Taça de Portugal: na Luz o Benfica tinha ganho por 4-1, com dois golos de Eusébio. A segunda mão prometia ser um pró-forma. Nas Antas, aos 6 minutos, já Eusébio marcara mais um golo. Mas os portistas batiam-se com galhardia. Defendiam a sua honra numa batalha desigual porque a Pantera Negra a mantinha desigual com o seu futebol de repentes, de arrancadas bruscas e de remates violentos. Ainda assim, aos 25 minutos, Carlos Baptista chegou ao empate. Alegria nas bancadas. Os milagres custam muito, mas de quando em vez acontecem.
De repente, ao minuto 38, um árbitro profundamente medíocre resolveu tomar o protagonismo dos acontecimentos.
Chamava-se Porfírio Silva, era da Associação de Arbitragem do Porto, e embirrou com a forma como Eusébio procurava colocar a bola para proceder à marcação de um livre direto. «Foi uma expulsão tão injusta que nem fui castigado», contou-me o próprio Eusébio, certa vez.
«Fui ajeitar a bola para apontar outro livre, no mesmo local do primeiro, quando o árbitro me diz para não mexer na bola. Mas eu precisava de a ajeitar. E ele então expulsou-me. Foi de tal forma injusto que o público começou a aplaudir-me e o treinador do FC Porto, que era o Otto Glória, me veio abraçar».
Até então, um perfeito cavalheiro em todos os campos em todos os jogos, só tinha sido expulso um vez, num jogo para a Taça Ribeiro dos Reis, pelas reservas, frente ao Barreirense (derrota por 1-5), no dia 30 de junho de 1963, por excesso de linguagem. A expulsão nas Antas magoou Eusébio profundamente. Demorou a engoli-la, foi impossível esquecê-la.
«Aqueles livres de fora da área que o Eusébio marcava eram de um perigo constante», conta António Simões que esteve, nessa tarde, no relvado das Antas. Testemunha próxima da expulsão injusta de um jogador educado e correto como muito poucos.
«Quantas e quantas vezes Eusébio me dizia – António, a barreira está mal formada; este é golo pela certa. E era mesmo. Jogámos 14 anos juntos. Um privilégio tremendo já que ele era, de facto, o Rei. Ainda há pouco tempo, numa revista qualquer, talvez tenhas visto, aparecia o Eusébio como 13ª ou 14ª jogador de todos os tempos. É de loucos! As pessoas já não fazem ideia de quem foi o Eusébio. O árbitro além de muito mau era declaradamente a favor do FCPorto.
Mal o jogo começou, o Eusébio desatou a levar pancada de todos os adversários e ele não ligava nenhuma. Claro que o Eusébio começou a irritar-se. É natural…». E, irritando-se, tratou logo de marcar um golo que punha a eliminatória numa diferença de 5-1. O ambiente tornou-se pesado. Porfírio Silva, pusilânime como quase todos os árbitros portugueses, quis agradar o público. Afinal a eliminatória já estava decidida. Não havia muito mais a fazer…
A expulsão!
Nessa altura os árbitros ainda não se podiam dar ao luxo de desenhar no relvado o risco no exato local onde o livre deveria ser marcado. «Embirrou. Simplesmente embirrou». continua a contar António Simões. «O Eusébio colocou a bola no sítio onde achou que era a falta – vou dizer-te o seguinte: muitas vezes o Eusébio punha a bola ainda mais atrás para ter mais distância e ângulo para colocar o remate. Enfim. Uma teimosia. O Eusébio mudou a bola de lugar e, de repente, para surpresa de todos, o árbitro manda o Eusébio para a rua. Ficámos estupefactos. Por uns centímetros, uma coisa irrisória. Nem houve falta de respeito por parte do Eusébio…».
E o discurso de Simões torna-se ainda mais duro: «É muito desagradável dizer isto que eu vou dizer, mas nessa altura já o FC Porto dominava a arbitragem em Portugal. O problema deles é que a nossa geração era terrível. Íamos às Antas ou a Alvalade e ganhávamos com facilidade e conquistámos uns 12 campeonatos em quinze anos. Ainda agora o treinador do Benfica acabou de dizer que ganhámos três Taças de Portugal nos últimos 25 anos.
Enquanto lá estive, em dez anos fomos a sete finais e ganhámos cinco. Esse jogo das Antas também foi para a Taça. Um árbitro que se quis pôr em bicos dos pés e expulsar o Eusébio por uma questão ridícula de três centímetros. Serviu-lhe de pouco. Empatámos 1-1 mesmo com dez e sem Eusébio e ganhámos a Taça nesse ano. Havia um indomável espírito de campeões». Já lá vão 58 anos. Porfírio Silva, árbitro do Porto, conseguiu passear-se pelas ruas com a medalha do homem que expulsara Eusébio. Estranho orgulho esse. Ganhou o prémio dos medíocres: tornou-se anónimo.