A segurança hídrica é um tema que não sairá da agenda nacional nos próximos tempos. O Governo já reconheceu que Portugal Continental vive “uma das situações de seca mais grave deste século, devido à conjugação de invulgares temperaturas e fraca precipitação”.
E, apesar de setembro ter dado tréguas, as chuvas não foram suficientes para o aumento das disponibilidades hídricas, como confirmou o Ministério do Ambiente e Ação Climática, no seguimento da reunião interministerial com a tutela a Alimentação e Agricultura, na passada sexta-feira.
Depois de em agosto o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) ter alertado que quase 40% do território se encontrava em situação de seca extrema, no mês passado verificou-se uma regressão “muito acentuada” desta situação meteorológica.
De acordo com a nova atualização do Índice PDSI – que tem em conta dados da quantidade de precipitação, temperatura do ar e capacidade de água disponível no solo – divulgada na segunda-feira pelo IPMA, 3,3% do território encontra-se em situação de “seca fraca”, 32,2% está em situação de “seca severa” e 64,3% do território encontra-se em situação de “seca moderada”. Apenas 0,2% do território está em estado de “seca extrema”.
Com a seca a tornar-se o novo normal, aguardam-se políticas do poder central e local que assegurem o abastecimento, enquanto noutros países, como em Israel ou na Arábia Saudita, já se avançam com soluções dispendiosas como a dessalinização da água do mar.
Armando Silva Afonso, que se dedica há vários anos ao estudo da eficiência hídrica em edifícios, tem alguma dificuldade em entender este tipo de estratégia, considerando que é preciso mudar o chip nesta matéria. “Numa situação de falta de água, antes de se falar de dessalinização ou de reutilização, a primeira coisa é reduzir os consumos, só depois é que se pode começar a falar em aumentar as ofertas”, defende o professor catedrático (já aposentado) do Departamento de Engenharia Civil da Universidade de Aveiro.
Não sendo o setor urbano o principal consumidor de água em Portugal – o setor agrícola, por exemplo, consome sete vezes mais água –, certo é que a redução dos consumos pode começar logo a partir de casa com uma ideia simples: poupar água através de dispositivos mais eficientes, como torneiras e chuveiros com redutores de caudal. Para orientar os consumidores na escolha destes dispositivos, foi desenvolvido há cerca de 15 anos em Portugal, pela Associação Nacional para a Qualidade nas Instalações Prediais (ANQIP), um sistema de rotulagem de eficiência hídrica.
Contudo, o sistema permanece desconhecido de grande parte dos cidadãos, apesar de estarem rotulados mais de 2000 produtos, nacionais e estrangeiros, que se encontram à venda.
“Fomos o primeiro país europeu a ter esse sistema de rotulagem, que nasceu em 2007, para classificar o consumo de torneiras, autoclismos, etc., mas não houve grande entusiasmo governamental para promover essas soluções”, acusa Silva Afonso, que é também presidente da ANQIP.
Uma pedagogia nesse sentido, diz o especialista, “podia permitir, pelos nossos estudos e da Comissão Europeia, uma poupança de pelo menos 30% do nosso consumo”. Só esse impacto seria já de si positivo num país em que, segundo a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), cada pessoa gasta em média 189 litros por dia (nestes cálculos não entra apenas o consumo doméstico, mas de todos os setores da economia, divididos pelo número de habitantes), quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) diz que se pode viver bem com cerca de 110 litros por dia.
Além da redução dos consumos, há outras potencialidades nas habitações como sistemas de aproveitamento das águas pluviais. “É uma das coisas de que não se fala em Portugal, mas que devia ser obrigatória, como já é em cidades como Berlim ou São Paulo”, considera Silva Afonso.
Esta solução apresenta menores custos, nomeadamente de manutenção, e menores riscos sanitários, mas tem também um duplo papel perante as alterações climáticas: “Por um lado, ajuda a amortecer cheias e inundações e alguns estudos mostram até que uma generalização desse sistema pode conduzir a uma redução dos caudais de cheias na ordem dos 20%, o que é um valor muito significativo tendo em conta que vamos ter cada vez mais precipitação concentrada, o que contribui para um maior risco de cheias. E, por outro lado, permite substituir a água potável por não potável para certas utilizações”, explica o responsável da ANQIP.
Questionado sobre a viabilidade dos sistemas de aproveitamento de águas das chuvas em Portugal, considerando a situação de seca atual, Silva Afonso não tem dúvidas que mesmo assim faz todo o sentido, uma vez que “nos períodos com precipitação, as águas pluviais podem suprir até 40% dos consumos nas nossas habitações, em autoclismos, máquinas de lavar, sistemas de rega, etc., além de contribuírem para a preservação dos mananciais de água doce no inverno e para a disponibilidade de água nas barragens quando chega o verão”.
Se é certo que se pode poupar muito mais em casa, o que está a falhar? “Em Portugal, estamos no último degrau no combate à seca porque o discurso está sempre do lado da oferta. Falta água, portanto, vamos oferecer mais. Não, a primeira coisa devia ser gastar menos e a estratégia devia passar pela gestão local, a começar pela casa, depois pelo condomínio, até ao bairro ”, conclui.
Cada gota conta Uma torneira aberta durante um minuto gasta 12 litros de água. Se permanecesse aberta um dia inteiro, seria o suficiente para garantir as necessidades básicas diárias de centenas de portugueses. Para reduzir o consumo em situação de seca, as Águas de Portugal e a APA apontam algumas recomendações de comportamentos a adotar em casa, que não envolvem custos acrescidos.
Por exemplo, fechar a torneira durante a lavagem dos dentes ou durante o barbear poderá reduzir entre 10 a 30 litros de água por dia. No caso do duche, por cada 2 minutos no banho com a torneira aberta são gastos cerca de 24 litros de água.
A água que não é utilizada enquanto está a aquecer também pode ser recolhida num balde para ser utilizada para outros usos, como descargas na sanita, lavagem de chão ou na rega de plantas.
Ao substituir as máquinas de lavar, as entidades aconselham a optar por eletrodomésticos que consomem menos água, além da utilização dos programas ecológicos. Outra solução é lavar a louça ou roupa à mão utilizando para tal o lavatório tapado ou um alguidar ou bacia.
Outros exemplos passam por aproveitar a água da lavagem de frutas e legumes para regar as plantas, evitar lavar o carro, ou até mesmo reduzir o número de vezes em que se toma um duche por semana.
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