medidas nesse sentido, nomeadamente facilitar a imigração quer do Brasil, quer dos PALOP. Até porque, no caso do comércio e nos serviços ao consumidor, o problema da língua é um problema importante. Um técnico informático pode ter dificuldades com o português, agora, quem estiver no front-office de uma loja ou de um cabeleireiro, ou de outro serviço qualquer, que tenha um contacto direto ao consumidor, a língua é uma questão decisiva.
Mas para isso é preciso agilizar mais os processos de autorização?
O Governo tem tomado algumas medidas nesse sentido, mas o ritmo não tem sido propriamente aquele que é necessário.
Em relação ao PRR, praticamente todos os projetos já foram aprovados, apesar de haver alguns atrasos em termos de pagamento. Continua a achar que ficou aquém do desejável?
Os projetos foram adjudicados no papel. Mas aí temos dois problemas: uma coisa é planear no papel que X vai para aqui e X vai para acolá, mas tudo o que envolva, por exemplo, concursos públicos para construções ou para outras atividades está muito longe de ter níveis satisfatórios. Há concursos que têm estado vazios porque os preços que estavam previstos ser feitos não estão atualizados devido à inflação e depois ninguém concorre. Há toda uma série de problemas complexos nessa área e depois há os atrasos nos pagamentos e, neste momento, o volume de pagamentos que chegou às empresas é irrisório. Já em termos dos projetos que foram aprovados para as empresas, independentemente do que está planeado e do que está atribuído, estamos muito longe de valores satisfatórios.
E, mais uma vez, com a tesouraria das empresas fragilizada, o que se pediria era maior rapidez em termos de pagamento…
Pois. E além disso há outra questão que nos preocupa: é que Portugal tem tido um nível de execução interessante em termos europeus, mas os fundos europeus tradicionalmente têm uma fórmula que é o chamado N+3, ou seja, podem-se prolongar sempre por mais três além do objetivo e o PRR não.
Foi o que aconteceu com Portugal 2020…
São os três anos a mais, ou seja, em relação ao período previsto há uma almofada de aplicação de cerca de três anos. O PRR não tem e tem de ser aplicado até 2026.