GUAYAQUIL – Por aqui diziam que era «Un tío listo!». Ou um gajo porreiro, se quiserem. Juan Alfredo Wright, quero dizer. Tinha esse apelido nem por isso muito pomposamente inglês – no Equador, ao contrário de alguns outros países da América do Sul, não gostam muito de gente pomposa – mas era natural de Guayaquil. Ele e o seu irmão Roberto, já agora, andavam geralmente sempre juntos, embora Juan fosse, de longe, o mais empreendedor. Este é um lugar meio escondido.
Entalado entre o Peru e a Colômbia (antes da independência fez parte do sonho de Símon Bolívar de uma nova América, livre dos espanhóis, que se chamou Grande Colômbia), sofre de um certo abandono. Não admira, por isso, que, fechado para Oeste dos Andes, debruçado sobre o Pacífico, reduzido a apenas 257.217 km2 e a cerca de 18 milhões de habitantes, se ignorasse por cá, no final do século XIX, o que era o futebol, esse desporto que os ingleses espalharam pelo mundo e já apaixonara, sobretudo, argentinos e uruguaios.
Os irmãos Wright, que tiveram, por razões óbvias, o direito de estudar em Inglaterra, viveram durante alguns anos no Peru, onde a família explorava minas de sal. Mas, como bons filhos, regressaram a casa, a Guayaquil, e trouxeram com eles uma bola. Enfim, a bola é uma metáfora. Trouxeram a curiosidade do jogo que, a pouco e pouco, se espalhou de tal modo pela cidade que acabaram, inevitavelmente, por fundar um clube.
Os ingleses são ótimos a fundarem clubes, sejam esses clubes do que forem. De críquete por exemplo. Em Lima, os manos Wright, tinham fundado o Unión Cricket. Mas do que Juan e Roberto gostavam mesmo era de futebol. No fundo, que se lixasse o críquete, que, aqui para nós, até é bastante entediante. Enfim… Prossiga a história.
No dia 23 de abril de 1899 nascia o Club Sport Guayaquil. Nome escorreito para aquele que não foi apenas o primeiro clube de futebol do Equador mas sim a primeira entidade desportiva criada no país. Juan Alfredo não tinha vistas curtas. Os seus horizontes não terminavam nas balizas. Queria que os rapazes da sua cidade gostassem e praticassem desporto. Se prefeririam o futebol, por ele estava bem. Batia tudo certo.
Deixando a solidão
O Club Sport Guayaquil ainda existe mas chama-se, agora, Búhos ULVR Fútbol Club. Não deixa, no entanto, de exibir, orgulhosamente, a faixa: «Decano del Fútbol Ecuatoriano». Ora bem, Juan podia ter cumprido um sonho mas estava a braços com um problema: não tinha adversários, o que é sempre uma maçada para que tem espírito competitivo. Os jogadores do Club Sport Guyaqui iam jogando uns contra os outros, por puro divertimento, inventando campos numa zona da cidade que se chama Modelo e que viu, mais tarde, erguer o Estádio Modelo, hoje em dia Estádio Modelo Alberto Spencer e homenagem ao que foi o melhor jogador equatoriano de sempre. Mas a ideia dos Wright medrou, finalmente.
Outros clubes apareceram como cogumelos pelos bairros de Guyaquil: Club Sport Equador, Club 24 Mayo, Club Sport Santiago, Club Abdón Calderón. E da sociedade aristocrática porteña, à qual os Wright pertenciam, naturalmente, espalhou-se por las calles.
No dia 17 de setembro de 1908, Juan Alfredo estava feliz. O comité que se encarregara de organizar as festas de aniversário da Independência do Chile (18 de Setembro de 1810) decidiu que se disputaria uma taça entre todos os clubes guayauileños. Durante todo o dia, a Plaza Abdón Calderón encheu-se para que uma populaça excitada não perdesse pitada das eliminatórias que conduziram à final entre o Libertador Bolíver e o Club Sport Guayaquil, ganha por este último por 2-0. O tempo passou.
A festa foi caótica, os jogadores levados em ombros, cerveja escorrendo aos almudes por todos os comedores da cidade. Dez dias mais tarde, Juan impava de orgulho: o Sport Club conquistava a primeira Copa Municipal, derrotando o Sport Equador por 2-0 no campo do Jockey Club. Ao Equador dizemos até já: encontraremos a sua seleção em Doha, no próximo dia 20, na abertura do Mundial de 2022 frente ao Qatar. E que ninguém diga que Juan Alfredo nada tem que ver com isso!