O Burj Al Arab Jumeirah é o único hotel de 7 estrelas do mundo e, só pela classificação, não será difícil adivinhar as razões pelas quais desde a sua criação, em 1999, é considerado o melhor hotel à face da Terra. Mas caso dúvidas ainda houvessem basta olhar para uma galeria de imagens desta unidade hoteleira para o significado de luxo no dicionário ganhar automaticamente o nome deste icónico hotel do Dubai.
É precisamente no Burj Al Arab que pode ser encontrado o beach club e restaurante pop-up de luxo ‘Sal’, pensado e gerido desde 2020 pela portuguesa Marta Fidalgo, de 33 anos. Desde o ambiente, à música ao layout da sala: todo o planeamento do ‘Sal’ passou pela portuguesa, que não deixou ao acaso nenhum pormenor: «Queremos criar uma experiencia memorável, da comida ao ambiente».
«Não foi fácil abril o Sal, encontrar pessoal no meio da pandemia», recorda Marta à Luz, recuando até julho de 2020, quando foi desafiada para tornar real o projeto pensado pelo CEO do Jumeirah Group, o português José Silva. Inserido no terraço do Burj Al Arab, o ‘Sal’ ocupa 10 mil metros quadrados e é composto por «30 cabanas privadas, o beach club tem 300 camas e o restaurante 160 lugares».
Com cerca de uma centena de funcionários, com mais de metade da equipa composta por portugueses, Marta esclarece que se trata de «uma operação que exige muita organização». Com influências mediterrânicas, a gastronomia portuguesa está em destaque na carta e os pratos são servidos em louça da marca portuguesa Vista Alegre.
Há dois anos à frente do projeto, são várias as celebridades nacionais e internacionais que já procuraram o espaço, entre eles o comediante Steve Harvey, os cantores Akon e Maluma ou a atriz Lindsay Lohan. No universo desportivo, também se contam vários nomes sonantes, de Ronaldinho a Zidane, o lutador irlandês Conor McGregor ou o basquetebolista dos LA Lakers LeBron James. Os futebolistas Marcus Rashford e Karim Benzema também integram a lista. «Falta a visita de Cristiano Ronaldo», atira Marta, lembrando ainda a passagem da apresentadora e atual diretora de entretenimento e ficção da TVI Cristina Ferreira.
Marta Fidalgo chegou ao Dubai em 2016 e o ‘Sal’ tornou-se o 7.º pre-open da carreira: liderou a abertura de seis espaços já nos Emirados Árabes Unidos e, antes, um em Londres. Para contar-nos o seu percurso, a atual diretora recua uma década, quando deixou Portugal rumo a Inglaterra.
Portugal-Londres-Dubai
Licenciou-se em Marketing e Turismo e fez uma pós-graduação no ISLA na área de organização de eventos. «Mas não se abriram portas e pensei então ir para Londres para melhorar o inglês. Pensei: ‘Vou, fico lá 3 meses e regresso [a Portugal]’». Passaram 10 anos desde então. «Tinha 23 anos quando fui para Londres e comecei a trabalhar num restaurante em Camden Town. Comecei como ‘runner’, só a despachar comida e bebidas».
Num ano apenas passou a empregada de mesa, daí subiu para supervisora, depois para assistant manager [gerente] e, nessa fase, foi desafiada a planear a abertura de um restaurante de fine dining no Harrods, cadeia de lojas britânica de artigos de luxo. «Fiquei muito nervosa, o Harrods era um sítio imponente e eu ia fazer uma pre-opening pela primeira vez. Requeria outro tipo de skills e conhecimento. Lembro-me de ter pensado: ‘Isto está mesmo a acontecer’».
A primeira abertura pelas mãos de Marta Fidalgo aconteceria em 2014. «Foi espetacular, deu-me muita adrenalina. É um trabalho em que todos os dias temos algo novo para fazer, é muito motivante e gratificante ver um restaurante a nascer», relembra. «Quando se abre um restaurante é sempre um sonho que alguém teve».
Três anos e meio depois de aterrar em Londres, confessa que começou a acusar algum cansaço, sobretudo em relação ao clima. Foi quando uma chamada de uma amiga se tornou razão suficiente para dar o próximo passo: «Comecei a ficar cansada do tempo. Sempre frio ou chuva. Comecei a sentir que precisava de uma coisa diferente. Londres estava caótica, se tinha que estar às 10 horas no trabalho levantava-me às 6h. Foi quando uma amiga, que já lá estava [no Dubai], e com quem tinha trabalhado em Londres, me disse: ‘Devias vir para o Dubai. É outro mundo. Aqui parece que estamos de férias todos os dias. Temos a praia sempre perto, o tempo é maravilhoso’».
E assim foi. Marta mandou o currículo e só precisou de duas semanas para ser chamada e mudar-se de malas e bagagens para os Emirados Árabes Unidos. Tinha 27 anos.
Restauração e a reestruturação
Para Marta Fidalgo não há dúvidas: em Portugal, a restauração precisa de uma reestruturação profunda e urgente. «Em Portugal, ainda estamos muito atrasados no que diz respeito ao serviço na restauração. A mentalidade é: o dono do café ou do restaurante é também pessoa que gere – e, na maioria dos casos, nem têm formação. Tiveram o sonho de abrir o restaurante, mas não tiveram a formação que lhes dê base para fazer essa gestão, desde o serviço a manter as pessoas motivadas». Para a gerente do ‘Sal’, a restauração está também numa situação «muito complicada» porque, em Portugal, «é daqueles trabalhos que ainda são vistos como biscates».
«No Sal, metade da equipa são portugueses, mas nem é possível fazer comparações. A começar na remuneração e, depois, o crescimento – aqui a progressão na carreira é assegurada, é uma indústria em que há sempre oportunidade para subir e crescer – desde empregado de mesa a assistant manager [gerente] é no máximo um ano e meio», explica.
«É muito complicado, não dá para comparar a dinâmica do nosso Portugalinho com a dinâmica do Dubai. Em Portugal já se encontram bons restaurantes e serviços, mas no geral o serviço é mau. Não há formação intensiva, não há progressão de carreira integrada, as pessoas acabam por não querer trabalhar em restauração. Se não tivermos algo que nos motive, objetivos e metas a alcançar… No outro dia falei com um senhor que é empregado de mesa há 30 anos… E eu penso: ‘Como é que é possível?’ É esse o problema em Portugal», reforça, antes de deixar um alerta: «A restauração vai sofrer ainda mais. A restauração vai ter que ser reestruturada, de uma ponta à outra, precisa de uma mudança mesmo muito grande».
Marta destaca, ainda assim, alguma exceções à regra, e lembra casos como os restaurantes do chef e empresário Olivier da Costa, em que «já há um serviço diferente». «O Olivier, por exemplo, tem uma visão muito ambiciosa para os restaurantes». Por essa razão não é de estranhar que os restaurantes do chef Olivier estejam entre as suas principais recomendações, «[recomendo] todos, mas adoro o Clássico [Beach Bar] e o Seen», além do Mama Shelter, também em Lisboa, e do Poco dos Sabores, em Óbidos, gerido pelo irmão Fábio Fidalgo, também ele com experiência em restauração em Londres.
Época alta, Mundial’22 e futuro
Com a época alta no Dubai à porta, entre outubro e maio, os próximos meses adivinham-se ainda mais frenéticos, com Marta a perspetivar «capacidade máxima». Nestes casos, uma passagem pelo beach club ou restaurante ‘Sal’ pode exigir uma marcação com duas semanas de antecedência. A isto junta-se o fator Mundial de futebol 2022, no Qatar, agendado para os próximos meses de novembro e dezembro.
«Vem ai uma época muito, muito agitada. Neste momento o Qatar – tem 80 hotéis – e estão todos cheios; isso vai refletir se no Dubai. Estamos à espera de uma season muito cheia e uma perspetiva de retorno muito grande. Neste momento não conseguimos fazer comparações com períodos homólogos, uma vez que tudo começou na pandemia, mas perspetivamos uma época excelente».
Também o futuro próximo promete novos desafios, já que os próximos passos passam por abrir o ‘Sal’ na capital, em Abu Dhabi, e nas Maldivas.
«Estou entusiasmada para as novas aberturas e para continuar a crescer», realça Marta, que ambiciona alcançar um novo patamar em breve, como Diretora de Operações. «Significa ter 2/3 sítios sob a minha gerência». «Neste momento vou fazer o planeamento destas aberturas, para garantir que temos os mesmos standards – de operação, de serviço, do menu. Para garantir que o ADN se mantém, que os padrões da marca são cumpridos».
Apesar da costela portuguesa intrínseca no ‘Sal’, saudade não é palavra de ordem e regressar a Portugal não é, pelo menos por enquanto, uma opção em cima da mesa: «Ainda não tenho aquele bichinho que me diz para voltar às minhas raízes. Ainda tenho muito para fazer aqui. Um dia adorava voltar, mas não é por agora».
«Vou a Portugal uma vez por ano. A intensidade do trabalho não me permite ir mais vezes. E, como fico condicionada, quando tenho oportunidade vou sempre a casa, mas tento também conciliar com outras viagens, para conhecer sítios novos», remata.