Meio século de vida

por Nélson Mateus e Alice Vieira

Querida avó,                                                                                 

Amanhã faço 50 anos. Vim passar o meu aniversário ao Funchal, mas sobre isso falamos mais tarde.

Estou aqui, deslumbrado a olhar o “infinito” Oceano Atlântico e, fazer uma retrospetiva deste meio século de vida.

Falas frequentemente de numa das capas, num dos jornais onde trabalhaste, ter sido noticiado “Idosa de 40 anos morre atropelada em passadeira”.

Efetivamente, hoje, ninguém se sente idoso aos 50 ou aos 60, muito menos aos 40 anos.

Ao mesmo tempo reconheço que, tal como a tua prima Maria Lamas dizia, «A juventude de espírito não me ajuda a subir escadas!».

No meu caso ainda subo as escadas com alguma agilidade. Mas, confesso-te, que cada vez me cansa mais.

Tu, que foste jornalista durante tantos anos, deves recordar-te certamente que 1972, ano do meu nascimento, foi um ano em que aconteceram diversos factos históricos.

O livro “Novas Cartas Portuguesas” de Maria Velho da Costa, Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno foi lançado neste ano e marcou o declínio do Estado Novo em Portugal. A revelação de muitas das situações discriminatórias e lesivas para a mulher em Portugal deram um passo inaugural numa caminhada que tem sido feita até aos dias de hoje, naquilo que é a igualdade de género nas diversas circunstâncias sociais, culturais, laborais e económicas.

Mas aconteceram muitos mais acontecimentos históricos como a violenta homilia do bispo do Porto, contra a Guerra Colonial, que acabou com a célebre Vigília da Capela do Rato, também contra o conflito.

Foi o ano em que nascia o célebre filme “O Padrinho” e, nos EUA, contestava-se a Guerra do Vietname, com Jane Fonda a incendiar a opinião pública norte-americana.

Para além de ter sido o ano do meu nascimento, foi o ano em que nasceu Catarina Furtado, Fernanda Freitas, Maria Rueff, Eduardo Madeira, Henrique Feist, Luís Figo, Rui Costa e tantos outros.

Vou continuar aqui na minha reflexão.

Bjs

 

Querido neto,

Estou aqui cheia de trabalho e tu ainda me vens com essas recordações de 1972, onde é que isso – felizmente – já vai.

Sim, claro que me lembro de tudo. As Cartas das Três Marias foi um escândalo, que as levou (e ao editor) a tribunal. Eu tentei entrevistá-las, mas também não podia dizer muito, porque a censura cortava.

A homília de D. António Ferreira Gomes contra a guerra colonial foi extraordinária – e ele pagou-o com o exílio. Conta-se que ele foi chamado a responder e lhe perguntaram porque tinha ele falado contra a guerra, não sabia que assim estava a fazer política? Ao que ele terá respondido: «E se eu calasse, não estava também a fazer política?».

Em tempos de Natal, eu ficava furiosa quando abria a televisão, os jornalistas andavam pelas ruas perguntando às pessoas o seu maior desejo para o Natal, e todos respondiam «o fim da Guerra do Vietname». Da nossa, em África, ninguém se lembrava. Ninguém falava dela, era como se não existisse.

Eu estive na vigília da Capela do Rato. Lembro-me de lá ver a Conceição Moita, o Nuno Teotónio Pereira, o Francisco Pereira de Moura, o Jorge Wemans, a Sophia, o Francisco Sousa Tavares, e tantos outros. Foi a partir dessa altura que se começou a ouvir falar de “católicos progressistas”.

Mas falemos agora de coisas mais alegres. Ou seja, daqueles que nasceram em 1972 – para além de ti, claro. É uma boa colheita…Sou mais ou menos amiga de todos eles (quer dizer, mais de uns do que outros) e espero que os outros não se ofendam se eu destacar um dos meus ”meninos”, ou seja, o Henrique Feist…

Ah, e já agora uma pequena contribuição para essa lista: a ministra Ana Mendes Godinho, de quem eu também gosto muito, também é de 1972.

E agora vou voltar ao trabalho, que a minha vida não é isto!

Beijos da avó, quase, octogenária.

Aproveita os 50!