Seis meses depois de começada a guerra na Ucrânia, os efeitos na economia fazem-se sentir cada vez mais. E Portugal não fica alheio à tendência mundial.
«Para Portugal e outros países longínquos, os principais impactos da guerra foram reforçar o choque de preços da última fase da pandemia. Isso a que agora se chama ‘inflação’ e a conexa subida das taxas de juro são os sintomas principais. Acabou o período doentio de taxas anormalmente baixas», diz ao Nascer do SOL João César das Neves.
E o último impacto na economia portuguesa foi o anúncio da EDP Comercial e da Galp no que diz respeito aumento dos preços do gás, a partir de outubro. Primeiro foi a EDP Comercial a anunciar que vai aumentar o preço do gás às famílias em média 30 euros mensais, mais taxas e imposto, o que corresponderá a mais cinco a sete euros de taxas e impostos, disse a presidente executiva da empresa, Vera Pinto Pereira. No mesmo dia, foi a vez da da Galp lhe seguir o exemplo, não revelando, no entanto, qual será o valor desse aumento.
E qual a razão? A elétrica justifica a decisão com a escalada de preços do gás nos mercados internacionais, nos últimos meses, uma situação que foi agravada pela guerra na Ucrânia e as restrições ao abastecimento de gás russo, o que fez também aumentar o preço em outros mercados, como, por exemplo, no gás proveniente da Argélia. Já a Galp tinha aumentado as tarifas de gás natural aos clientes domésticos a 15 de abril, contando nessa altura com aumentos mensais de até três euros para os principais escalões de gás natural, e de novo em julho, um aumento que rondou os 3,60 euros para o escalão mais representativo de clientes.
Um anúncio que levou o Governo a avançar com medidas para mitigar estes efeitos, sendo uma delas a permissão legal para as famílias e os pequenos negócios acederem ao mercado regulado desta energia. «Os preços do mercado regulado serão menos de metade dos preços dos comercializadores que anunciaram o seu aumento. Acreditamos mesmo que com esta mudança muitos consumidores passarão a ter uma fatura de gás inferior a atual», revelou o ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro.
De acordo com o governante, esta medida vai vigorar pelo prazo máximo de 12 meses e poderá abranger até cerca de 1,5 milhões de clientes. Outra medida diz respeito ao relançamento do programa Bilha Solidária, para o qual mobilizou financiamento do Fundo Ambiental, recordando que «há duas semanas impôs um preço máximo para a venda de garrafas de gás, medida que protege mais de dois milhões de consumidores».
A resposta é suficiente? César das Neves admite que o «impacto foi suficientemente rápido e incerto para não ter resposta política evidente, pelo que as críticas não são óbvias. O único ponto em que se pode falar de falha é no apoio às classes mais desfavorecidas, que mais uma vez foram as mais afetadas e não tiveram apoio suficiente».
Já para Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, admite que o Governo tem procurado mitigar os efeitos negativos da guerra na população mais vulnerável, mas acredita que em relação «ao fenómeno nefasto da inflação, o Executivo poderia ter ido mais além, nomeadamente no que concerne à política fiscal dos combustíveis fósseis».
Energia com impacto mais visível
Para Ricardo Evangelista, diretor executivo da ActivTrades Europe, não há margem para dúvidas: «A subida do preço da energia foi a consequência mais notada da invasão da Ucrânia». E lembra que, além desta, também é possível apontar para «alguma turbulência nos mercados de matérias primas alimentares, cujos preços num momento inicial registaram subidas importantes», acrescentando que «esta dinâmica provocou uma aceleração na subida da inflação e ocorreu também uma mudança no equilíbrio geopolítico europeu, com a Alemanha, e alguns outros países, forçados a mudar abruptamente a sua estratégia energética».
Também o analista da XTB Henrique Tomé sublinha que os produtos energéticos e o preço dos produtos agrícolas sofreram uma escala de preços, «aumentando ainda mais as pressões inflacionistas que na altura já se faziam sentir». E, apesar de reconhecer que o preço da maior parte dos produtos agrícolas já voltou para os níveis pré-guerra, no lado dos produtos energéticos as pressões de alta continuam devido às tensões entre a Rússia e a Europa no que diz respeito ao fornecimento de gás natural.
«A Rússia tem usado o gás natural como chantagem, dado que o país continua a ser um parceiro importante no que diz respeito ao fornecimento de gás e cerca de 40% do gás natural que a Europa importa é proveniente da Rússia», diz ao Nascer do SOL, lembrando ainda que, «neste momento, esta é a grande preocupação dos mercados – o risco de um corte no fornecimento de gás natural que pudesse trazer consequências económicas severas para a Europa».
Inflação problemática
Segundo Paulo Rosa, a inflação é o principal impacto negativo na economia portuguesa. O economista garante que poderia ser mais baixa se o Governo tivesse implementado uma política orçamental expansionista alicerçada numa maior redução dos impostos sobre os combustíveis fósseis importados, abdicando de uma parte maior do ISP (Imposto sobre Produtos Petrolíferos), bem como do IVA, nomeadamente aquele que recai sobre os hidrocarbonetos.
E faz as contas: a receita do ISP do executivo português subiu 84,7 milhões no primeiro semestre deste ano, relativamente ao semestre homólogo de 2021, para 1.608,6 milhões. Também entre os mesmos semestres, o IVA aumentou cerca de 25% de 7.920,7 milhões para 1.0052,3 milhões de euros.
O economista diz ainda que as crescentes preocupações com o aperto no fornecimento de gás da Rússia e com o aproximar do inverno vão continuar a pressionar a inflação na zona euro e poderão forçar o Banco Central Europeu (BCE) a uma maior contração monetária, baseada numa subida dos juros acima do esperado. «Diante deste cenário, intensifica-se a deterioração das perspetivas económicas na Zona Euro. Neste contexto, acentua-se o agravamento das dificuldades para a economia nacional e para o executivo português».
E não hesita: «O combate à inflação, e aos seus vícios, é para o BCE mais importante do que evitar uma recessão. Por isso, esta insistência do banco central será cada vez mais visível, nem que imponha uma recessão mais ou menos cavada. É certo também que uma recessão é deflacionista, aumentando o desemprego, diminuindo o rendimento disponível, abrandando os gastos das famílias e, por fim, aliviando a pressão sobre os preços».
Recessão à vista?
Ricardo Evangelista deixa a porta aberta para «um cenário que deixa antever, antes do final do ano, uma recessão na zona euro». E dá uma explicação: «Espera-se que a inflação, sobretudo no setor da energia, continue a ser um problema. Existe também a possibilidade de a Rússia cortar completamente o fornecimento de gás a Europa, o que irá agravar o cenário que já se ateve de recessão na zona euro».
Segundo este responsável, as perspetivas não são animadoras. «Um agravamento da conjuntura económica dentro da zona euro irá certamente forçar uma revisão das metas económicas. O objetivo para o crescimento do PIB em particular poderá ter que ser revisto».
César das Neves mostra-se também cético em relação ao futuro. «É tudo ainda muito incerto, mas até pode ser melhor que se teme. Claro que também pode ser pior». Face a este cenário, admite que as metas económicas possam ser revistas.
Também Henrique Tomé conclui que o desfecho desta situação continua a ser uma incógnita, mas lembra que «é importante notar que a Rússia também está a sofrer severas consequências económicas com a guerra. A economia russa continua isolada e o país não tem capacidade financeira para continuar a suportar os custos da invasão na Ucrânia» e, mesmo reconhecendo que é difícil avançar com previsões, afirma que a resolução do conflito poderá chegar a um acordo se voltar a existir espaço para o diálogo entre todos os países envolvidos.
Quanto às metas económicas, o analista afirma que poderão novamente ser revistas e possivelmente em baixa, apesar de «nesta fase ser difícil avançar com projeções, uma vez que existem muitas incertezas nos mercados». Uma opinião partilhada por Paulo Rosa, que considera que face a tudo o que está a acontecer «é provável que o Executivo seja forçado a rever em baixa o crescimento do PIB e em alta a inflação projetada para este ano».