Serpa: Situação continua preocupante

A situação já se arrasta há dois meses e, ao que parece, a resolução ainda parece distante. No final de setembro eram 40 os timorenses alojados num pavilhão em Serpa. Agora, são 18, mas, segundo João Efigénio Palma, a situação continua igual. Os timorenses pedem trabalho, a Câmara pede ajuda e o Governo não responde.

O fenómeno não é recente, mas, de ano para ano, vai-se «transformando» ou «deslocando». Se há coisa da qual Portugal pode orgulhar-se é das suas «portas abertas» e da facilidade com que recebe cidadãos de todo o mundo. Todos os anos, o país acolhe milhares de imigrantes em busca de trabalho. Contudo, a realidade não tem acompanhado de forma equilibrada as necessidades de quem cá chega.

E, por isso, em algumas localidades, a situação tem tomado proporções preocupantes. Como é o caso de Serpa, no Alentejo. O problema agravou-se em agosto e, mesmo com os pedidos de ajuda por parte da Câmara, segundo o seu presidente, a situação «continua preocupante». 

Em janeiro, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) divulgava que havia mais 109 mil imigrantes que obtiveram a autorização de residência em 2021. Nessa altura, Portugal possuía 771 mil cidadãos estrangeiros a residir no país (valor nunca antes alcançado).

Além disso, em agosto, foi anunciado que Portugal foi o sétimo país da União Europeia a conceder mais autorizações de residência a cidadãos extracomunitários em 2021. Nesse ano foram atribuídos 84.805 vistos, número ligeiramente superior ao registado em 2020 (84.397).

Segundo o Eurostat, a maioria das autorizações (45,6%) foi concedida a quem se candidatou por motivos de trabalho. Os brasileiros, que representam a maior fatia da imigração, são entre 200 a 300 mil em território nacional. Em 2021, os indianos (8,73%) ultrapassaram os angolanos (5,42%) e restantes PALOP. 

Timorenses em Portugal

Depois da visita de Marcelo Rebelo de Sousa a Timor-Leste – pelos 20 anos de independência do país –, no mês de maio, surgiu um «novo fluxo», o de imigrantes timorenses, que começou a aumentar, criando um cenário «insustentável» em alguns pontos do país. No fim do mês de setembro, o Alto-Comissariado para as Migrações (ACM) identificou 664 cidadãos timorenses a viver em Portugal, maioritariamente homens – desde que em julho foram encontrados 76 a dormir na rua, em Lisboa, tendo sido já realojadas 370 pessoas, segundo avançou a ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares.

Nos anos anteriores, havia uma média de 500 a mil timorenses que entravam no país à procura de uma vida melhor. Desde janeiro, já foram registados cerca de cinco mil. E tudo aponta para que sejam vítimas de redes criminosas de tráfico de pessoas para exploração laboral. Para entrar no país, não necessitam de visto, apenas de passaporte, da indicação do local onde vão ficar alojados e de algum dinheiro. De acordo com a lei da imigração, podem posteriormente arranjar trabalho e iniciar o processo de legalização.

Alojados num pavilhão

Precisamente nessa altura, a Câmara de Serpa deu um «murro na mesa», apelando ao Governo para que resolvesse a situação dos timorenses na zona – eram 200 na cidade, 40 deles sem teto e sem dinheiro para comer. Face à situação, a autarquia, juntamente com a Segurança Social, tem tentado gerir esses casos de timorenses que trabalharam uma semana, foram dispensados e consequentemente desalojados  (a autarquia tem cedido o Pavilhão de Feiras e Exposições com o intuito de lhes dar abrigo e, três vezes por dia, disponibiliza uma carrinha que recolhe comida na Santa Casa da Misericórdia). 

Ao Nascer do SOL, que esteve no local no início do mês, João Efigénio Palma (CDU) explicou que com o serviço de proteção civil e com os serviços da área social, a autarquia conseguiu ceder o pavilhão e criar condições para os abrigar. O problema é que, o que era uma solução provisória para três ou quatro dias, já se arrasta há mais de um mês.

«Está insustentável, porque aquilo é um espaço para feiras e exposições, as pessoas não estão ali nas melhores condições. Tem instalações sanitárias mas não tem balneários, para tomar banho têm de se deslocar… Eles não confecionam alimentação, está à responsabilidade da Santa Casa da Misericórdia, mas somos nós que realizamos o transporte três vezes por dia para lá. Isto também nos causa problemas!», lamentava o presidente da Câmara na altura.

Segundo o autarca, «a senhora secretária de Estado da Igualdade e Migrações diz que o Governo está preocupado, que estão a trabalhar para resolver, mas que neste momento também não têm solução». 

E, semanas depois, a espera continua, apesar do número de timorenses nessa situação ter diminuído. «Desde a última vez que a alteração da situação não é significativa. Recebemos o contacto da senhora ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, que nos voltou a dizer que o Governo continua preocupado, está a acompanhar-nos, a trabalhar para resolver e a agradecer a nossa colaboração. Contudo, a questão mantém-se essencialmente a mesma», garantiu agora João Efigénio Palma ao Nascer do SOL.

Segundo o autarca, a verdade é que «já saíram alguns indivíduos que lá estavam na altura (arranjaram trabalho ou foram embora), mas o pavilhão continua com um grupo de 18 pessoas». «Nos últimos dois ou três dias, também temos tido algumas solicitações da Segurança Social no sentido de alojar mais quatro ou cinco pessoas», revelou.

«Nós precisamos rapidamente de uma solução. E há uma que nós temos evitado a todo o custo, que é dizer: ‘Estas pessoas têm de sair!’. Nós não temos condições para as manter muito mais tempo face à atividade que temos planeada para o pavilhão», exclamou. Apesar disso, garante estar a fazer tudo para não ter de chegar a esse ponto. João Efigénio Palma congratulouse ainda com a atuação da Segurança Social, que tem conseguido retirar alguns timorenses para alojamentos contratualizados em Beja, «pois as pessoas que lá estavam também conseguiram arranjar trabalho e sair». 

Para o governante, não há dúvida de que a solução do problema «passa pela intervenção do poder central de uma forma muito concreta».

«Tem de haver uma política muito concreta de atribuição de responsabilidades no sentido destas pessoas terem condições dignas. Temos noção que isto não se resolve do pé para a mão, mas já deviam ter sido tomadas outras providências», exaltou, acrescentando que a autarquia tem atividades já programadas para o final do mês de Outubro no pavilhão. «Vai causar problemas ao normal funcionamento da autarquia e às respostas que esta costuma dar a outras pessoas», explicou. 

As soluções de Timor

No dia 5 de outubro, o secretário-geral da Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin) pediu o fim da atribuição de vistos a timorenses para impedir situações de miséria e abandono dos imigrantes em Portugal. Em entrevista à Lusa, Mari Alkatiri considerou que, «em Timor-Leste, se deve travar esta onda de procura de vida fora do país, enquanto não houver um acordo de alto nível entre governos para acomodar isso». 

Segundo Alkatiri, é necessário que Timor-Leste dê «formação adequada a quem quer emigrar», com «treinos vocacionais e profissionais» que correspondam às necessidades dos países de destino. Para tal, é necessário também que os políticos timorenses «façam pactos de regime que promovam o bem-estar a médio prazo e correspondam aos anseios da população».

Na passada quinta-feira, o primeiro-ministro timorense considerou que seria muito positivo avançar com um acordo de mobilidade laboral com Portugal para evitar o crescente número de casos de burla que afetam trabalhadores do país. O chefe do Governo garantiu ainda – no que toca aos casos de timorenses que chegam a Portugal enganados sobre o seu destino – que as investigações estão em curso.

Também durante esta semana o diretor-geral do Protocolo e dos Assuntos Consulares do Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação (MNEC), José Amorim Dias, disse à Tatoli que o Governo «queria poder avançar num acordo especial com Portugal». «O acordo pretende evitar a situação atual de viagens não reguladas de timorenses para Portugal onde não têm contratos de trabalho que assegurem uma estadia com condições de sobrevivência dignas», esclareceu à agência de notícias timorense.

O Nascer do SOL tentou obter declarações por parte do gabinete da ministra-Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, mas em vão.

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