Paddy Cosgrave ameaça tirar Web Summit de Lisboa

A promessa de obras de alargamento não foram cumpridas e Paddy Cosgrave prepara-se para rumar ao Brasil, com outros destinos em manga. Marcelo tenta apaziguar a tensão e promete ‘estar atento’ à construção de novas infraestruturas para manter o evento por mais seis anos. CML recusa desconsideração de Lisboa.

Aumentam as dúvidas sobre a continuidade da Web Summit em Portugal face à realização do evento noutras cidades – São Paulo e Singapura, por exemplo –, uma vez que Lisboa não acautelou a exclusividade da organização e os promotores, com Paddy Cosgrave à cabeça, apontarem agora falhas na segurança da capital portuguesa. Em causa está o espaço onde a cimeira tecnológica se realiza. O alargamento da FIL, tal como estava previsto inicialmente, ainda não se concretizou e este ano Paddy Cosgrave lamentou-se de que o evento estava «esticado até ao limite» – 204.386 metros quadrados , o equivalente a 1.046 campos de ténis – tendo sido preciso construir muitas estruturas provisórias para acolher os visitantes e startups. O alargamento da FIL foi uma das contrapartidas assumidas pelo então presidente da cãmara de Lisboa e hoje ministro das Finanças, Fernando Medina, junto do irlandês para que o evento pudesse acolher um maior número de participantes. O contrato assinado entre o Estado, a CML e a Connected Intelligence Limited (CIL), empresa que organiza a Web Summit, previa que a área da FIL mais do que duplicasse para um mínimo 90 mil metros quadrados de espaços de exposição permanente.

Em outubro de 2008, a Web Summit e o Governo português fecharam um acordo de permanência da cimeira na capital portuguesa por dez anos, com um investimento para Portugal de 11 milhões de euros por ano (110 milhões de euros no total).

No entanto, o alargamento continua por fazer e Paddy Cosgrave, este ano, deixou o recado bem expresso: «Se não tivéssemos feito um evento limitado não tenho a certeza se a Web Summit teria chegado aqui».

 

CML não admite perda de interesse por Lisboa

E o certo é que, apesar de já várias vezes o fundador da cimeira tecnológica ter vindo a público dizer que Portugal é a «Califórnia da Europa», o evento ‘exclusivo’ prepara-se para apostar em noutras cidades de outros quadrantes. Já para o ano (2023), será a vez do Brasil receber esta cimeira tecnológica. «A tecnologia sul-americana está em chamas, e o Brasil é provavelmente o país para startups mais quente do momento. É por isso que temos o prazer de anunciar que vamos realizar a nossa primeira Web Summit fora da Europa no Rio de Janeiro, Brasil, de 1 a 4 de maio de 2023», já veio esclarecer a organização.

E o fundador prepara-se para fazer as malas para outros voos, com Dubai e Singapura no horizonte.

Aliás, no final de 2020 já Cosgrave tinha prometido levar a cimeira tecnológica para África e Médio Oriente em 2023.

Para já, a Câmara de Lisboa, liderada por Carlos Moedas, nem quer ouvir falar na possibilidade de a Web Summit abandonar ou reduzir o seu empenho na capital portuguesa.

«Não pode fazê-lo. Lisboa investiu muito na Web Summit e não há motivo para desvalorizar a importância desse contributo da capital portuguesa para a própria cimeira e para a sua organização», disse ao Nascer do SOL fonte da edilidade, garantindo que não há fundamento para os organizadores poderem pensar de outra maneira, nem nunca tal lhes foi transmitido, pelo menos até agora.

 

Marcelo tenta apaziguar

O Presidente da República que tem sido uma das ‘estrelas’ sempre presente nas cimeiras, no último dia da edição deste ano não poupou elogios ao fundador. «Paddy, és o maior. És mesmo», disse na sessão de encerramento.

E despediu-se de todos os participantes com «Obrigado por terem vindo. Até para o ano», mostrando-se ainda convicto que a feira de tecnologia vai continuar em Portugal após 2028.

E aproveitou o momento para deixar alguns desafios para a edição do próximo ano. «No próximo ano espero que comecemos uma nova fase da Web Summit. Acredito que no próximo ano vamos começar novas infraestruturas para o futuro da Web Summit, até 2028 e para lá de 2028», disse o Presidente da República, garantindo que irá estar atento à construção de novas infraestruturas no Parque das Nações, em Lisboa, para manter o certame tecnológico por mais do que seis anos.

Também Grosgave tem-se multiplicado em apresentar vantagens para Portugal, desde que a cimeira arrancou no nosso país, em 2016. «Quando chegámos aqui no primeiro ano, quase todos os jornalistas internacionais que contactámos, todos os oradores perguntavam-nos: ‘Porquê Portugal? Porque é que a Web Summit vai a Portugal?’ Seis anos depois, não poderia ser mais diferente», afirmou o CEO, acrescentando que «Portugal passou de um país desconhecido para a tecnologia, Lisboa de uma desconhecida capital de tecnologia para completamente o oposto. [Portugal] é efetivamente o mais falado. Lisboa é certamente o tipo de cidade mais comentada do mundo para pessoas que abrem empresas, pessoas em criptomoedas e o volume de pessoas que se mudaram para cá tem sido incrível».

 

O que ganha Portugal?

Ao certo, não há valores que quantifiquem quanto Portugal tem ganho por ser o palco da Web Summit. O que se sabe é que, a cimeira tecnológica tem trazido benefícios evidentes à economia portuguesa e ao setor do turismo, restauração e alojamento (ver página 57).

Também a SIBS revelou que, os participantes realizaram 31.350 compras eletrónicas no recinto no primeiro dia do evento, na quarta-feira, um valor 44% superior a 2021, onde ainda havia restrições por causa da pandemia de covid-19.

«O valor médio por compra foi de 12,9 euros», indicou a empresa, revelando que «os portugueses representaram 18% das operações, e as restantes nacionalidades 82%».

De acordo com a empresa, «estiveram presentes no recinto 116 nacionalidades diferentes. De entre os mais representados destaca-se Reino Unido (11,1%), Alemanha (8,3%), Brasil (5,4%), E.U.A. (4,9%) e Ucrânia (4,3%)”, acrescentando que se mantêm “os países mais representados em 2021, com exceção da Polónia que foi substituída este ano pelos EUA».

 

Outras polémicas

A edição deste ano ficou ainda marcada pela polémica em torno dos benefícios fiscais para nómadas digitais. A secretária de Estado do Turismo revelou que, no curto prazo, este visto poderá trazer mais benefícios para quem escolher instalar-se fora dos grandes centros urbanos.

Este destina-se a cidadãos de fora da União Europeia que ganhem mais de 2.800 euros. «O objetivo é atrair pessoas jovens e não tão jovens. Acreditamos que temos uma elevada qualidade de vida. E temos um problema demográfico. A Europa tem um problema demográfico e Portugal não é exceção. Os nómadas digitais podem dar um boost à economia», disse a governante.

Uma declaração que vai ao encontro do que já tinha sido dito por António Costa na cimeira de tecnologia, em que deixou a garantia de que o Governo vai continuar a trabalhar para atrair mais jovens ligados às tecnologias, designadamente, e dentro do possível, através do reforço do regime especial fiscal e de permanência concedido pelo Estado português aos chamados nómadas digitais, lembrando que Portugal tem tudo a ganhar em continuar a ser um «país atrativo e não fechado ao mundo».

Para o primeiro-ministro, a escolha é simples: ou o país se fecha, com todas as consequências daí decorrentes, «matando a nossa história, a nossa cultura e a nossa vocação de bem-receber», ou opta por avançar, como tem sucedido nos últimos anos com a governação do PS, e continuar a ser um país «cada vez mais inovador e aberto ao mundo”, onde todos se sentem bem-vindos e onde “cada um pode desenvolver os seus projetos de vida», reafirmando António Costa que o regime destinado à atração de investimento e de jovens quadros internacionais em vigor constitui uma «mais-valia que o país tem de manter».