E m novembro de 1854, com 26 anos, Lev Tolstói chegava a Sebastopol, onde a política expansionista de Nicolau I tinha levado ao confronto entre o Império Russo e o Império Otomano e seus aliados europeus.
De bigode e suíças – ainda sem a famosa barba que se tornaria uma imagem de marca na velhice –, o jovem aristocrata tinha pedido para ser colocado na Crimeia para «ver esta guerra de perto». Movia-o uma mistura de ardente sentimento patriótico e de remorso provocado pela morte de um amigo na linha da frente. Queria pôr-se à prova, mostrar a sua bravura no campo de batalha e talvez obter uma promoção.
A cidade de Sebastopol, um importante porto do Mar Negro protegido por fortificações, estava sob cerco, mas era considerada inexpugnável. «As ruas tinham-se transformado num grande acampamento», escreveu Henri Troyat na biografia Léon Tolstoï (ed. Fayard).
«O cais era calcorreado por soldados de infantaria de cinzento, marinheiros de preto, mulheres de vestidos de cores variadas e vendedores de sbitène [uma bebida à base de mel] com os seus samovares. Um general sentado, rígido, na sua caleche, cruzava-se com um comboio de charretes transportando feno. Debaixo do peristilo de uma bela casa, soldados ensanguentados jaziam em macas. Consoante a direção do vento, respirava-se o odor do mar próximo, ou o dos hospitais sobrelotados. Por vezes, passavam camelos, de cabeça levantada, arrastando reboques carregados de cadáveres».
Na frente de batalha, Tolstói pôde testemunhar a intrepidez e abnegação dos soldados russos, dispostos a dar a vida pela pátria. «O heroísmo das tropas ultrapassa tudo», escreveu ao irmão. Com o seu belo uniforme novo e o voluntarismo próprio da juventude, também ele ansiava por aventuras. Esperava exibir as suas virtudes militares e ter uma participação decisiva no conflito.
Porém, o desejo de glória não o impedia de estar bem consciente dos seus defeitos. Eis a sua implacável auto-análise, citada por Troyat: «Sou feio, desajeitado, sujo e mal-educado no sentido mundano da palavra. Sou irascível, fastidioso para os outros, imodesto, intolerante e tímido como uma criança. Sou, por assim dizer, um grosseiro. […] Sou descomedido, indeciso, inconstante, estupidamente vaidoso e expansivo como todos os fracos. A minha preguiça é tão grande que a ociosidade se tornou para mim um hábito intransponível. Sou honesto, quer dizer, amo o bem […] No entanto existe uma coisa que amo mais do que o bem: a glória. Sou de tal forma ambicioso, e esta propensão foi tão pouco satisfeita, que, frequentemente, temo, se tivesse de escolher entre a glória e a virtude, decidir-me-ia pela primeira…».
Como seria de esperar, na Crimeia, os altos ideais e os anseios de glória rapidamente cederam face à realidade. Não foram apenas as fragilidades flagrantes do exército russo que se lhe revelaram com toda a nitidez. Não foram apenas as conversas de caserna, nem sempre edificantes. Não foi apenas o espetáculo proporcionado pelos gemidos lancinantes dos feridos, amputados e moribundos.
Foram também as fraquezas humanas que se ali se exibiam sem pudor: a cobardia, a presunção, a frivolidade e até a desonestidade dos que se serviam da guerra para enriquecer. As perdas de somas avultadas em jogos de cartas não contribuíram para o animar. E, claro, o cerco a Sebastopol acabou com a derrota russa.
Tudo isso, por muito que o dececionasse, constituía ao mesmo tempo matéria-prima inestimável para um escritor.
Apercebendo-se da oportunidade única que se lhe deparava, Tolstói transformou a sua experiência em três relatos de inspiração autobiográfica que obtiveram um sucesso imediato. Segundo Romain Rolland, a czarina Alexandra Feodorovna não conseguiu conter as lágrimas ao lê-los. Retrospetivamente, podemos ver estes textos como uma espécie de ensaio para o que haveria de ser a obra-prima Guerra e Paz.
«Estava muito calor para voltarmos a subir a ravina arenosa e, satisfeito, encostei-me ao tronco de uma árvore e pus-me a ler o Sebastopol de Tolstói», escreveria Ernest Hemingway 80 anos depois de as três crónicas saírem num periódico russo. «É um livro de juventude e tem uma bela descrição de combate quando os franceses tomam o reduto. Pensei em Tolstói e na grande vantagem que é para um escritor a experiência da guerra. É um dos mais importantes assuntos e certamente um dos mais difíceis de tratar seriamente e os escritores que não passaram por ela invejam os outros, embora pretendam mostrar que isso não tem importância ou que é uma coisa anormal ou doentia, quando foi, na realidade, uma coisa insubstituível que perderam».
A propósito da recente publicação das Crónicas de Sebastopol em Portugal, pela editora Guerra & Paz, o Nascer do SOL colocou, por escrito, dez perguntas à tradutora. «O cerco de Sebastopol foi, sem dúvida, o lugar privilegiado para Tolstói testar os alicerces estruturais da sua escrita», diz-nos Maria José Diniz.
A invasão da Ucrânia pela Rússia tornou a publicação deste livro ainda mais oportuna e pertinente. Mas o facto é que já o tinha traduzido antes da eclosão da guerra. Como descobriu as Crónicas de Sebastopol e por que lhe ocorreu que seria uma boa ideia traduzi-las?
Na verdade, o momento da tradução deste livro não tem, rigorosamente, qualquer relação com a atual situação de confronto militar entre a Rússia e a Ucrânia. Foi-me recomendado pelo grande editor e livreiro de que o Porto, muito justamente, se orgulha, José da Cruz Santos. Li-o, também me interessou, e propus-me traduzi-lo à Guerra & Paz. Pelo que me informei, não existia em língua portuguesa, o tema era original, específico e único na obra de Tolstói. Seria uma surpresa para os leitores.
Embora fosse ainda bastante jovem quando escreveu estas páginas, o autor revela já uma grande maturidade e domínio técnico. Estas qualidades mostram que aos 26 anos Tolstói já era Tolstói, ou seja, o grande escritor que viria a ser conhecido e celebrado em todo o mundo?
Não sei se podemos considerar que, nessa época, Tolstói já era um grande escritor. Embora obra da juventude, as Crónicas revelam, é certo, aptidões literárias que foi desenvolvendo e aperfeiçoando à custa de um duro e persistente trabalho diário de toda a sua longa vida de oitenta e três anos (Guerra e Paz foi corrigido sete vezes). Mas não foi esta a sua primeira obra.
Aos vinte e um anos, enquanto foi artilheiro (1848) numa fortaleza do Cáucaso, onde seu irmão Nikolenka era militar, iniciou uma autobiografia, sem se interrogar «porque escreve e, ainda menos, pensa na literatura, nos jornais ou no público, mas para obedecer a uma necessidade de explicar a si mesmo, partindo de um impulso obscuro, as suas primeiras impressões sobre a humanidade, a natureza e os animais» (Stefan Zweig, Tolstoi). Foram três essas produções: História da Minha Infância (1841); Juventude (1853) e Velhice (só publicada em 1886).
Porém, outras foram as obras que o consagraram como grande romancista da Rússia e mundialmente apreciado. Refiro-me à Guerra e Paz, Ressurreição, Ana Karenine, Felicidade Conjugal, Padre Sérgio , Contos Populares, Serenata a Kreutzer, Cossacos, O que é a Arte?, etc..
Na guerra, Tolstói pôde testemunhar a coragem e a cobardia, a abnegação e a vaidade. O campo de batalha foi, por assim dizer, um observatório privilegiado da condição humana, das suas virtudes e fraquezas?
Conta Romain Rolland, na sua excelente Vie de Tolstoi [Vida de Tolstói] que, ao ler a Primeira Crónica na revista Soviémennik, «a czarina chorou. O czar, surpreso, ordenou a sua tradução para francês e que o autor fosse enviado para longe do perigo». Desconheço se esta ordem foi cumprida. Certo é o facto de o escritor ter abandonado o exército, em Novembro de 1856. E, no ano de 1889, Tolstói, ao escrever um prefácio às ‘Recordações de Sebastopol por um oficial de artilharia, A. J. Erchov’, regressa em pensamento a estas cenas.
Qualquer lembrança heroica tinha desaparecido. Ele apenas evocava o medo que durou sete meses, o duplo medo – o da morte e o da vergonha –, a horrível tortura moral. Todas as façanhas do cerco, para ele, se resumiam nisto: ter sido a carne para canhão. Na opinião de Zweig, Tolstói era, primeiro que tudo, um sensacionista e não um criador, no sentido rigoroso que os artistas consideram. Foi sempre nessa perspetiva que analisou pessoas e situações, a natureza e os animais. O cerco de Sebastopol foi, sem dúvida, o lugar privilegiado para testar os alicerces estruturais da sua escrita.
Mas o terrível mundo que observou nessa guerra, não foi, de modo algum, o único ‘laboratório’ que lhe permitiu sopesar comportamentos, expressões de sentimentos, de carácteres e a ausência de princípios éticos. Foi, sim, a ocasião do jovem aristocrata se confrontar com uma realidade nova que desconhecia e que estava bem presente na atitude de soldados e de altas patentes: de valentia, de cobardia e até de vaidade, sabendo todos que a morte os podia ceifar a qualquer momento.
Já nas suas três primeiras obras, o realismo, o rigor, o espírito critico e a observância da verdade estão nelas bem patentes. Depois desse penoso acontecimento histórico de derrota para a Rússia, as suas narrativas não se desviam desse modus faciendi e os «mundos que pinta misturam-se com ele no decurso da sua vida – salões aristocráticos, exército, vida rural. Bastava recordá-los» (Romain Rolland).
A esse propósito, diz ainda o novelista e biógrafo Stefan Zweig: «Trabalho não de um visionário, mas de um Mestre de paciência, cujo resultado compara ao dos velhos pintores; os esboços e as notas que enchiam caixas; as viagens de comboio para escutar, da boca de veteranos sobreviventes, detalhes das batalhas; a pesquisa em bibliotecas e arquivos particulares; as últimas correções, já quando a obra estava nas mãos do impressor, para substituir palavras que entendia mais apropriadas».
É interessante a referência aos «velhos pintores». Em várias ocasiões, ao ler descrições de paisagens, tive a sensação de estar a olhar para um quadro. É o produto de um observador muito atento, minucioso.
Zweig escreveu: «Tolstói nunca ultrapassou a zona estreita do palpável, do claro para os sentidos, do tangível… os homens e os animais saem das suas obras como do seu habitat natural… quem vê com tanta claridade, quem observa de um modo tão perfeito, não necessita de inventar…». E confirma agora o próprio Tolstói: «Quanto mais intensas e ricas forem as nossas experiências, mais amplo e profundo se torna o nosso conhecimento».
O mesmo acontecia com o modo como observava o seu pessoal doméstico, amas, precetores russos e estrangeiros, médico pessoal, mujiques, antes e depois da sua libertação de servos. Também foram fonte de inspiração os diálogos que mantinha com camponeses, peregrinos, mendigos, estudantes contestatários, religiosos, tolstoianos, intelectuais como Gorki, Proudhon ou Gandhi.
Por fim, a diversidade de paisagens que cercavam Iasnaia Poliana, a propriedade senhorial onde nasceu e viveu (constituída por florestas, campos de sementeiras, pomares, jardins e estufas, campos de ténis, riachos e charcos, animais que a percorriam, cavalos, cães de caça, lebres e lobos) permitiam a Tolstói observar a beleza da natureza, comovendo-o até às lágrimas. Recorda o que sentia quando, nas florestas, seguia o caminho das formigas nas cascas das árvores, o murmurar dos riachos, os nevões, o amadurecer das searas, as simples ervas que atapetavam os campos que o escritor, frequentemente, percorria nos seus passeios, a pé ou a cavalo.
Já em 1852, nas Crónicas do Cáucaso, Tolstói regista as suas emoções perante a magnificência das paisagens: «Um nascer do sol no meio das montanhas, na margem de uma ribeira; um extraordinário quadro nocturno, sombras e sons notados com uma intensidade comovente; e o regresso, à tardinha, enquanto, ao longe, os cumes nevados desapareciam no nevoeiro violeta e que as agradáveis vozes dos soldados que cantam se elevam no ar transparente» (Romain Rolland).
Na sua magnífica biografia, Henri Troyat chama a Tolstói, a propósito desta obra, um «repórter de guerra» avant la lettre.
Mas será Tolstói um simples repórter que regista o que vê ou já um romancista que cria personagens e quer contar histórias?
Parece-me correta essa designação. Quanto a saber se o podemos considerar como um repórter de guerra que se esforça por registar, com objetividade, o que na realidade observa ou se, pelo contrário, atua como um romancista que cria personagens e situações, não tenho dúvida em aceitar a primeira dessas opções. Tolstói participou nesse conflito, voluntariamente, por decisão da sua consciência, para lutar contra os inimigos do seu país – turcos e franceses – que cercaram Sebastopol, em 1854.
Essa seria certamente a razão principal, a que juntou o seu impulso para a escrita, como exigência de exaltar os corajosos combatentes russos que suportavam, heroicamente, os maiores sofrimentos físicos e morais. Os pormenores das suas descrições, especialmente o que aconteceu no 4.º bastião, onde fora colocado – bombardeamentos contínuos; feridos graves; amputação de membros; precárias condições onde viviam nas trincheiras; destruições materiais e mortes –, são de tal modo impressionantes e dolorosos que, no meu sentir, só quem assistiu a tantas calamidades poderia referi-las com semelhante intensidade emocional.
No final da segunda crónica, Tolstói, além da preocupação do rigor dos factos relatados, não esquece o seu grande e perseverante propósito e confessa: «Não, o herói de algumas destas páginas, o herói da minha Crónica, que amo com todas as forças da minha alma, que procuro mostrar em toda a sua beleza, e que sempre foi, é, e será belo, é a Verdade».
Um ponto em que Tolstói insiste muito são os homens que vão para a guerra cheios de desejos de heroísmo mas, aos poucos ou rapidamente, vão perdendo as ilusões e o entusiasmo. Este processo refletirá o que se passou com ele? A primeira fotografia que surge no final do livro mostra-o com uma pose algo encenada, um pouco romântica e não isenta de vaidade… enquanto na segunda parece um homem mais realista e talvez desencantado.
As Crónicas de Sebastopol abrangem um período que decorre entre Dezembro de 1854 a Agosto de 1855. Inicialmente, Tolstói exalta o patriotismo, a coragem, o espírito de sacrifício, o entusiasmo e a crença na vitória da Rússia. Mas, à medida que a situação começa a ser adversa para os russos, por razões múltiplas que Tolstói analisa (chegando ao ponto de escassear aveia para alimentar os cavalos), a angústia, o desespero, a desilusão e a vergonha tomaram conta do espírito dos combatentes e do próprio escritor e disso dá Tolstói conta na sua narrativa.
O que observou durante os sete meses em que se manteve nos baluartes, continuamente massacrados pelo canhoneio, não foi alheio à posição que passou a defender de anti-belicismo e de anti-militarismo e de sofrer uma profunda deceção pela incapacidade dos homens em solucionar «o problema que os diplomatas não puderam resolver, a pólvora e o sangue ainda não encontraram solução» (Stefan Zweig).
Mais tarde, estendeu essa atitude hostil à guerra, ao nacionalismo, ao pan-eslavismo, à pena de morte, à igreja ortodoxa e ao estado czarista. E, citado por Romain Rolland, Tolstói conclui: «Como podem os homens conservar sentimentos de ruindade, de vingança, a raiva de destruir os seus semelhantes? Tudo o que há de mau no coração humano devia desaparecer em contacto com a natureza, a expressão mais imediata do belo e do bem».
Nos últimos anos assinou três traduções de biografias de filósofos, todas da autoria de Stefan Zweig – Montaigne, Erasmo, Nietzsche. Essas escolhas resultaram de uma preferência especial por este autor austríaco?
Além dessas três biografias – primeiro a de Montaigne e a de Erasmo, depois a mais recente de Nietzsche, apresentada como um trabalho individual –, traduzi de Stefan Zweig a novela Viagem ao Passado e as crónicas Momentos Estelares da Humanidade. Suponho que essa preferência reflete o apreço pela vivacidade da sua escrita, pela defesa dos seus ideais humanistas, pacifistas e europeístas, pela cultura abrangente e pela diversidade de assuntos.
Mas também remonta ao longínquo ano de 1952 quando, pela primeira vez, li a sua biografia de Fernão de Magalhães – que me fora oferecida pela diretora do Colégio Nossa Senhora da Esperança, aqui no Porto, Joaquina Gomes – e fiquei encantada com esse nobre português que, então, conhecia mal.
Mais tarde juntou-se o que fui sabendo do novelista austríaco quanto à sua relação com o nosso país, em dois momentos precisos: quando veio conhecer pessoalmente o visconde de Lagoa, tradutor da obra do italiano Pigafetta – Fernão de Magalhães, a sua vida e a sua viagem, – publicada pela Seara Nova, em 1938, e quando fez parte de uma delegação de ricos judeus americanos que visitaram o nosso país, numa tentativa de criar um estado judaico na nossa antiga colónia de Angola.
As mais recentes traduções – Poesias, do poeta chileno Pedro Lastra, e as Crónicas de Sebastopol de Tolstói são um sinal de que começo a escolher novos autores pelos quais me interesso, como acontece com a chilena Maria Luísa Bombal e com outros, menos conhecidos, que estão na minha mira, à espera de um editor.
Qual desses livros publicados lhe deu mais prazer traduzir? E qual foi o mais difícil?
Concretamente, não sei explicitar qual das traduções me foi mais difícil ou mais fácil. São todas difíceis, com permanentes revisões. Respeito sempre um trabalho metodológico quando as inicio: primeiro, conhecer com muita clareza a obra escolhida; depois, escrever uma primeira tradução em suporte papel; em seguida, escrevê-la no computador, momento menos agradável dado a má relação que tenho com tão útil instrumento.
A partir daí, o texto é revisto, no mínimo, três ou quatro vezes. É um tormento procurar entender o que o autor nos quis dizer. Traduzir é tentar penetrar, o mais profundamente possível, no pensamento do autor e, com rigor, utilizar uma linguagem agradável de se ler e que transmita ao leitor confiança e honestidade intelectual. É um deleite saber que, através das traduções, milhares de pessoas têm acesso a obras literárias que, de outro modo, não conheceriam. E esse prazer espiritual não tem preço.
Quando e em que circunstâncias começou a dedicar-se à tradução?
Aconteceu depois de abandonar a profissão de professora do liceu. Urgente se tornava preencher as horas que me ficaram livres. Assim, continuei a ajudar filhos e netos de colegas e amigos. Paralelamente, e durante cinco anos, dei aulas na Universidade Popular do Porto, segundo um programa que, em conjunto, se estabelecia com os alunos. Que bom dialogarmos e convivermos tão fraternalmente!
Entendia que estava razoavelmente preparada com as ferramentas que me deixaram os mestres de quem tive o privilégio de ser aluna: na instrução primária, no liceu e também na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Os professores Joaquim de Carvalho, Damião Peres, Miranda Barbosa, Fradique Morujão, Eduardo Lourenço, Bairrão Oleiro, Jorge Dias, Amorim Girão, Sílvio de Lima e Salvador Arnaut permanecem na minha memória e a minha gratidão não tem limites.
Por que não tentar as traduções? Foi assim que tudo começou. Frequentemente, também recorro à ajuda de amigos que partilham a paixão dos livros, para esclarecer dúvidas, como aconteceu com as Crónicas. Foi uma amiga moscovita, Tatiana Vassilevskaia, quem corrigiu a grafia dos nomes próprios e me ensinou o significado de vocábulos específicos da sua língua. Já me referi ao editor José da Cruz Santos, sempre gentilmente disponível para atender às interrogações desta humilde «escrevinhadora».
Por fim, não posso deixar de realçar as informações que me chegam de um «devorador» e «descobridor» de bons livros e confiantes editores – Manuel Caspurro. A todos, aqui fica o meu bem-haja.
As biografias de Montaigne e Erasmo foram traduzidas em parceria com a sua amiga Maria Elsa Neves. Os últimos livros foram um trabalho solitário. Sentiu muitas diferenças?
Não distingo as duas circunstâncias. Continuo a observar a mesma técnica metodológica por a considerar eficaz. Para mim, a tradução é um trabalho solitário, reflexivo e silencioso. Desafiar dificuldades, ocupar a mente como de uma terapia se tratasse, tem sido a preocupação dos meus últimos anos de vida. Espero continuar a trilhar o agradável caminho que escolhi.