Os produtos energéticos e o preço dos produtos agrícolas foram os que sofreram uma maior escala de preços com a guerra na Ucrânia, “aumentando ainda mais as pressões inflacionistas que, na altura, já se faziam sentir”. Henrique Tomé, analista da XTB, apesar de reconhecer que o preço da maior parte dos produtos agrícolas já voltou para os níveis pré-guerra, no lado dos produtos energéticos as pressões de alta continuam devido às tensões entre a Rússia e a Europa.
Também Ricardo Evangelista, diretor executivo da ActivTrades Europe, deixa a porta aberta para “um cenário que deixa antever, antes do final do ano, uma recessão na zona euro”. E dá uma explicação: “Espera-se que a inflação, sobretudo no setor da energia, continue a ser um problema. Existe também a possibilidade de a Rússia cortar completamente o fornecimento de gás à Europa, o que irá agravar o cenário que já se antevê de recessão na zona euro”.
E Portugal não é a única nação afetada e vários países têm vindo a multiplicar medidas para atenuar este impacto. O primeiro país a dar o tiro de partida foi Espanha ao anunciar a redução do IVA de 10 para 5%, um ano depois de ter baixado a taxa geral de 21% para 10%. “Vamos desta forma proteger as famílias”, disse, na altura, o primeiro-ministro espanhol, defendendo que “a origem da inflação em Espanha, na Europa e no mundo é uma guerra às portas da Europa”.
Agora foi a vez de França garantir que o Governo irá amortecer o aumento do preço da energia para os consumidores. A primeira-ministra francesa, Elisabeth Borne, garantiu que não vão deixar que os preços da energia subam rapidamente para os consumidores e que serão tomadas medidas “para acompanhar os mais desfavorecidos”.
Bruno Le Maire, ministro da Economia de França, foi mais longe: “Vejam o que está a acontecer em Espanha e no Reino Unido, com as contas da eletricidade a aumentarem 60%, 70%, 80%, enquanto nós temos um aumento de 4%. Não estou a dizer que este aumento é pequeno, mas insisto que vejam como o Presidente [Emmanuel Macron] e o seu Governo amorteceram o choque”.
E perante o agravamento dos preços da energia devido à guerra na Ucrânia, o Executivo de Macron limitou os aumentos de gás e eletricidade para os consumidores privados, num esforço equivalente a 20 mil milhões de euros para os cofres do Estado.
Além disso, não descarta a hipótese de avançar com um imposto especial para as empresas com maior margem de lucro. Uma solução que tem sido falada em Portugal, principalmente por parte dos países de esquerda, mas que tem sido afastada para já, pelo Governo e também pelos economistas contactados pelo i. Ainda este domingo, Catarina Martins apontou para os “lucros estratosféricos” dos grandes empresários, numa alusão aos resultados de empresas como a Galp, por exemplo. E garante que o problema da inflação é o galopar dos preços sem que se aumente os salários”, defendeu, considerando que António Costa é o grande culpado desta situação. “Em Portugal, os salários não são atualizados porque isso aumentaria a inflação e os preços não são regulados simplesmente porque não. Nem mesmo um imposto contra lucros excessivos o Governo português teve a coragem de fazer”, disse a líder bloquista, referindo que “depois do assalto da Troika, é o assalto da inflação”.
Luís Mira Amaral afasta esta hipótese de taxar lucros excessivos ao afirmar que as empresas já enfrentam uma dupla tributação: IRC e contribuições extraordinárias. “A ideia é taxar os lucros extraordinários dessas empresas? O IRC já cobre isso”, questiona.
Já João César das Neves admite que “estas medidas de taxar lucros extraordinários são compreensíveis, mas muito perigosas”. E acrescenta: “Só seriam razoáveis em casos muito especiais, que não parece o caso. Os impostos dessas empresas já sobem neste ano, porque os lucros sobem. Criar um imposto novo para levar os lucros excecionais nos anos bons e não dar nada nos anos maus só serve para descapitalizar as empresas, precisamente numa altura em que precisamos que as empresas de energia encontrem fontes alternativas, quer pela guerra, quer por razões ambientais”.
Inglaterra acena com apoios Também o ministro britânico da Economia, Nadhim Zahawi já veio admitir que as famílias do Reino Unido que auferem rendimentos baixos e médios – abrangendo rendimentos anuais superiores a 45 mil libras (cerca de 53 mil euros) vão necessitar de apoios governamentais para fazer face ao aumento da fatura energética deste inverno. Esta garantia surge um dia depois de o regulador do setor energético britânico ter anunciado que o preço máximo que as empresas de energia poderão cobrar aos clientes domésticos por ano, a partir de 1 de outubro, foi fixado em 3549 libras (4202 euros), um valor que compara com o atual de 1971 libras (2325 euros).
Zahawi diz ainda que está a explorar “todas as opções” possíveis para ajudar as famílias do país nos próximos meses, lembrando ainda que o país atravessa atualmente uma “emergência económica nacional que pode durar 18 meses ou dois anos”.
Entre as alternativas que estão a ser estudadas pelo Governo, mas que só serão decididas pelo próximo primeiro-ministro, está o aumento dos subsídios sociais ou um programa de empréstimos aos fornecedores de energia para evitar que passem para os consumidores os custos extra.
Nadhim Zahawi revelou ainda que estão também a ser consideradas medidas para ajudar as pequenas e médias empresas, como reduções temporárias do IVA, uma vez que existe a convicção de que não ajudar as empresas deixará “uma cicatriz, a longo prazo, na economia”.
E Portugal? O Governo acredita que mecanismo ibérico tem contribuído para reduzir o preço do mercado grossista [em Portugal], mediante a limitação dos preços do gás para produção de eletricidade”, tal como tem sido defendido pelo regulador, permitindo aos produtores venderem eletricidade aos comercializadores, com valores abaixo do de grandes países europeus, como a Alemanha e França.
E na semana passada focou-se na apresentação de medidas para reduzir o impacto da subida dos preços do gás, depois de a EDP Comercial ter anunciado que ia aumentar o preço do gás às famílias em média 30 euros mensais – mais taxas e imposto, o que corresponderá a mais cinco a sete euros de taxas e impostos – e de a Galp seguir o exemplo, não revelando, no entanto, qual será o valor desse aumento. Para “fintar” estes aumentos vai ser possível às famílias e aos pequenos negócios acederem ao mercado regulado desta energia. “Os preços do mercado regulado serão menos de metade dos preços dos comercializadores que anunciaram o seu aumento. Acreditamos mesmo que com esta mudança muitos consumidores passarão a ter uma fatura de gás inferior à atual”, revelou o ministro do Ambiente.
De acordo com Duarte Cordeiro, esta medida vai vigorar pelo prazo máximo de 12 meses e poderá abranger até cerca de 1,5 milhões de clientes. Outra medida diz respeito ao relançamento do programa Bilha Solidária, para o qual mobilizou financiamento do Fundo Ambiental, recordando que “há duas semanas impôs um preço máximo para a venda de garrafas de gás, medida que protege mais de dois milhões de consumidores”.
Quando questionado se as respostas do Executivo têm sido suficientes, César das Neves admite que o “impacto foi suficientemente rápido e incerto para não ter resposta política evidente, pelo que as críticas não são óbvias. O único ponto em que se pode falar de falha é no apoio às classes mais desfavorecidas, que mais uma vez foram as mais afetadas e não tiveram apoio suficiente”.
Já para Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, admite que o Governo tem procurado mitigar os efeitos negativos da guerra na população mais vulnerável.