1. As últimas semanas foram claramente dominadas pelas eleições presidenciais no Brasil, dadas as longas horas dos noticiários qualquer que fosse o canal televisivo, como se este fosse o principal, quase único, tema de interesse na atualidade política nacional, quase esquecendo que deste lado do Atlântico se discutiu um absolutamente relevante OE para 2023. Para quem esteve tão absorvido com as eleições no Brasil, refiro que, para o caso de não terem reparado, este OE foi, como era esperado, aprovado pela maioria absoluta do PS e abstenções do PAN e Livre e votos contra de toda a restante oposição.
Já muitas análises se fizeram deste OE 23, mas não será demais referir a enorme crispação e agressividade de Costa durante as discussões, quiçá atormentado pela queda nas sondagens, apoucando alguns dos seus adversários, nomeadamente da IL, PSD e Bloco. Paralelamente, Passos Coelho deve ter sido de facto um Primeiro-ministro tão marcante para todos, dado ter sido sistematicamente relembrado pelo PS durante o debate, qual ‘lobo mau’ apenas porque foi obrigado a aplicar as políticas de austeridade que voluntariamente o próprio PS assinou com a troika depois do desastre da bancarrota de Sócrates em abril de 2011. Porque será que os amedronta?
Agora ir-se-á para a discussão na especialidade e até à aprovação final, muito se irá discutir, muitas manifestações nas ruas e greves em diversos setores irão acontecer, todos tentando obter umas migalhas adicionais do ministro das Finanças que privilegia um OE de «contas certas», com folgas para imprevistos, mas quiçá sem margem para cedências significativas, dada a mais que certa subida das taxas de juro e da inflação, que teima em bater recordes de 30 anos.
Nos entretantos, bem ao lema de ‘casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão’, diversos políticos já começaram a ladainha dos riscos perniciosos do aumento das taxas de juro pelo BCE, desde já onerado com a responsabilidade destas políticas na mais que provável estagflação da economia.
Curiosamente, ninguém, durante anos, se queixou do BCE manter as taxas artificialmente baixas, claramente contribuindo para recuperações económicas dos seus estados-membros, muitos deles altamente endividados face ao PIB, como é o caso de Portugal que novamente desaproveitou essa oportunidade para se precaver contra um futuro em que se sabia que as taxas regressariam a valores normais (só não se sabia o quando).
Tirando Centeno que já veio defender o óbvio quando diz que manter esta inflação tem efeitos recessivos bem maiores, é impressionante como não ouvimos nenhum dos políticos portugueses explicar o que o BCE deveria fazer para cumprir com os seus propósitos de manter a inflação entre 0 e 2%. Sinceramente, alguém conhece outra mezinha para combater a inflação que já ultrapassa os 10%?
2. Ainda sobre as eleições no Brasil que primordialmente dizem respeito aos brasileiros, mas também a toda a América Latina e, porque não, aos restantes continentes, dado ser incontestavelmente um dos países emergentes, desconheço as razões subjacentes à existência de uma primeira e segunda voltas separadas por uns quase inacreditáveis 30 dias. O que sei é que todo o país ficou bloqueado durante este intervalo inexplicável na expectativa de saber quem seria o Presidente – Bolsonaro ou Lula – o que largamente contribuiu para incrementar o irrespirável ambiente de ódio.
Ganhou Lula por escassa diferença e fez o discurso de vitória apelando à união de todos os brasileiros. Bolsonaro teve a lucidez de apenas falar após 48h depois das eleições e, do seu discurso ilusoriamente calmo, creio poder inferir-se que, indubitavelmente, quer voltar a ser Presidente, cavalgando os 58,2 milhões de votos obtidos, muito acima do que todas as sucessivas sondagens lhe atribuíam, e, sobretudo, a obtenção da maioria dos deputados no Congresso. Lula terá certamente a consciência de que governar nestas circunstâncias não irá ser nada fácil e terá de o fazer com inteligência, sabedoria e, fundamentalmente, diálogo permanente.
Foram dois contendores que dividiram e incendiaram o país, que se alimentaram mutuamente, quase duas faces da mesma moeda, cerceando a qualquer outro, Ciro ou Simone, a veleidade de poder ser eleito. No entanto, creio ter aqui terminado um ciclo de cerca de duas décadas dentro da Sexta República, profundamente dominado pelos atuais políticos, até porque uma certeza eu tenho: o Brasil precisa, a muito curto prazo, de gente nova na política, com carisma e sem passado, para, daqui por 4 anos, regressar à estabilidade democrática que os brasileiros tanto anseiam e merecem.
3. Considero impossível deixar passar esta péssima imagem de alguns autarcas perante os seus eleitores portugueses quando somos confrontados com notícias em que diversos são considerados suspeitos de práticas ilícitas. Sendo indiscutível a presunção de inocência até se provarem, em sede dos tribunais, as acusações que lhes são dirigidas, considero uma tremenda falta de respeito o silêncio sepulcral a que alguns se submeteram.
Por razões de princípio, entendo que todos os envolvidos deveriam ter respeito suficiente por quem os elegeu e lhes paga os vencimentos, no mínimo dando explicações que nos façam compreender os enquadramentos e circunstâncias das decisões tomadas. Todos sabemos que ninguém acerta sempre, mas parece indiscutível que o silêncio a que se optaram por remeter gera um ruído ensurdecedor que apenas aumenta as suspeitas, arrastando desnecessariamente todos os que entendem que os portugueses não merecem o respeito da necessária explicação. Ninguém tem vergonha?