Afonso Teixeira da Mota é presidente do grupo jurídico SalL, associação pela defesa da liberdade de expressão e de educação, e denuncia que muitos pais portugueses estão a ser alvo de processos do Ministério Publico por via da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ).
A associação jurídica pela liberdade de educação defende pais com processos em tribunal acusados pela CPCJ de não autorizarem a participação dos filhos em formações LGBT.
Revela que em casas onde os jovens estão entregues à tutela da escola, há «intimidade sexual entre menores do mesmo sexo» e consumo de droga. O advogado diz estar em causa o «abuso do Estado» contra a liberdade de educação consagrado na Constituição.
O grupo SalL moveu uma providência cautelar contra a disciplina de educação para a cidadania. Em que fase se encontra o processo?
A ação proposta pelo SalL não é contra a disciplina de Educação para a Cidadania. Não temos genericamente nada contra essa disciplina. Nesta ação simplesmente pedimos que sejam retirados certos conteúdos, de carácter puramente ideológico, que constam de materiais e recursos educativos elaborados pelo Estado Português e impostos, na prática, a todo o sistema de ensino, seja público ou privado. A Constituição diz que o Estado não pode programar a Educação de acordo com diretrizes ideológicas, religiosas ou filosóficas. Só que há conteúdos que o Estado elaborou – os chamados Guiões de Educação para a Cidadania – que têm partes, não é tudo obviamente, mas partes que são claramente determinadas por uma diretriz ideológica e filosófica, no que respeita àquela teoria que diz que as diferenças entre homens e mulheres são construções mentais que não têm nenhuma relação com as diferenças biológicas. O que nós pedimos aos tribunais foi que esses conteúdos, que estão perfeitamente identificados na ação, fossem retirados do ensino. Mas esse pedido não tem nada que ver com a disciplina de Educação para a Cidadania propriamente. No caso da providência cautelar, o Tribunal Administrativo de Lisboa entende que o SalL, enquanto associação, não pode propor ações populares deste tipo – o que diz tudo da nossa Justiça – e, portanto, estamos agora a discutir essa questão no Tribunal Superior. A ação principal levará os tempos ‘anormais’ da nossa Justiça administrativa. Provavelmente, décadas.
Que outras ações têm a decorrer?
Entre outras ações estamos a defender uma família, com cinco filhos, que se viu, surpreendentemente, acusada de abusos sobre os seus filhos menores, e contra quem foi movido um pedido de medida cautelar urgente pelo Ministério Público, na sequência de um processo que desconheciam, aberto pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Lisboa. Em resultado de um relatório do colégio que os filhos frequentavam, remetido à CPCJ à revelia dos pais, com base nas informações de uma professora e de uma pedagoga social da sua filha, então de seis anos. Sucede que na base de todo este processo está a recusa, por parte da família, de autorizar que os filhos participassem em atividades que nada tinham que ver com os conteúdos letivos, mas se destinavam unicamente à doutrinação ideológica das crianças em matéria de ideologia de género, que defende a ideia de que o sexo biológico é uma construção social. Atividades que pretendiam apenas criar convicções a respeito de temas relativos à comunidade LGBT, à marcha do orgulho gay, entre outros. Por causa disto a família foi sujeita a inspeções em sua casa, por parte de técnicos da Segurança Social e a um processo-crime por violência doméstica em que os menores foram chamados a depor. Uma das filhas chegou a ser acompanhada, sem o consentimento informado dos pais, por uma pedagoga social da Escola, cuja única preocupação parecia ser promover a sua visão, ideológica, da realidade. Após a visita dos técnicos a casa destes pais, e contacto com as suas crianças, no âmbito do processo de família, rapidamente se constatou a insubsistência das afirmações contra os mesmos proferidas, tendo sido determinada a extinção do processo no Tribunal de Família e Menores, mantendo-se o processo-crime de violência doméstica, inexplicavelmente ainda por arquivar. O espantoso desta situação é esta realidade simples de compreender: perante abusos ou falhas das escolas a CPCJ, organismo do Estado que pretende ser um instrumento de defesa de crianças e jovens, dedica-se a investigar os pais que estão a defender os filhos em vez de se dedicar a investigar os referidos abusos e falhas. Contra os autores deste processo foi movida uma queixa-crime por denúncia caluniosa.
Estamos também a acompanhar outro tema, nos Juízos de Família e menores da Comarca de Aveiro em que apoiamos um casal, alvo de um processo instaurado pelo Ministério Público, também via CPCJ.
Em que consiste o processo?
Inicialmente foi instaurado um processo na CPCJ de Albergaria-a-Velha por alegadamente a filha deste casal, de 14 anos de idade, estar em perigo devido a comportamentos dos pais que entenderam por bem retirá-la da escola, retirar-lhe o telemóvel e condicionar o acesso a determinadas pessoas. Na verdade, a menor, ainda com 13 anos, sob verdadeira coação psicológica, por parte de colegas de escola que, segundo descrição da própria, formavam um verdadeiro lóbi gay, foi sendo forçada a assumir uma identidade com que na realidade não se identificava e a ter comportamentos que repudia. Segundo a própria menor, vítima deste bullying, foi sendo coagida a ter determinados comportamentos que iam contra a sua vontade e as suas convicções. De acordo com o que descreveu foi sendo manipulada por colegas e professores que lhe inspiraram a ideia de que os seus pais não a estavam a deixar ser livre e assumir a sua própria identidade. Por isso, afastou-se dos pais e dos valores em que foi educada, tendo começado a mentir, a não voltar para casa, a omitir onde ia e o que fazia, com a cobertura dos colegas e dos professores que a incentivavam a tais comportamentos. O pior é que, nas instalações da escola, designadamente em casas sob a tutela da escola, como nos relatou a menor, além de se dar abertamente cobertura a comportamentos de intimidade sexual entre menores do mesmo sexo, consumia-se droga, numa postura ‘descomplexada’, com a qual, naturalmente, os pais estavam em desacordo. Descoberta a situação pelos pais, foi a própria filha que pediu apoio dos pais para ser mudada de escola.
O que fizeram os pais?
Também estes pais não deram consentimento à intervenção da CPCJ e o processo seguiu para tribunal. Na queixa consta que os pais estavam ‘a privar a filha de contactar os colegas e de frequentar a escola […] por não concordarem com a sua orientação sexual’. Acrescentando a denúncia que receavam que a filha ‘viesse a tentar contra a própria integridade física’. Situações tão graves como estas sucedem, cada vez com mais frequência, por todo o todo o país.
Mas a educação sexual é um direito que as crianças devem ter?
Não é uma questão sobre a qual nos debrucemos, mas, como em tudo na vida, há formas corretas e incorretas para se educar para a sexualidade. O que nos preocupa é que a pretexto da satisfação de direitos de educação sexual, o Estado venha impor ideologia às crianças. Em matéria de educação, as crianças têm o direito fundamental, constitucionalmente consagrado, de não sofrer intromissões ideológicas pelo Estado, e o Estado não pode lecionar estas matérias sem que seja de forma objetiva, isenta e cientificamente sustentada e respeitadora das convicções dos pais.
A maioria dos pais portugueses não tem conhecimento dos conteúdos lecionados na disciplina. Não estão a defender uma minoria?
Não. Creio sinceramente que ao libertar o ensino de quaisquer constrangimentos ideológicos as condições de ensinar e aprender melhoram para todos. Falando de maiorias e minorias, parece-me que são precisamente algumas minorias bem organizadas, que de maneira nenhuma representam a generalidade dos pais, que pretendem impor este tipo de condicionamentos ideológicos na educação. O estranho é que os que outrora pareciam ser defensores desta perspetiva libertadora da educação se revelem autênticos ditadores de uma visão dogmática. Refiro-me a todos os responsáveis políticos que defendem o estado das coisas, que querem, expressamente, ver as escolas a impor uma determinada visão do mundo.
Creio que não ficariam contentes se a visão que se estivesse a impor fosse diferente da deles, isto é, se tivesse preocupações religiosas, se pretendesse ensinar uma filosofia ancorada na metafísica, se pretendesse ensinar uma história livre dos preconceitos da ‘lenda negra’ da civilização europeia, se pretendesse ensinar uma ecologia de conservação baseada na importância da caça e dos toiros, se pretendesse ensinar a importância e as vantagens da família monogâmica heterossexual, enfim, creio que não quereriam que os seus filhos fossem educados por um sistema que lhes impusesse visões diametralmente opostas às suas. É simplesmente isso que queremos fazer, libertar e apoiar todas aquelas famílias que não querem que se lhes imponha visões diferentes das que têm. Obviamente digo isto com uma certa ironia. Estou certo de que o Sr.ministro da Educação não gostaria que lhe educassem os filhos segundo uma visão do mundo contrária à que ele tem. Creio que ele não tem o direito de fazer aos filhos dos outros o que não quer que façam aos seus.