João Cotrim de Figueiredo, em finais de setembro, surpreendeu o primeiro-ministro quando o questionou na Assembleia da República sobre a existência de três esquadras chinesas em território nacional, apoiando-se num relatório da ONG Safeguard Defenders – que fala em 54 esquadras espalhadas um pouco por todo o mundo, que terão como função ‘devolver’ à China cidadãos que supostamente têm problemas com o regime ou que se distinguem por atacar a nação de Xi Jinping.
António Costa, no seu jeito habitual, aconselhou o líder da Iniciativa Liberal a apresentar queixa na Procuradoria Geral da República (PGR), dizendo que não tinha conhecimento de tal informação. Não foi preciso muito tempo para a PGR admitir à Rádio Renascença que o inquérito existe e está a cargo do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).
SSI entra em ação
Curiosamente, de um tema que o primeiro-ministro não tinha conhecimento, há um inquérito do DCIAP a correr e, apurou o Nascer do SOL, Paulo Vizeu Pinheiro, secretário-geral do Sistema de Segurança Interna (SSI), mandou recolher todos os testemunhos prestados por cidadãos chineses que as forças de segurança recolheram. Assim, a PSP, a PJ, o SEF e a GNR estão a ir aos seus arquivos para recuperar as queixas apresentadas por cidadãos chineses que vivem em Portugal. «A verdade é que havia relatos de queixas, mas ninguém deu grande importância, pois pensava-se que era coisa de filmes – existirem ‘esquadras’ em Portugal, onde elementos afetos ao poder chinês questionavam e ‘prendiam’ concidadãos, enviando-os para a China, sob a ameaça de que se não aceitassem o ‘castigo’, a sua família sofreria retaliações».
As luzes acenderam-se quando João Cotrim de Figueiredo, na Assembleia da República, foi taxativo, baseando-se no relatório da Safeguard Defenders. «Há indícios de que se articulam com o departamento Frente Unida do Partido Comunista Chinês. Temos alegações gravíssimas do ponto de vista dos direitos humanos, da soberania nacional e da segurança nacional».
O fogo posto a um prédio
«Já tínhamos ouvido falar de histórias confusas, nomeadamente daquele chinês que pôs fogo a um prédio que tinha comprado, mas onde havia ainda uma inquilina idosa, além dos filhos. Como já tinha vendido o imóvel e precisava de o entregar devoluto, decidiu mandar atear o andar habitado, e na segunda tentativa, acabou por fazer uma vítima mortal. Parece que esse indivíduo tinha dívidas na China e seria um dos homens que se queixava de estar a ser perseguido por compatriotas», diz ao Nascer do SOL fonte policial. Curiosamente, já na cadeia, segundo o Ministério Público, o indivíduo conseguiu vender o prédio pelo dobro do preço pelo qual o tinha comprado. Adquiriu-o por 645 mil e vendeu-o por 1,2 milhões de euros, segundo a Lusa.
Mas voltemos às três hipotéticas esquadras chinesas em Portugal. Uma estará em Lisboa, outra em Vila do Conde e a última na ilha da Madeira. As televisões e os jornais fizeram reportagens e receberam como resposta dos chineses que se aí se encontravam que é tudo mentira, já que nada de ilegal aí se passa. «As supostas esquadras estão inseridas em zonas com forte implementação da comunidade chinesa e, por isso, as forças de segurança estão a recolher mais informações para passarem ao SSI», acrescenta a mesma fonte.
«Nós dávamos conta, muitas vezes, de identidades falsas, de pessoas que morriam, mas, afinal, tinham mudado de corpo. Isso era comum, agora histórias de cidadãos enviados à força para a China não acreditávamos, até agora», diz ao Nascer do SOL um oficial da PSP do Norte.
O caso das supostas 54 esquadras espalhadas pelo mundo mereceu uma posição oficial da Comissão Europeia, que aconselhou os diversos Estados a investigarem a existência das alegadas esquadras. Já a China negou tudo, e o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Wang Wenbin, esclareceu que o que existe são, «na verdade, centros de serviços para chineses no estrangeiro». Segundo Wang, os centros apoiam «um elevado número de cidadãos chineses que não conseguem regressar à China devido à pandemia de covid-19», além de tratarem da renovação das cartas de condução chinesas. O porta-voz salientou ainda que as «autoridades chinesas estão totalmente comprometidas com o combate aos crimes transnacionais e de acordo com a lei, observando de forma rigorosa a lei internacional e respeitando plenamente a soberania judicial de ouutros países».
Posição diferente tem, como é evidente, a organização não governamental Safeguard Defenders. Segundo os autores do relatório que deu muito que falar nos Países Baixos, onde se diz existirem duas esquadras, a China conseguiu entre abril de 2021 e julho de 2022 ‘convidar/obrigar 230 mil ‘fugitivos’ a regressarem ao país. Alguma comunicação social deu conta de que uma lei que entrará em vigor a 1 de dezembro permite à China ir buscar a qualquer parte do mundo cidadãos acusados de fraude, além de difamação do regime. Certo é que a imprensa estrangeira tem dado notícias de muitos cidadãos chineses que vivem no exterior a serem ‘recambiados’ à força para a China, e ainda não chegámos a dezembro.
O exemplo dos GAL
Sem esquadras, mas com muitos operacionais, o ‘repatriamento à força’ é uma realidade em que muitos países vivem. Sejam os EUA, a Rússia, a China, Israel (o caso do responsável nazi Adolf Eichmann, raptado na Argentina pela Mossad em 1969 e julgado em Jerusalém, é um dos mais conhecidos), entre tantos outros. Por norma, sempre que algum fugitivo é localizado num país, os serviços secretos procuram encontrá-lo e mandá-lo de volta para o seu país. Como o fazem? De muitas maneiras. Há quem adormeça num país e só acorde noutro. Nos anos 80, por exemplo, os Grupos Antiterroristas de Libertação (GAL) criados pelo Governo espanhol de Felipe González, andavam à ‘caça’ de elementos da ETA e quando os encontravam ou os matavam ou os levavam para Espanha à força…