As empresas pediram uma redução da carga fiscal e o Governo respondeu com a atribuição de benefícios fiscais à valorização salarial, acertado com os parceiros sociais no designado Acordo de Competitividade e Rendimentos. A medida prevê beneficiar mais de 500 mil empresas e terá um impacto orçamental estimado de 75 milhões de euros em 2024, de acordo com a proposta de Orçamento do Estado.
A medida prevê que sejam “majorados em 50% todos os custos – quer remuneração fixa, quer contribuições sociais – inerentes a valorizações em linha com o acordo”, desde que haja uma atualização salarial de 5,1% em 2023. Uma exigência que não agrada a todos.
O presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP) garante ao i que esta proposta tem algumas condicionantes. “Como se costuma dizer ‘o Diabo está nos detalhes’, aparentemente é uma coisa boa, mas depois implica que haja um aumento dos salários médios, que haja uma redução da disparidade salarial, ou seja, implica uma série de questões e, como tal, não é assim linear”.
Luís Miguel Ribeiro diz ainda que há outro problema. “O Orçamento do Estado para 2023 contempla esse incentivo fiscal ao nível do IRC para quem aumentar salários acima de 5%, etc. Mas depois de serem aumentados, não podem mais diminuir e no ano seguir pode não haver incentivos. Ou seja, a empresa com base no incentivo para um ano pode estar a assumir encargos acrescidos para os anos seguintes. É um exercício que tem de ser muito bem analisado”, refere, acrescentando que não é possível mexer no salário, a não ser que haja uma diminuição do tempo de trabalho, caso contrário não há forma da entidade patronal diminuir o valor do salário ao trabalhador.
“As medidas de incentivo são para 2023, em 2024 podem não existir. E aí as empresas ficam um bocadinho amarradas, porque podem não ter incentivos e ficam com uma massa salarial mais elevada”, salienta.
O presidente da AEP dá como exemplo, o crédito fiscal ao investimento criado no OE 2022 de dedução à coleta de IRC até 25% das novas despesas de investimento, que tinha como condições a manutenção de postos de trabalho e a não distribuição de dividendos durante três anos.
Imposto sobre lucros excessivos Luís Miguel Ribeiro chama a atenção para o facto de se tratar do cumprimento de uma questão colocada a nível europeu, no entanto, lembra que “Portugal já compara mal para as empresas que têm mais lucros, tem a maior taxa máxima combinada de IRC na OCDE”, apesar de reconhecer que existe aqui também uma questão de partilha solidária.
“Para se tributar mais é sempre possível encontrar uma razão, e desta vez, a razão está associada ao caráter ‘inesperado dos lucros’, classificados como os tais lucros caídos do vento windfall tax. Mas há muitas empresas que tiveram lucros extraordinários e aparentemente não estão abrangidas. E supostamente é um imposto temporário e extraordinário, mas já vimos impostos com esse caráter e que se vão mantendo permanentes. Veja-se o exemplo da “Taxa Adicional de Solidariedade” aplicada ao IRS, imposta pela troika em dezembro de 2011 e vigora até hoje”, diz ao i.
De acordo com o responsável, é preciso existir “bom senso e equilíbrio”, mas para isso, garante que também é preciso saber em que condições é que esse imposto vai ser aplicado e com que critérios. “Espanha já aplica isso há algum tempo, mas abrange empresas que faturam acima de mil milhões. Em Portugal quantas temos nessas condições?”, questiona.
Escolhas ditaram resultado Para o presidente da AEP, o Orçamento do Estado é um exercício de escolhas. “Sendo um instrumento de curto prazo, as medidas de política orçamental devem pressupor uma estratégia de médio e longo prazos”. E acrescenta: “Independentemente do novo contexto que viermos a conhecer, continuarei a defender uma redução estrutural da carga fiscal sobre as empresas e sobre os recursos humanos, sobretudo os mais qualificados, fatores essenciais para a melhoria da produtividade e da competitividade”.
E vais mais longe: “O Governo ao manter o défice na meta previamente estabelecida (-1,9% do PIB) e atendendo a que no 1.º semestre deste ano se registou um excedente de +0,8% (em Contabilidade Nacional, que é a que releva), parece-me que haverá uma “almofada” para apoiar de forma mais robusta a economia sem comprometer o défice”, diz ao i.
Também a tesouraria das empresas, de acordo com o responsável, não dá sinais de alívio. “As empresas passaram por uma pandemia, com as matérias primas a registarem aumentos de preços e não vão voltar ao valor que eram antes, com transporte e logística que disparou e que se mantém em valores muito elevados, com o aumento dos custos energéticos, aliado a um aumento da taxa de inflação e ao aumento das taxas de juro, tudo isto quando temos empresas bastante endividadas”. E a somar a estes problemas há ainda a questão da mão-de-obra. “Mesmo sem esta imposição – em que as empresas só recebem benefícios se subirem os ordenados – as empresas têm que atualizar salários senão não conseguem reter as pessoas. Tudo isto somado. Há um aumento constante e considerável dos custos das empresas. Não é possível acomodar todos estes custos e depois não conseguir, ainda por cima, refleti-los no preço final do que estão a produzir”, garantindo que já se está a assistir a uma diminuição de encomendas face ao consumo que já se está a reduzir. “Há empresas que já estão a reduzir a atividade porque tiveram que fazer uma otimização em termos de consumos energéticos. Naturalmente só com políticas públicas e com um contexto mais favorável é que se pode resolver”.