O que acha deste pacote de 1.400 milhões de euros de apoios destinados às empresas. É uma verba suficiente ou ficou aquém das expectativas?
Estas medidas para dar resposta ao aumento da inflação vão de encontro às preocupações que a AEP tem vindo a manifestar. No entanto, há questões que fazem toda a diferença. A primeira é que a linha de apoio à liquidez da tesouraria, segundo o que o ministro da Economia anunciou, o Banco Português de Fomento só irá disponibilizá-la a partir da segunda quinzena de outubro. E só nessa altura é que serão conhecidos os critérios, mas também aqui é importante perceber que critérios é que vão ser exigidos, relembro que a Linha Retomar tinha 1.000 milhões de euros e quase não foi utilizada.
Não foi utilizada por causa dos critérios?
Sim, porque os critérios eram penalizadores sob vários pontos de vista para as empresas e estas naturalmente não acederam, não aproveitaram e não recorreram a essa linha. E, por isso, a questão dos critérios fará toda a diferença. Mas além dos critérios é a questão do tempo, porque se a linha é disponibilizada na segunda quinzena de outubro – e é preciso saber se é próximo do meio do mês ou do fim do mês – as empresas têm depois de fazer todo o processo de candidatura, precisam de emitir garantias, etc. Isso significa que as empresas provavelmente só vão poder contar com este apoio perto do final do ano, quando a necessidade e a urgência é agora.
Ainda vão ter de aguardar por essa linha…
Claro, porque quando é aberta a linha na segunda quinzena, depois há todo o processo de as empresas se candidatarem, todo o processo de análise, todo o processo de envio de documentos, etc. Em exemplos passados recentes percebemos que pode derrapar para o final do ano.
Um timing que ganha maior revelo quando as empresas precisam dessas verbas agora. Estamos sempre a correr atrás do prejuízo?
É correr atrás do prejuízo e estar a fazer um esforço ainda maior e mais acrescido até lá. Sendo certo que as linhas de apoio na área de tesouraria são linhas que aumentam o endividamento das empresas e, neste momento, que há um aumento das taxas de juro veremos quais serão os encargos que vamos ver associados a essa medida. Precisamos também de linhas de capitalização, mas que só terão lugar com o Orçamento do Estado para 2023. Por outro lado, também foi dito que a medida como o layoff simplificado não seria disponibilizada às empresas, mas sim um apoio à formação e qualificação dos colaboradores, no entanto, se as empresas não tiverem trabalho para eles, isso não faz sentido. O que me parece é que uma coisa não devia ser impeditiva da outra, ou seja, as empresas que precisem de recorrer ao layoff deviam ter essa disponibilidade e empresas que possam ter interesse em colocar os seus trabalhadores em formação ou em qualificação profissional deveriam ter essa opção. Parece-me que o layoff momento devia, pelo menos, até ao final do ano estar disponível para as empresas.
O layoff terminou assim que acabaram as restrições da pandemia…
Exatamente, principalmente quando houve países que mantiveram esse apoio durante muitos mais meses.
Seria desejável manter?
Seria desejável, pelo menos, até ao final do ano, em determinados setores e cujo impacto está a ser muito forte. Não estou a dizer para generalizar, mas deveria haver essa opção e, nos outros casos, haver esta opção de apoio à formação e qualificação profissional. Por outro lado, não vimos medidas fiscais, como a diminuição da carga fiscal sobre as empresas, nomeadamente sobre os custos energéticos ou sobre o fator trabalho. Uma medida que temos vindo a defender e que é necessária perante este aumento da inflação, em as famílias têm vindo a perder poder de compra e as empresas não vão conseguir acompanhar o aumento da inflação, em termos de atualização de salários. No entanto, se reduzíssemos a carga fiscal sobre o trabalho, as famílias poderiam ter possibilidade de ver a sua capacidade ou o seu poder de compra a não ser diminuído e as empresas, sem fazer um esforço tão grande, poderiam manter os seus colaboradores, principalmente quando estamos a assistir a esta dificuldade de manutenção das pessoas nas empresas e a dificuldade que temos em manter os recursos humanos.
Em termos fiscais, a única medida que foi anunciada foi a suspensão temporária dos impostos no gasóleo e na produção de eletricidade e a majoração de 20% em sede de IRC em determinados gastos…
Essa parte é importante, mas é importante para as empresas que consigam gerar lucros num período como este, ou seja, claro que estarmos a majorar os custos para efeitos fiscais é positivo para efeitos de IRC, mas é preciso que as empresas consigam gerar lucros para que possam beneficiar dessa medida.
E em relação à medida para compensar as perdas que pode ir até aos cinco milhões?
Essa medida destina-se a empresas que tenham sofrido perdas para poderem recorrer a essa linha, mas ainda falta saber quais são os critérios e em que condições é que podem aderir. O princípio parece-me bem, mas não sei em que condições é que vão exigir.
Há empresas que têm vindo a alertar para o risco de serem obrigadas a fechar as portas por dificuldades financeiras. Estas medidas poderão ser uma tábua de salvação para quem está nesta situação?
São sempre medidas que trazem alguma ajuda, algum apoio, agora face ao momento em que estamos e face àquilo que alguns setores estão a atravessar acredito que não será suficiente. Mas aí também já estamos a falar de questões mais pontuais e que dependem do setor de atividade, da própria dimensão das empresas e da sua estrutura do seu balanço. Agora há uma outra questão que gostava de ter visto referida de uma forma mais convicta e com maior impacto, que é a exploração de recursos, nomeadamente os que estão relacionados com os programas comunitários para apoiar a transição energética para que as empresas possam investir em painéis solares, na eficiência energética dos seus edifícios, que possam substituir os equipamentos por outros com consumos mais baixos, etc. Isto porque, temos muitos recursos em termos de programas comunitários e se é prioritário recorremos a formas alternativas de energia para ficarmos menos dependentes e com menos custos energéticos então uma parte significativa desses programas devia ser destinada para o investimento em equipamentos com consumos mais baixos, para a substituição, por exemplo, de luminárias nas fábricas para LEDS, para a colocação de painéis solares para auto consumo, etc. E se temos dinheiro e está nas prioridades do PRR e em outros programas para isto então porque é que não houve esta mensagem clara quando falou o ministro da Economia? É importante que apoie as empresas, que estas sintam confiança, que sintam que há um compromisso do Governo e do Ministério da Economia com os desafios que as empresas estão a ter neste momento. Acho que essa mensagem não ficou clara. Parece-nos que há aqui boas intenções, há um conhecimento daquilo que são os problemas das empresas, mas parece que estas medidas, mesmo indo no sentido certo, não serão suficientes para aquilo que é necessário neste momento.
E no caso das empresas que são grandes consumidoras de gás e de energia também não vão ver os seus custos mais folgados. Acha que podemos esperar medidas mais agressivas no próximo Orçamento do Estado?
O ministro disse que tinha a humildade de ir percebendo e analisando para ver se estas medidas resolvem ou não aquilo que são as dificuldades que as empresas estão a enfrentar neste momento. Esperemos que rapidamente se possa rever algumas delas e acelerar a sua implementação.
Mas, mais uma vez o ministro falou do PRR e da sua importância para a transição energética…
Isso é verdade, pode.
Mas para isso é preciso que seja bem canalizado…
Dou-lhe o exemplo das agendas mobilizadoras. Foram criados consórcios. Há programas de grande valor, inovadores, muito interessantes mas, até este momento, ainda não está nada pronto a avançar para grande parte desses consórcios. Já foi há mais de um ano que foram feitas candidaturas e há empresas que já nos disseram que não estão interessadas em continuarem nos consórcios porque entretanto já alteraram a sua estratégia, já redefiniram outras coisas. Um ano hoje é imenso tempo e num ano muita coisa muda e as próprias prioridades, os seus planos de negócios têm de ser alterados e ajustados. É isto que temos de evitar e que temos de resolver de uma vez por todas, porque, muitas vezes, linhas ou medidas que até podem ser interessantes podem deixar de o ser pelo timing. As coisas mudam muito rapidamente, às vezes, até diariamente e as empresas também têm que se ajustar diariamente a essas mudanças. Não podemos estar a ter apoios para daqui a uns meses.
E esses meses para algumas empresas poderá ditar ou não o encerramento de portas….
Claro. As empresas hoje estão diariamente a ser confrontadas com aumentos brutais de custos, com alterações de regras de funcionamento, com a não entrega de matérias-primas, com a ineficiência de algumas matérias primas, com os transportes a demorarem imenso tempo e a não se comprometerem com prazos de entrega, ou seja, com um conjunto de questões que são difíceis de gerir. Se não há este apoio para efeitos imediatos e este pacote já foi apresentado tarde porque há países que já vão no terceiro pacote de medidas de apoio às empresas, os problemas vão-se agravando. Além disso, ainda se nota que certas medidas vão demorar, como é o caso da linha de crédito e que representa mais de 40% deste pacote que só poderá chegar às empresas em novembro, a correr bem, ou em dezembro. Só por aí veja-se a eficácia.
A par do aumento do preço do gás, da energia, etc., as empresas são também confrontadas com outro tipo de subidas, desde combustíveis às matérias-primas….
Além do aumento do preço da luz e do gás estamos também perante o aumento das matérias-primas que vêm de outros países. Continuamos a ter custos elevadíssimos e a não ter prazos de entrega. Ou seja, além de não termos medidas que vão ao encontro das necessidades das empresas se as empresas não conseguirem aceder, a eficácia fica, desde logo, comprometida. Aqui há uma questão que é a urgência. A urgência não é para daqui a dois meses é para agora.
Agora estamos num cenário de guerra, mas já assistimos a estas dificuldades durante a a pandemia. Não estamos perante uma estreia…
Há quem perspetive que venha aí novamente um período muito difícil e, mais uma vez, poderá ter impacto na nossa vida e na atividade das nossas empresas.
Também as próprias medidas dirigidas à famílias, apesar de darem algum fôlego não vão ser suficientes para recuperar o poder de compra….
As medidas para serem mais eficientes teriam de passar por uma redução da carga fiscal sobre o trabalho, porque o que conta verdadeiramente para a pessoa não é o salário, é o rendimento disponível líquido. Isto é, é o salário, menos os impostos. Ora, se baixarmos a carga fiscal, mesmo que não se aumente muito aumenta-se o rendimento disponível líquido. E como sabemos, o Governo neste momento tem folga em termos da receita do Estado para fazer essa redução. Até porque o PIB português, mais de 64% é consumo interno. Mesmo que as exportações estejam a ter um comportamento positivo – e que estão – se não atuarmos ou não minimizarmos o impacto no consumo vamos voltar a ter alguns dissabores em relação ao PIB e, como sabemos, cada vez mais estamos na cauda da Europa. E por isso, a fiscalidade sobre o trabalho poderia ser uma medida com efeitos imediatos e cujo impacto permite, por um lado, não perder mais pessoas, já que as empresas têm vindo a perder trabalhadores, em relação aos ordenados que são oferecidos em outros países. Ao mesmo tempo, também podia permitir às pessoas terem um rendimento disponível que não fosse tão afetado como o que está a acontecer, neste momento. O poder de compra está a ser e vai continuar a ser afetado.
E menos consumo afeta inevitavelmente as empresas…
Claro, porque as empresas vendem, comercializam para as pessoas. Primeiro, uma pessoa que tenha o seu rendimento disponível comprometido não será uma pessoa que esteja a trabalhar tão motivada. Somos seres humanos e se a vida não correr tão bem certamente o nosso rendimento não será o mesmo. Por outro lado, além de colaboradores das empresas também somos consumidores. Há aqui todo um ecossistema que é afetado.
E o problema da falta de mão-de-obra continua a não dar descanso às empresas…
Continua a existir e a agravar-se, por isso é que esta redução da fiscalidade sobre o trabalho poderia, em parte, por um lado, a ser mais atrativo para quem vem de fora e possa vir a trabalhar para Portugal, e, por outro lado, pode levar a que algumas pessoas que estão a pensar em sair do país possam ponderar a não o fazer. Por isso, defendo que a fiscalidade sobre o trabalho seria uma das principais que o Governo poderia tomar. Em relação às empresas estamos a viver com as consequências da pandemia, temos agora este impacto da guerra, temos também a situação da inflação, mais o aumento das taxas de juro. Por exemplo, se tivermos fragilizados com um problema qualquer de saúde e se a seguir apanharmos um gripe, o impacto é muito maior do que se estivermos saudáveis e se tivermos essa mesma doença. Nas empresas é muito semelhante, as empresas são células vivas que de boa saúde aguentam com estes impactos, mas se tiverem fragilizados, os impactos podem ser fatais.
Mesmo com a redução de impostos, o mercado nacional não é suficiente. É preciso apostar na imigração?
Claro que o mercado nacional não é suficiente e há uma coisa que temos de ter consciência é que Portugal sempre foi um país de emigrantes, mas agora tem de se habituar a ser um país de imigrantes. A nossa estrutura demográfica não deixa margem para dúvidas de que precisamos de atrair pessoas de outros países para trabalharem cá, mas aí também devemos ter uma política de imigração, mais potenciadora da integração de famílias. Mais importante do que trazer pessoas e jovens é trazermos famílias para o nosso país, porque essas pessoas depois têm uma vida mais equilibrada, mais estável. Podemos depois ter os filhos dessas pessoas nas nossas escolas, os conjugues a desenvolver a sua atividade, logo, teremos pessoas mais integradas no nosso país. É importante também criar medidas de estímulo a essa imigração para que as pessoas que vêm não façam parte do problema, mas façam parte da solução.
Falamos do PRR. A AEP sempre disse que grande parte da verba não iria para as empresas, mas para a função pública e, por isso, foram pedidos alguns reajustes. Mas o programa está a ser aplicado tal como estava previsto….
Não temos conhecimento que haja disponibilidade, vontade de ajustar e de apoiar mais as empresas. E veja-se o que tem sido a execução no que toca às empresas que tem sido baixíssima e o que isso representa, numa fase, em que as empresas mais do que nunca precisavam de recursos. O PRR não é o único, mas poderia ser um desses recursos, bem como a aceleração de outros programas comunitários. Quando se fala na necessidade de recursos financeiros temos de pensar que existem e que o país dispõe e que pode utilizar. É importante não nos esquecermos de que é preciso criar condições para a sua utilização, naturalmente que têm de ser usados bem porque aí terão um maior impacto e serão recursos financeiros reprodutivos, que terão um valor acrescentados. Essa é uma das preocupações que temos demonstrado, mas também percebemos que essa não foi a opção do Governo, Muitas vezes, não é preciso rever prioridades, a transição energética, por exemplo, é uma das prioridades que está no PRR. Então se as empresas mais precisam de apoios para a transição energética porque é que não se faz uma afetação, sem pôr em causa a prioridade do PRR, para que as empresas possam colocar painéis solares, para que possam ser mais sustentáveis do ponto de vista energéticos, terem equipamentos mais eficientes com menos consumo, etc.? É este pragmatismo que falta e, acima de tudo, percebermos que cada dia que passa é menos um dia, logo representa mais um dia de dificuldade. O mundo está a mudar diariamente, rapidamente e as empresas passam dificuldades, mas por outro lado, o contexto de apoios nacionais são muito fracos.
Continua-se a insistir na mesma forma e que vai ao encontro de muitas críticas que são feitas que dizem que o PRR é para digitalizar a burocracia da administração pública…
Em breve teremos uma burocracia digital. Não chega colocar dinheiro na digitalização se não criarmos condições e mecanismo para que os processos sejam mais céleres, quer ao nível das pessoas que os vão processar, quer ao nível dos procedimentos e de todo o modelo de organização do setor público. Corremos o risco de deixar de ter uma burocracia mais manual para passarmos a ter um burocracia mais digital. Ou seja, não é a digitalização que resolve o problema da burocracia é toda a forma como estamos organizados e a forma como as pessoas estiveram preparadas para lidar com ela.
O primeiro-ministro pediu a Bruxelas para prolongar o prazo para aplicar o PRR para lá de 2026. Bruxelas não apoia a ideia, o que significa que temos de acelerar o passo…
O desejável é sermos capazes de utilizar e de executar no prazo que estava previsto. Era sinal que conseguíamos dar respostas céleres e fazer investimentos nos timings que são necessários, que são mais úteis ao país e às empresas. No caso de não ser possível então será melhor alargar o prazo, o que é preferível do que perder esses recursos. Isto é, entre perder recursos ou alargar o prazo é natural então o melhor é alargar o prazo. Claro que o ideal seria executar o mais rapidamente possível.
As exportações subiram cerca de 30%, de acordo com os últimos dados do INE. Qual vai ser a tendência dos próximos meses?
Não quero ser pessimista, mas diria que os próximos meses não terão um crescimento igual, até porque há a falta de matérias-primas e há todo este contexto que temos vindo a referir. Ou seja, sabemos que há empresas que estão a anular encomendas e acredito que não iremos assistir a uma continuação deste crescimento, claro que gostávamos que assim fosse. É importante para o país apostarmos e termos uma componente cada vez forte em termos de exportações, aliás para a AEP é uma das nossas grandes prioridades através das missões empresariais e de encontros de negócios com outros negócios, mas o que vamos vendo ao conversar com empresários e o que vamos conhecendo é que face a estes constrangimentos poderemos ter no segundo semestre indicadores piores. Gostava de estar enganado, mas os dados indicam um abrandamento, esperemos que algumas situações possam-se a vir a resolver, mas continuamos com dificuldades nos transportes, com a escassez de algumas matérias-primas. Por muito que as empresas tenham essa disponibilidade e, às vezes, até tem carteira de encomendas para isso depois têm todos esses constrangimentos a montante do processo que pode dificultar esta dinâmica que o setor exportador está a ter.
E depois há vários alertas sobre o facto de algumas economias europeias estarem a entrarem em recessão, como é o caso da Alemanha…
É preciso lembrar que os nossos principais mercados de exportações estão a abrandar muito e, alguns deles, até a entrarem em recessão. Não nos podemos esquecer que 70% das exportações são para a Europa e grande parte dos países europeus e os principais países para onde exportamos estão numa situação de contração.
Isso inevitavelmente afeta Portugal….
Também será um contributo para que aquela dinâmica que estava a dizer em relação às exportações que não deverá manter o mesmo ritmo no segundo semestre.