“Troco bilhete dos Coldplay por bilhete para o concerto de Harry Styles”, “Troco máquina de lavar roupa por bilhete dos Coldplay” ou até, surpreendentemente, “Mini Cooper D modelo F56. Possível troca por quatro bilhetes para os Coldplay” são alguns dos títulos de anúncios que podemos encontrar em plataformas como o OLX desde que os Coldplay anunciaram que viriam a Portugal nos dias 17, 18, 20 e 21 de maio de 2023. A Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) está a acompanhar atentamente a evolução destas ofertas e revelou ao i que já foram condenadas duas pessoas devido ao crime de especulação.
“A ASAE, no quadro das suas competências, acompanha as plataformas digitais designadamente onde ocorre venda de bilhetes, incluindo os relativos aos espetáculos dos Coldplay, na verificação de venda irregular de bilhetes nomeadamente a venda acima do seu valor facial, tendo em vista obter vantagem patrimonial indevida”, começa por esclarecer, em email enviado ao i, referindo-se aos eventos que dizem respeito aos espetáculos da banda fundada em 1996 em Londres.
“Dar nota ainda que a ASAE recebeu até ao momento cerca de três dezenas de denúncias relativas à oferta de bilhetes para os Coldplay, as quais estão em investigação, desenvolvendo posteriormente as medidas operacionais consideradas necessárias, para a eventual interceção da transação desses mesmos bilhetes e demais diligências relacionadas”, avança, sendo que depressa os internautas se aperceberam de que estava a ocorrer a venda, fora dos circuitos oficiais, por quase o dobro dos preços (e, muitas das vezes, até mais) originais.
Por exemplo, no Twitter, as piadas, assim como a indignação, surgiram rapidamente. “Esqueçam a loja do cidadão. O que está a dar é ter 80 mil pessoas à frente para comprar bilhetes para os Coldplay em Coimbra”, escreveu um utilizador, enquanto outro comentava em tom jocoso: “Estão a falar que Coldplay devia ter sido em Lisboa em vez de Coimbra. Devia era ter sido no Santuário de Fátima, metia lá meio milhão de pessoas na boa”. “Coimbra simplesmente não tem estrutura para sustentar quatro shows de Coldplay e uma queima na mesma semana”, redigiu uma utilizadora, enquanto outro observou: “Ah e tal, a inflação, o desemprego, os preços do gás, a crise económica, a recessão, os salários miseráveis… blá blá blá”, comentando uma notícia cujo título é “Bilhetes para Coldplay em Portugal esgotam em 15 minutos. Batido o recorde de Londres”.
Com ou sem sentido de humor, a verdade é que o panorama tornou-se preocupante e a ASAE não o ignorou. Assim, até agora, “procedeu à detenção de dois indivíduos, em flagrante delito, pela prática do Crime de Especulação, tendo sido apreendidos 6 bilhetes para o evento com valores unitários faciais de 90,00 e 150 euros, que se encontravam a ser transacionados por valores que oscilavam entre 250,00 e 350 euros, num total especulado superior a 1.100 euros”, revela ao i, frisando que “ainda sobre este tema importa referir que, os arguidos foram detidos tendo sido já presentes a Tribunal”.
“Foi-lhes aplicada nestes autos a decisão de suspensão provisória do processo a ambos, tendo um sido condenado em multa fixada em 600 euros e o segundo com uma pena de prisão suspensa de 6 meses e 500 euros de multa”, explica a autoridade responsável pelas áreas de segurança alimentar e fiscalização económica que, noutras ocasiões, seguiu exatamente os mesmos procedimentos.
De Justin Bieber, passando pelos NOS Alive e até aos EPI, verifica-se a especulação Cronologicamente, e recuando primeiro até 17 de junho de 2015, vários órgãos de informação davam conta de que a ASAE havia detido cinco pessoas que vendiam, online, bilhetes para o festival NOS Alive ao preço de 250 euros, sendo que os bilhetes em causa tinham o valor comercial unitário de 55 euros. No ano seguinte, em dezembro de 2016, o Nascer do SOL divulgava que a ASAE tinha levado a cabo várias ações de fiscalização no que dizia respeito à venda de bilhetes para o concerto de Justin Bieber, na Altice Arena.
Durante o concerto tinham instaurados cinco processos-crime e ainda apreendidos 12 bilhetes ilegais que eram vendidos através da internet. Sabia-se que a autoridade “procedeu ainda a ação de fiscalização no âmbito do combate à contrafação de artigos relativos ao evento, tendo resultado na instauração de quatro processos-crime e apreensão de cerca de 580 artigos designadamente cachecóis e posters do artista, num valor total aproximado de 3.600 euros”, como a mesma informou em comunicado naquela altura. Em julho de 2018, a ASAE detinha sete pessoas e instaurava dez processos no NOS Alive.
Mas a especulação não é exclusiva de espetáculos de música. Por exemplo, a ASAE também esteve atenta à comercialização de máscaras e equipamento de proteção individual e desinfetantes, que durante a pandemia atingiram valores muito acima do permitido.
“Por fim dar nota de que, num quadro mais lato em termos da eventual prática especulativa, a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica em permanente supervisão e vigilância do mercado, após ter sido declarado estado de emergência em Portugal devido à Covid-19, realizou durante todo o período pandémico diversas ações de fiscalização, a nível nacional”, esclarece o órgão de polícia criminal dependente do Ministério da Economia, acrescentando que estas foram “direcionadas para a verificação da prática de eventuais ilícitos relacionados com as medidas impostas pela nova doença, qualificada pela Organização Mundial de Saúde como uma pandemia, designadamente ao nível da verificação da prática de alegado lucro ilegítimo (especulação) obtido na venda de bens necessários para a prevenção e combate à pandemia, designadamente máscaras de proteção e de produtos biocidas (álcool, álcool-gel e desinfetantes)”.
Neste âmbito, foram “instaurados mais de duas centenas de processos-crime, maioritariamente pela prática de obtenção de alegado lucro ilegítimo/especulação, dos quais dispomos já dos resultados de 29 inquéritos”, sublinha, informando que houve “26 arquivamentos emitidos pelo Ministério Público por não considerar a existência de ilícito criminal”, “2 condenações, uma a pessoa coletiva fixada em 110 dias de multa penal no valor de 770 euros, bem como a pessoa singular em 100 dias de multa penal no valor de 600 euros” e “1 suspensão provisória, com injunção de 750 euros a instituição de solidariedade social”.
O crime de especulação e todos os seus meandros não constituem, pois, uma novidade. O caso dos bilhetes para os concertos da banda londrina é só o capítulo mais recente – e mais noticiado – de uma história com longos precedentes.