Depois de alguma hesitação do Governo, o primeiro-ministro revelou na terça-feira que Portugal vai apoiar a proposta da Comissão Europeia que passa por uma taxação de pelo menos 33% sobre os lucros extraordinários das empresas de petróleo, gás, carvão e refinaria.
Em Nova Iorque, à margem da abertura do debate geral da 77.ª Assembleia Geral das Nações Unidas, em resposta ao apelo do secretário-geral da ONU sobre esta matéria, António Costa insistiu que a questão tem estado a ser analisada pelo seu Executivo. António Guterres pediu na terça-feira “a todas as economias desenvolvidas que tributem os lucros inesperados das empresas de combustíveis fósseis”.
Questionado sobre qual seria a resposta de Portugal a este apelo, o primeiro-ministro começou por referir que esta é uma matéria que o Governo português tem estado a analisar, reafirmando aquela que tem sido a resposta do ministro da Economia nas últimas semanas sobre este assunto, de que é preciso cautela e atenção ao sistema fiscal português. Mas acabou a admitir que “há uma proposta agora da Comissão Europeia, que será apresentada ao Conselho [Europeu] e Portugal apoiará essa proposta”.
Contudo, antes de qualquer decisão nesse sentido, Costa espera, por um lado, pela “informação que a entidade reguladora fornece sobre a existência ou não existência desses lucros extraordinários” e, por outro, quer “ver em que medida é que o nosso sistema fiscal hoje em dia já tributa esses lucros”.
A intenção de Bruxelas é introduzir uma “taxa aplicável para o cálculo da contribuição temporária de solidariedade, de pelo menos 33%” sobre os lucros excedentários gerados pelas atividades nos setores do petróleo, gás, carvão e refinaria , que será “aplicável para além dos impostos e imposições normais aplicáveis de acordo com a legislação nacional de um Estado-membro” e cujas receitas serão redirecionadas para os consumidores.
Quanto aos timings para a concretização desta proposta, António Costa disse desconhecer em quanto tempo será aprovada. “Nunca sabemos quanto tempo é que demora. Há de fazer o seu circuito no Conselho [Europeu], e veremos se será aprovada ou se não será aprovada”.
Os apoios a esta medida têm vindo a crescer nas últimas semanas sobretudo à esquerda, com PCP e Bloco de Esquerda a desafiarem o Executivo socialista a taxar os lucros extraordinários das empresas energéticas, numa altura em que os elevados preços dos combustíveis e da eletricidade estão a castigar o orçamento das famílias portuguesas. E, na verdade, esta solução também colhe apoios dentro do PS, tendo o presidente do partido, Carlos César, pressionado Costa neste sentido no início de setembro, antes de o Governo ter apresentado o pacote de apoios às empresas. Também o ministro António Costa Silva levantou o véu a esta possibilidade, apesar de ter alertado que as empresas “não estão preparadas para a taxa sobre lucros excessivos”.
Esta é uma questão que também tem deixado os economistas divididos. Em declarações ao i, João César das Neves defendeu que enveredar por esta solução pode abrir “um precedente perigoso”, lembrando que os lucros já são taxados e que um novo imposto só se justifica “perante casos verdadeiramente excecionais e duradouros”. Para o economista uma tributação excecional “iria prejudicar os investimento dessas empresas” e introduzir “uma arbitrariedade e incerteza no sistema fiscal, que prejudica o funcionamento das empresas e mercados”.
Já Henrique Tomé, analista da XTB, acredita, pelo contrário, que este é o caminho “mais correto a seguir”, uma vez que, no seu entender, “esta medida irá apoiar financeiramente os pacotes de apoio às famílias e às empresas anunciados recentemente pelo Governo”.
“Esta é uma das melhores medidas que os governos podem adotar, pois não compromete em nada a saúde financeira das empresas que registaram lucros extraordinários por via do aumento da inflação”, explicou ao i.
Lá fora, já vários países decidiram taxar os lucros de empresas do setor da energia, mas também da banca. Na Alemanha, o chanceler Olaf Scholz anunciou a definição de um teto máximo para as receitas que os produtores de eletricidade podem obter. O excesso dessas receitas será entregue ao Estado que depois as vai usar para financiar as medidas de combate à inflação.
Também países como Espanha, Itália, Reino Unido, Eslováquia, Bulgária e Roménia anunciaram tributações extraordinárias às empresas.