O Kremlin parece preparar-se para uma eminente derrota em Kherson, não só com a evacuação da cidade, mas também disparando alegações desacreditadas sobre o suposto desenvolvimento de “armas sujas” por parte da Ucrânia. A guerra está prestes a ter uma “escalada descontrolada”, declarou o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, numa série de chamadas com os seu homólogos americanos, britânicos, franceses e turcos. Fazendo soar todos os alarmes, com o mundo a questionar-se quanto ao que o regime de Vladimir Putin estará a preparar.
Parece óbvio que os militares ucranianos – que tentam recapturar território o mais rápido possível antes que chegue o inverno, antevendo uma desaceleração nas operações – até sairiam prejudicados pelo uso de armas sujas, ou seja, que lançam material radiológico no ar com uma explosão convencional. Afinal, nesse cenário teriam de avançar a combater através do terreno contaminado, vendo o seu próprio povo afetado.
Contudo, como vemos desde o início da invasão, ao Kremlin tem importado pouco que as suas justificações sejam plausíveis aos olhos da comunidade internacional. O problema é que “se a Rússia liga a dizer que a Ucrânia alegadamente está a preparar algo, isso só pode significar uma coisa: que a Rússia já preparou isto tudo”, apontou Volodymyr Zelensky, falando à nação, domingo à noite. “Todos compreendem bem isso. Compreendem quem é a fonte de tudo o que é sujo que se pode imaginar nesta guerra”.
As alegações de Shoigu são vistas como preparação para o uso de armas não convencionais, no mais terrível dos cenários. Ou, no mínimo, como uma escalada das ameaças nucleares de Putin, tentando dissuadir a NATO de continuar a enviar apoio militar ao Governo de Kiev.
Talvez isso funcione, mas os ucranianos mostram-se resolutos . Apesar de meses de desgaste e dos recentes bombardeamentos com recurso a drones e mísseis, devastando zonas residenciais e a rede elétrica, 86% dos ucranianos defende a continuação da resistência armada contra a invasão, mostra uma sondagem do Instituto Internacional de Sociologia de Kiev (KIIS), revelada na segunda-feira. Mostrando que mesmo entre os inquiridos russófonos, que o regime de Putin afirma querer proteger, dois terços pretendem resistir.
“Sim, o terror continua, pessoas morrem ou ficam feridas, famílias ucranianas são obrigadas a passar as suas noites às escuras”, notou o vice-diretor do KIIS, Anton Hrushetskyi, citado pela Reuters. “Contudo, a dor nacional das perdas e destruição não assustam as pessoas”.
Sonhos quebrados No entanto, as ameaças do Kremlin tornam-se mais assustadoras consoante maior é o seu desespero. E a perda de Kherson seria um golpe tremendo, dado ser a única testa de ponte russa na margem ocidental do rio Dnipro.
Esta barreira natural poderia condenar quaisquer ambições de Putin em voltar à carga quando conseguisse recrutar, treinar e equipar tropas suficientes, sonhando tomar Odessa, roubando à Ucrânia toda a costa do Mar Negro. Daí que o Presidente russo tenha apostado tudo aqui – contra o conselho de alguns dos seus generais, deixando um buraco na linha da frente a sudeste de Kharkiv, que os militares ucranianos aproveitaram de forma espetacular – e colocado boa parte das suas forças de elite na cidade, avaliou o Instituto para o Estudo da Guerra.
No entanto, não chegou. O Kremlin ordenou o recrutamento forçado de todos os homens adultos de Kherson, esta segunda-feira, mas “enfrenta uma derrota inevitável”, avaliou o general Richard Dannatt, antigo chefe do exército britânico, à Sky News.
Isto apesar de estarem a chegar novas unidades militares russas à cidade, declarou o chefe das secretas militares ucranianas, Kyrylo Budanov. As forças do Kremlin têm estado “a preparar as ruas da cidade para a defesa”, assegurou em entrevista à Ukrainska Pravda.
Mesmo que os russos recorressem a rebentar a barragem de Kakhovka – que sustém uns 18 milhões de metros cúbicos de água, acima de Kherson – isso só adiaria o avanço das forças ucranianas umas duas ou três semanas, estimou Budanov. Com o efeito colateral de limitar o abastecimento de água na península da Crimeia.