A taxa de inflação não dá tréguas – ainda esta semana, a OCDE revelou que a inflação atingiu em setembro os 10,5%, duas décimas acima do valor registado em agosto – e o BCE responde com a subida dos juros. E Christine Lagarde mostra-se intransigente: os aumentos irão continuar para atingirem o objetivo de médio prazo de uma inflação de 2%. Dois fatores que penalizam quem tem crédito à habitação.
A pensar nisso, o Governo aprovou um decreto-lei que define os limites a partir dos quais os bancos devem permitir aos clientes a renegociação dos créditos à habitação.
Essa renegociação pode ser feita quando a taxa de esforço atingir os 36% ou quando se verifique um agravamento de cinco pontos percentuais. A ideia é regular o processo de negociação entre bancos e clientes nos créditos de habitação própria e permanente, para mitigar o impacto da subida das taxas de juro no rendimento líquido as famílias. No entanto, no caso da taxa de esforço chegar aos 50%, ou seja quando metade do rendimento familiar for para o pagamento da prestação, a renegociação passa a ser obrigatória.
«No caso de haver dificuldades que possam pôr em causa o cumprimento do crédito, haverá necessariamente um processo negocial e uma proposta negocial. Várias soluções são possíveis. Podemos estar perante situações que poderão ser o alargamento do prazo do crédito, podemos estar perante consolidações de créditos, podemos estar perante um novo crédito, podemos estar perante a redução da taxa de juro durante um determinado período de tempo. Haverá um condição clara: não poderá haver aumento da taxa de juro», esclareceu o secretário de Estado do Tesouro.
João Nuno Mendes disse ainda que os 36% marcam aquilo que é o entendimento do Governo «sobre o que é o patamar de esforço que nos deve merecer uma particular atenção à banca e ao cliente», observando que o diploma não coloca apenas a iniciativa do lado da banca, podendo o cliente decidir falar com o seu banco caso verifique que a sua situação financeira se está a degradar. E lembrou que, apesar de as taxas de juro não estarem em níveis ainda considerados elevados, têm aumentado com muita rapidez.
Entre as soluções que podem ser usadas na renegociação estão o alargamento do prazo do crédito, a consolidação de créditos, a realização de um novo crédito ou a redução da taxa e juro durante um determinado período, segundo precisou João Nuno Mendes, detalhando que «haverá uma condição clara que é: não pode haver aumento da taxa de juro».
Ao abrigo deste diploma, os bancos terão de estar atentos à taxa de esforço dos clientes que tenham contratos de crédito para habitação própria permanente com valor em dívida até 300 mil euros. «Sempre que detetem um agravamento significativo da taxa de esforço ou uma taxa de esforço significativa são obrigadas a avaliar o seu impacto na capacidade financeira do cliente e de eventual risco de incumprimento, devendo apresentar soluções negociais aos clientes», diz o Executivo.
A suspensão da comissão por amortização antecipada do empréstimo está igualmente prevista neste diploma, com a medida a visar apenas os créditos destinados a habitação própria e permanente e a taxa variável. «A partir da data de entrada em vigor do diploma não haverá o pagamento da penalização de amortização antecipada dos créditos», disse, acentuando que esta medida, que vigora até ao final de 2023, pretende remover aquilo que poderia ser um obstáculo por parte dos clientes do banco.
Medidas podiam ir mais longe
Para Nuno Mello, analista da XTB, numa altura como a atual, medidas que permitam aliviar a pressão sobre os orçamentos familiares são sempre bem vindas. No entanto, ao Nascer do SOL, diz que o Governo poderia ter ido um pouco mais longe e adotar, à semelhança do que aconteceu durante a pandemia, um sistema de moratórias bancárias.
Ou em alternativa, «congelar o pagamento das prestações da casa, nos contratos indexados à Euribor com taxa variável, durante o período de tempo em que as taxas diretoras do BCE se mantivessem altas, de modo a atenuar o impacto da subida dos juros e da inflação nos orçamentos familiares e minimizar o incumprimento».
Evita situações de incumprimentos? De acordo com o analista, tudo irá depender do sentido de responsabilidade da banca portuguesa na renegociação dos créditos à habitação, já que só é obrigada a apresentar uma proposta de renegociação, baseada num cenário de agravamento das taxas de juro de 3%, nos casos em que a taxa de esforço for superior a 50%. «O mercado de swaps tem atualmente uma probabilidade de quase 51% de uma subida de 75 pontos base na reunião de dezembro do BCE, e prevê que a taxa atinja mesmo os 3% em 2023», salienta.
Já em relação ao limite de dívida de 300 mil euros, Nuno Mello lembra que, os portugueses gastam, em média, 186 mil euros para comprar casa, segundo o Barómetro do Crédito Habitação 2022, um valor ainda assim bastante superior aos 149 mil euros registados em 2020. Isto revela que o «limite de 300 mil euros parece-me apropriado, até porque quem tem empréstimos de montantes superior a este, à partida, terá melhores condições financeiras para acomodar a subida dos juros».
Recorde-se que a taxa de juro média dos novos empréstimos à habitação atingiu 2,23% em setembro, aquele que é o valor mais alto desde outubro de 2015, divulgou o Banco de Portugal (BdP). E, em setembro, a maioria (87%) do montante dos novos empréstimos à habitação utilizou como indexantes a Euribor a 6 ou a 12 meses.
Nesse mês, os bancos concederam 2 006 milhões de euros de novos empréstimos aos particulares, mais 136 milhões de euros do que em agosto: 1 338 milhões de crédito à habitação, 467 milhões de crédito ao consumo e 201 milhões de crédito para outros fins.
Os valores registados em agosto tinham sido, respetivamente, 1 217, 482 e 171 milhões de euros. Ou seja, quer isto dizer que os bancos concederam mais empréstimos em setembro face a agosto.