Há muitos anos que o som do comboio e a azáfama das estações ferroviárias deixou de ser ouvida em muitas zonas do país. Muitas ganharam nova vida ao longo dos anos, outras procuram novos donos, umas continuam ao abandono e há até aquelas que não estão desativadas mas que recebem mais valias.
De norte a sul do país, antigas estações deram lugar a restaurantes, hotéis, bares, juntas de freguesia, museus ou outras atividades culturais. E as pistas, muitas deram lugares a ecopistas. Tudo isto em centenas de quilómetros de caminhos de ferro.
No que diz respeito à hotelaria, os casos são muitos. O mais recente acontece em Viana do Castelo, onde a estação de comboios da cidade, construída no século XIX, vai dar origem a um hotel por um investidor local. No entanto, o autarca local garantiu que os serviços que já existem no local vão continuar a funcionar e a Infraestruturas de Portugal (IP) garante também que “o serviço de transporte ferroviário não vai sofrer alterações e a área destinada aos passageiros vai ser beneficiada”.
Entre as estações que ainda estão ativas e as que não estão, os negócios criados são muitos.
Um dos exemplos mais diferenciados vai para a estação de Montemor-o-Novo que deu origem a uma fábrica de transformação de cacau. Desativada há mais de 30 anos, já tinha sido uma discoteca antes. Foi em 2018 que esta estação foi ‘adoçada’ por novos ‘passageiros’. A iniciativa foi do chefe chocolateiro António Melgão e do seu irmão Serafim. Esta antiga estação está situada muito próximo do centro da cidade e foi inaugurada em setembro de 1909, tendo sido desativada quase 80 anos depois, em 1988.
Em Vila Real – cidade muito conhecida também pela gastronomia – nasceu o Cais da Villa, localizado num antigo armazém de mercadorias da estação ferroviária de Vila Real, um edifício histórico com mais de 100 anos. A estação fechou, mas o velho armazém de mercadorias foi readaptado, devido a um projeto marcado pela criatividade e inovação.
Pertinho, na estação da Régua, nasceu também o Castas & Pratos, um restaurante, wine bar, lounge, gourmet e whine shop. O armazém deixou de ser utilizado e em 2008 parte dele abriria como restaurante.
A sul, em Olhão, o destaque vai para o restaurante Petiscais, no cais coberto da Estacão Ferroviária, um edifício centenário totalmente restaurado e cheio de história. Aqui, a linha férrea chegou em 1904 mas, depois de ficar ao abandono, em 2017 viu o velho armazém de mercadorias ser restaurado e transformado em restaurante.
A norte de novo, mas fora da restauração, temos, do outro lado da linha ferroviária do Douro, noutro velho armazém recuperado, o Centro Interpretativo do Vale do Tua. É um espaço que através de uma exposição interativa e sensorial procura preservar as memórias do Vale do Tua antes da construção da barragem, que eliminou parte da antiga linha de comboio.
Seguimos viagem para a estação de Vilar Formoso, onde existe o Memorial aos Refugiados e ao cônsul Aristides de Sousa Mendes. O museu está alojado ao lado da estação ferroviária de Vilar Formoso, ocupando dois pavilhões.
Mas há mais. Desativada há décadas, a pequena estação ferroviária de Vale do Pereiro, no Alentejo, ganhou nova vida graças a um projeto agrícola de produção biológica de figos-da-índia. Inaugurada em novembro de 2018, a Pepe Aromas é um projeto agrícola 100% biológico e comprometido com o meio ambiente sediado junto à estação ferroviária de Vale do Pereiro, na Herdade da Azinheira, concelho de Arraiolos, no troço desativado da Linha de Évora.
As atividades e negócios ao longo da ferrovia nacional continuam. Entre Beirã e Marvão destaque para o RailBike no Ramal de Cáceres. São passeios turísticos em veículos tipo railbike no Ramal de Cáceres, entre Marvão-Beirã e Castelo de Vide. Um percurso com 15 quilómetros (ida e volta), que dura duas horas e outro, com um total de cerca de 32 quilómetros e com uma duração entre cinco a seis horas. Uma viagem no corredor ferroviário a baixa velocidade.
Nesta região é ainda a Pensão Destino está instalada na antiga estação ferroviária de Castelo de Vide.
Mais abaixo, em Cabeço de Vide, está ainda a Estalagem Rainha D. Leonor que é um pequeno hotel com apenas cinco quartos instalado na antiga estação daquela localidade.
Em Viseu, os exemplos são diversos. Em 2017, a antiga estação ferroviária de Bodiosa, em Viseu, tornou-se sede da Junta de Freguesia de Bodiosa. Há espaço ainda para um parque infantil. A antiga estação ferroviária estava integrada no ramal de Viseu à linha do Vouga, desativada no inicio da década de 90.
E na estação de Figueiró, em Viseu, o edifício principal é sede da junta de freguesia, o armazém tem um café com esplanada, o cais foi transformado num canteiro relvado, e há máquinas de ginásio ao ar livre.
Voltando a sul, o destaque vai para o Museu Interativo do Megalitismo que foi inaugurado a 15 de setembro de 2016 e que reabilita a antiga Estação Ferroviária de Mora, integrando ainda dois novos edifícios destinados ao núcleo museológico e à área de cafetaria.
Em Lisboa, apesar de não existir estações desativadas, Santa Apolónia e Rossio, por exemplo, vão ganhando outra vida. A título de exemplo, está a unidade hoteleira do Grupo Sonae na Estação de Santa Apolónia. Com um investimento de 12 milhões de euros, o The Editory Riverside Santa Apolónia Hotel, de cinco estrelas, conta com um total de 126 quartos.
Ainda na capital, por cima da estação de ferroviária do Cais do Sodré fica o Sunset Destination Hostel, que conta com um terraço panorâmico com piscina, quartos duplos e dormitórios com vistas para o rio. O mesmo acontece no Rossio, onde está situado o Lisbon Destination Hostel.
Projetos em curso
Ao i, a Infraestruturas de Portugal Património – empresa da Infraestruturas de Portugal – fez ainda saber que existem vários projetos em curso para que a ferrovia nacional ganhe ainda mais vida. A título de exemplo, destaque para a recuperação das estações de Arraiolos e Graça do Divor para futura instalação de duas unidades de alojamento/restauração, a promover pelo Convento do Espinheiro, na Ecopista do Ramal de Mora.
Mas não é só. Na estação de Évora Monte, será constituída uma unidade de alojamento rural.
Existe ainda um protocolo estabelecido com o Turismo de Portugal que tem por objeto a recuperação de 26 estações em linhas desativadas para a atividade turística.
Em Santa Apolónia, em Lisboa, está em fase final de concurso a residência universitária.
Os projetos estendem-se à recuperação das estações do Côa e Almendra em pequenas unidades turísticas.
Diz ainda a Infraestruturas de Portugal que estão estabelecidas outras parcerias com o objetivo de acomodação de serviços/entidades públicas.
A título de exemplo, está a AMT, hoje instalada no Palácio de Coimbra, antiga sede da REFER em Lisboa mas junta-se também o IMT, que está instalado na antiga sede da Direção Regional de Estradas da Guarda.
Além disso, vários serviços de autarquias estão instalados em edifícios ferroviários, como é o caso das estações de Santo Tirso, Vila das Aves, Ermesinde, Lousado, S. Romão do Coronado, entre outros.
Em curso, acrescenta, está o desenvolvimento de outras parcerias, por exemplo com a GNR e a ANPC.
Ao i, a IPP explica que a requalificação e revitalização das estações “contribui para a geração de fluxos em torno dos seus diversos espaços, incrementando a procura e maximizando a fruição e a rentabilidade dessas áreas”, das quais destaca as novas utilizações e/ou atividades que permitiu, entre outros, o incremento de instalação de equipamentos automáticos como é o caso de vending machines, ATMs, cacifos de bagagem eletrónica, cacifos postais e-commerce.
Além disso, há espaço ainda para a dinamização das ocupações de curta duração, com instalação de quiosques, stands, ações de sampling e ativações de marca. “Estas ações temporárias aproveitam o fluxo de passageiros das estações, rentabilizando espaços que não estavam originalmente destinados a serem comercializados”, diz a IPP.
E defende que “a valorização de espaços que se encontravam sem utilização contribui não só para o aumento dos rendimentos diretos, mas também para a dinamização das estações e/ou locais onde os mesmos estão inseridos. Ter um espaço subconcessionado aberto ao público traduz-se numa contrapartida financeira direta para a IPP e numa redução de gastos com prestação de serviços de limpeza, de segurança, e contribuindo igualmente para o sentimento de segurança dos utentes”.
Para a entidade, não há dúvidas que as intervenções promovidas pelos promotores privados ou outras instituições públicas na recuperação do património “passaram a ser valorizadas na avaliação dos preços de mercado” e que “esta estratégia tem vindo a permitir a reabilitação de um conjunto alargado de edifícios que necessitavam, em alguns casos, de intervenções urgentes para garantir a sua preservação e dotá-los, em outros casos, de condições de conforto e habitabilidade até então inexistentes”.
Feitas as contas, nos últimos quatro anos, o volume de investimento aplicado nesse edificado recuperado por terceiros já ultrapassa os 40 milhões de euros.