Por Jorge Ribeiro Mendonça, Of-Counsel da Cerejeira Namora, Marinho Falcão
Dançar é em 2022 um ato de rebeldia. Tantos anos a encher pistas de dança nos bailes de verão da aldeia ou no Lux e chegados a 2022, dançar é um ato subversivo.
Não me refiro à «supervisão» de si próprio, «autoconsciência que arma os alarmes», como tão bem descreve Miguel Araújo na sua Talvez se eu dançasse. Na era dos TikToks e dos reels ou quando tanto se exalta a empatia e os afetos, dançar ou cantar continua a ser motivo de chacota, de curiosidade, de estranheza. Até as velhinhas na cidade, que «sussurram no meu tempo não era assim» – como canta a Bárbara Tinoco –, se divertem a dançar e a ver os outros dançar. Sem julgar.
Uma primeira-ministra que, num contexto hostil, lidera a adesão do seu país à NATO, pondo termo a uma política de neutralidade que vinha desde o período do pós-II Guerra Mundial, ou que está a levar a cabo um plano ambicioso para liderar o combate às alterações climáticas, é merecedora da nossa melhor atenção devido ao seu trabalho. Se nas horas vagas se diverte, revela-nos que é uma pessoa como qualquer um de nós. Work hard, play hard!
Esta é, aliás, uma daquelas expressões que ‘na língua inglesa ficam sempre bem e nunca atraiçoam ninguém’ – como cantariam os Clã – e que não tem tradução direta em Português. Trabalhar no duro e divertir-se a sério é cada vez mais um modo de estar e com impacto nas empresas e no contexto laboral.
Esta atitude está a revolucionar a forma como as empresas organizam o trabalho. Uma revolução latente e que parte dos trabalhadores. Maior adaptação à vida pessoal do trabalhador, menor disponibilidade para ficar na empresa para lá da obrigação. Mais intensidade de trabalho, mas menos trabalho fora de horas. Vida social e familiar ativa fora do trabalho, foco e compromisso em entregar o trabalho atempadamente.
Por outro lado, há hoje em dia um maior desapego à empresa, o que tem uma tradução direta numa maior mobilidade dos trabalhadores. O trabalhador insatisfeito com as condições que tem numa empresa, aproveita o mercado de trabalho concorrencial e procura um lugar que ofereça uma melhor experiência.
Esta evolução obriga as empresas a adaptarem-se. Por isso, vemos surgirem cada vez mais departamentos internos que se dedicam a trabalhar a marca empresarial (‘employer branding’) e a felicidade no trabalho, para que os colaboradores vistam a camisola e se sintam valorizados. No fundo, para que exista uma maior empatia entre a empresa e os colaboradores e vice-versa.
Com o tempo, a alegada sofisticação das empresas foi deixando cair as festas de Natal ou os campos de férias para os filhos dos trabalhadores, os grupos de cantares e de danças e as bandas, como a banda da Carris – que acompanha o Pica do 7 na versão de António Zambujo –, ainda mantém. A música e a dança sempre presentes!
Com outros nomes e com práticas atualizadas, o objetivo do employer branding é o mesmo: criar relações, gerar empatia, atrair e reter talento, no fundo, ter trabalhadores felizes a fazer organizações felizes e, por isso, mais produtivas e com capacidade de gerar mais valor.
A nova atitude dos trabalhadores faz, antes de mais, pressão por melhores salários. Mas a compensação do trabalhador já não é apenas a remuneração entendida como a compensação financeira. As empresas devem estar atentas ao ‘salário emocional’. A insatisfação dos trabalhadores e a necessidade de viver uma experiência também no campo do trabalho, obriga e desafia as empresas a reverem as suas políticas de retenção de talento.
No mercado de trabalho atual, os trabalhadores estão mais conscientes do que querem e não querem e do que estão ou não dispostos a fazer. Da mesma maneira, estão mais informados quanto aos seus direitos e ao que lhes pode – e como pode – ser exigido.
Nos próximos meses irá discutir-se no Parlamento a proposta de lei do Governo com a agenda para o trabalho digno, em que um dos tópicos-chave é a conciliação do trabalho com a vida pessoal, e irá discutir-se também o Orçamento de Estado para 2023. Seriam excelentes oportunidades para implementar sistemas de benefícios fiscais ou de isenções que acomodassem e incentivassem boas práticas laborais.
À luz das isenções de IRS e Segurança Social já existentes nos pagamentos de subsídio de almoço, em dinheiro e em cartão, nos vales ou tickets infância e vales educação, ou em seguros de saúde, a lei pode promover bons comportamentos e práticas empresariais que sejam mais respeitadoras da vida pessoal e familiar dos trabalhadores. Veja-se, por exemplo, os casos do pagamento das despesas de teletrabalho pelo empregador: não seria mais eficaz criar um sistema que permitisse isenção fiscal até determinado montante fixo mensal para despesas com comunicações, ao invés de obrigar à carga burocrática, sobre trabalhadores e empregador, de justificar as despesas incorridas e o seu acréscimo motivado pela prestação de trabalho?
Trabalhar é, também, uma experiência para se viver. Se as empresas já estão a ser desafiadas a adaptarem-se, é necessário encontrar novas soluções legislativas, tendo em vista dar respaldo à crescente necessidade de ajustar os contextos laborais a vidas que se querem intensas, do ponto de vista laboral e pessoal.