“Agora que estávamos a recuperar, estamos a sentir esta quebra brutal de vendas”

Presidente da União de Associações do Comércio e Serviços defende que o comércio é o primeiro a sentir o peso da inflação, mas tem boas perspetivas – ainda que com precaução – para o Natal. E diz que o Governo podia ter ido mais longe nos apoios.

A inflação continua a ser uma preocupação e mantém-se acima dos 10%. Vai refletir-se nos preços a cobrar aos clientes?

Se os nossos fornecedores, fabricantes, indústrias, estão a ter aumentos de custos na produção, também nos vão refletir no preço de custo dos produtos que nós comprámos e obviamente terá que haver alguma atualização dos preços. O nosso setor, o comércio de proximidade, tirando a parte alimentar, está a tentar até ao limite não proceder a aumentos dos produtos. Temos a perfeita noção que somos um setor que não é de bens de primeira necessidade, e somos os mais diretamente logo afetados. Neste momento há um aumento brutal da taxa de inflação. Por exemplo, em termos da alimentação, as famílias quando vão aos supermercados sentem um aumento brutal no custo dos bens alimentares. As prestações da casa ou outro tipo de empréstimos estão a começar a subir os juros e a mensalidade. Tudo está a subir. Em março, abril as famílias começaram a ficar preocupadas com a questão da guerra. Mas ainda não sentiam a inflação. Agora começam, no seu dia a dia, no final do mês, a fazer as contas e a ver o que sobra para outras compras adicionais. Notamos claramente a partir de meados de agosto que as pessoas estão a notar e principalmente no mês de outubro já se notou isso. As pessoas estão muito preocupadas com 2023, até porque o panorama não é muito positivo. O que se ouve nos meios de comunicação social deixa-nos um pouco preocupados até porque os próprios economistas dizem que não conseguem traçar um horizonte para 2023 e, portanto, por um lado, quem tem possibilidade de fazer poupanças está a travar o consumo. E há uma classe grande, principalmente a classe média, que é sempre a mais afetada nestas questões, que está a começar a sentir no seu rendimento mensal uma quebra bastante grande e isto sim, afeta diretamente o comércio. Como costumo dizer, temos que comer todos os dias, temos de pagar a renda de casa, temos de pagar a água, luz, o telefone, a escola dos miúdos… Quando tem que se comprar roupa, malas, acessórios, enfim, todo aquele tipo de coisas que não são de primeira necessidade…

Fica para segundo plano…

É isso. As pessoas automaticamente começam a cortar. Desde setembro, mas com grande enfoque em outubro, começámos a notar a quebra nas vendas. Algumas pessoas já começam a ter um pesado encargo com o seu rendimento mensal, outras – as que podem – estão a tentar fazer as suas poupanças porque não sabem o que virá em 2023.

Então pode dizer-se que a inflação tem afastado clientes.

Claro que sim. As pessoas fazem opções. Quando um empréstimo à habitação passa dos 500 euros para os 580 ou 600 euros, isso pesa, porque não é só um mês, é o ano todo. E sabemos que isto pode ir escalando pelo menos até março e depois pode até haver uma perspetiva de algum abrandamento mas pelo menos os três primeiros meses do ano não vão ser fáceis e isto tem diretamente impacto no comércio da cidade.

Estamos a chegar a uma altura muito importante para o comércio, que é o Natal. Pode trazer algum fôlego?

Esta altura do Natal é sempre uma altura fortíssima. Diria que há duas épocas extraordinárias para o nosso setor. Uma é a Páscoa, mas a grande época, aquela que muitas vezes permite que muitas das empresas se equilibrem, é seguramente o Natal. É uma altura fantástica para a cidade e, sem dúvida, para o comércio. Este ano estamos, por um lado, com essa expectativa, porque é um mês forte para o comércio, mas com alguma apreensão, porque ainda não percebemos bem o impacto que isso vai ter nalgumas pessoas. Até porque nesta altura, as próprias famílias, muitas vezes para dar aos filhos ou para si próprios, compram produtos mais caros. Portanto estamos, por um lado com uma enorme expectativa porque é um mês sempre muito forte para o comércio, por outro lado, com alguma apreensão, porque percebemos que este ano o Natal pode vir a ficar um pouco aquém das nossas expectativas.

E depois chegam os saldos.

Sim, mas ao longo do ano isto mudou um bocadinho. Há muitas campanhas. Faz-se agora o Black Friday em que já se baixam os preços. São grandes descontos no comércio. Mas ao longo do ano vão existindo várias campanhas. Daí que, como as várias lojas permitem fazer promoções, a época dos saldos já não é aquela época por excelência, mas continua a ser uma boa época a seguir ao Natal. As peças mais caras, quer roupa, quer eletrodomésticos, muitas vezes as pessoas aproveitam o pós Natal, porque os saldos começam logo a seguir. E sim, essa é uma época de alento para todo o tipo de comércio. Muitas vezes no Natal, em vez de receberem prendas, as famílias trocam dinheiro e há aqui um maior rendimento. É uma época também indiscutivelmente fortíssima para o comércio e com grande impacto também até no equilíbrio financeiro das empresas.

As medidas do Governo para apoiar as empresas neste combate à inflação foram suficientes?

Não, de todo. Temos que perceber que todo o país está a recuperar de um momento de pandemia fortíssimo, que foi impactante nas empresas e que muitas delas só sobreviveram porque o Governo fez apoios diretos a fundo perdido, fez o layoff… A própria Câmara Municipal de Lisboa, na altura, deu um grande apoio às empresas. Agora que estávamos a recuperar, estamos a sentir esta quebra brutal de vendas. Primeiro houve os confinamentos, depois as inúmeras limitações. Houve empresas que estiveram fechadas mais um ou dois meses do que foi solicitado.

O que deveria fazer o Governo?

No nosso entender, era ou apostar numa redução de alguns impostos, de forma a que as empresas possam recuperar e equilibrar-se financeiramente ou, se derem apoios, não é para recorrer a crédito porque hoje nenhuma empresa poderá. Se vierem de novo aqueles grandes financiamentos com linhas de crédito, só um número muito limitado de empresas poderá aceder a ele porque hoje a última coisa que as pessoas querem é recorrer ao crédito. Temos a consciência que as empresas financeiramente não estão bem, estamos num período instável e porque também não sabemos o evoluir da inflação e podemos estar a pensar num empréstimo com uma taxa e depois as mensalidades disparam. O maior empregador é o setor do comércio e serviços e, portanto, aquilo que o Governo terá que fazer seguramente é não só, no nosso entender, a baixa de impostos, ou então se criar um apoio, terá sempre que ser a fundo perdido. Estar a pensar que as empresas se vão endividar, não. As empresas, nesta fase, preferem encerrar a fazer uma coisa dessas.

As ajudas ficaram aquém?

Acho que ficou muito aquém a possibilidade de o Governo apoiar as empresas. Fala-se muito das micro e pequenas empresas mas tem que se perceber a realidade do que é uma micro e pequena empresa. Não falo das outras, falo do setor do comércio, são muitas empresas familiares, muitas empresas com três, quatro trabalhadores, estamos sujeitos a N situações muitas vezes a par da pandemia, a par da inflação – é as obras que são feitas na cidade e que limitam o acesso aos nossos estabelecimentos, não só da cidade, do metro, todo um conjunto de situações que são impactantes em termos da nossa área de atividade e acho que o Governo não está a tomar as medidas certas, até porque alguns dos apoios que foram dados na pandemia também ainda não chegaram às empresas. Tem havido alguns atrasos. Se querem ter empresas têm de continuar a apoiá-las. Mas é preciso também pensar de uma forma diferente e neste momento aquilo que as empresas não se sentem é, de todo, apoiadas.

E em relação às famílias, as medidas têm recebido algumas críticas. Seriam necessários mais apoios também para estimular o consumo?

Acho que sim. Percebo a medida dos 125 euros. Mas não é só uma vez que vai ajudar e também tem que haver um teto limite. Ou seja, quem ganha até um determinado limite são pessoas que aquilo que ganham é para consumir, é para comprarem coisas para a família. Uma pessoa que tem um vencimento de 2.700 euros mensais não está à espera dos 125 euros para a sua sustentabilidade. Logo aí acho que foi uma injustiça. Devia ter-se pensado um limite muito mais baixo. Se calhar um valor mais alto para apoiar de facto as famílias com menos rendimento. Por exemplo, quando nós falamos do súbito vencimento mínimo nacional, podemos discutir se é um aumento excessivo ou não. Nós, União, nunca podemos ser contra o aumento do vencimento mínimo nacional porque quem ganha isso não vai investir na bolsa, não vai comprar um Porsche ou um Ferrari. Quem ganha o vencimento mínimo nacional são pessoas em que automaticamente o acréscimo pouco que tenham é para consumir no nosso próprio comércio. Nunca fomos contra esse tipo de aumentos. Mas temos de equacionar outras questões. Acho que provavelmente o Governo vai ter que ponderar fazer mais um ou dois apoios daquele género às famílias para ajudar em dezembro, em janeiro. E às empresas, acho que mais do que isso, era aliviar a carga fiscal. É brutal a carga fiscal que as empresas têm. Nem que fosse – e percebo que o país precisa de receitas para se sustentar – num período de seis ou sete meses, haver aqui um momento em que o Governo diz que vão baixar para outros patamares a taxa do IVA ou do IRC. E, depois, a partir do mês X voltar a subir. Se não se aliviar as empresas, sinceramente, tenho muito receio que para o ano volte a ver aqui um número significativo do nosso setor de comércio e serviços a fechar. Espero que não. Espero que isto mude. Temos sempre esta expectativa, mas estamos muito preocupados com o que virá em 2023 e não sentimos da parte do Governo apoio nesse sentido.

No início do ano tinha dito que o primeiro semestre seria uma ‘prova de fogo’. Prova superada?

Houve muitos que conseguiram superar-se, conseguiram reinventar-se, reformular-se e agora levam de novo com esta situação. Vamos ver. Acho que vamos ter uma segunda prova de fogo. No primeiro trimestre já sentimos muitas empresas preocupadas com o futuro.

Pode haver encerramentos?

Acho que aquelas empresas que já passaram pela pandemia e que se reinventaram e conseguiram passar estes seis meses de prova de fogo, vão ter aqui uma capacidade de resiliência. Mas chega um momento em que é difícil. Estamos a ter um disparar de custos. Por exemplo, para nós, no comércio, a eletricidade é brutal. Temos que ter as lojas iluminadas, os restaurantes, as pastelarias, tudo com muita iluminação e as faturas da eletricidade estão a disparar. Vai haver inevitavelmente, por meio do aumento do salário mínimo nacional, o aumento dos vencimentos, e também queremos fazer esse esforço, porque percebemos que os nossos colaboradores também são aqueles que consomem no próprio comércio. Agora, se temos todos estes custos a disparar e as nossas vendas a baixar, há uma altura que mesmo que não haja insolvências, mesmo que não haja falências, as pessoas pensam que não vale a pena continuar. Acredito que muitos dos que resistiram poderão ponderar. A minha perspetiva é que aqueles que passaram estes dois anos dramáticos da pandemia consigam mais esta prova de fogo. Mas também percebo que as empresas chegam a um limite. Aquilo que nós temos de custos cada vez está a ser menos equilibrado em termos de receitas. Estamos a falar do comércio de proximidade, não somos grandes cadeias. Por exemplo, uma loja de vestuário, uma loja de acessórios, uma loja de rua, não é nenhuma cadeia que tenha diversas atividades que se possam ir complementando umas às outras. É aquele espaço que se não conseguir superar, não conseguir vender, não conseguir ter que pelo menos atingir o break even point, o que é que pensa? É melhor encerrar.

A corda não estica sempre.

Exatamente, claro que não.

Estamos também com uma crise energética. O que tem feito o comércio de Lisboa para poupar?

O que podemos fazer além de reduzir o nosso consumo? É substituir o nosso tipo iluminação por iluminação mais económica e depois fazer aquilo que o Governo recomendou – não impôs. Se reparar, em muitas zonas da cidade – provavelmente não as centrais – o comércio quando fecha as portas já deixa praticamente as montras ou desligadas ou o interior das lojas quase sempre todo desligado. Deixa-se só as montras por uma questão de segurança e muitas vezes até com redução. E, com um grande suspiro de sofrimento por parte da União, só vamos iluminar a cidade de Lisboa mais tarde. Como disse, o Natal é o momento mais forte do comércio. Por outro lado, as iluminações são importantíssimas para o comércio da cidade. Trazem muitos turistas nacionais, muitas pessoas que vêm de Leiria, Santarém, Torres Vedras, ver as luzes à cidade de Lisboa, porque em simultâneo temos os vários mercados de Natal. Todas as juntas e vários bairros de Lisboa estão a preparar eventos pela altura do Natal. As iluminações de Natal, que estavam previstas para dia 24 de novembro,depois da recomendação do Governo só vão ser ligadas a partir de 6 de dezembro até 6 de janeiro. E com limitação horária, das seis da tarde à meia noite ou até às 23h30. O próprio comércio da cidade ficou um pouco contrariado porque o que nós gostaríamos era ter as luzes ligadas mas percebemos que tem de ser e, portanto, também aqui, estamos ao lado da Câmara e entendemos que vamos seguir a recomendação. Estamos a dar o nosso contributo e o próprio comércio está a tentar fazer outro tipo de decorações natalícias onde não exista tanta luz.

A Confederação do Comércio e Serviços apresentou algumas propostas. Foram aprovadas pelo Governo? Uma delas era encerrar mais cedo.

O que a Confederação dizia era encerrar todos por igual, para haver justiça. Não é só o comércio de rua. Era encerrar os centros comerciais também mais cedo, as grandes superfícies… E o Governo não avançou com essa medida. A não ser que daqui a um mês ou dois ou três, as questões energéticas assim o imponham, foram medidas que o Governo não acatou.

Fechar lojas mais cedo ia prejudicar ainda mais os comerciantes.

O que vai ter é um impacto direto no comércio da cidade. Provavelmente as grandes superfícies, como têm a área alimentar e tudo isso, acabariam por reduzir talvez uma hora. Eles vieram logo dizer que já estão a usar práticas de redução da energia. Acabaria por ser de novo o comércio a ter que encerrar portas uma hora mais cedo e isso iria, de facto, prejudicar mais diretamente o pequeno comércio do que as grandes superfícies.

Na nossa última conversa tinha dito que o turismo estava a recuperar. Os turistas voltaram em força ou ainda se nota diferença?

Ainda não está ao nível de 2019 mas já se nota, de facto, sem dúvida, o regresso do turismo à cidade. Ainda não atingiu e acredito que se calhar não seja assim tão depressa que atinja os níveis de 2019 mas já estamos, seguramente, a recuperar. Provavelmente a própria Baixa, aquelas zonas mais turísticas, não sentem tanto o impacto da inflação fruto do acréscimo do turismo. É diferente de uma zona que vive só dos seus moradores, dos seus residentes, de quem ali trabalha. Foi um ano em que já se notou um acréscimo e as perspetivas para 2023 em termos de turismo é que exista um acréscimo. Espero bem que sim.

Mas continua a existir o problema da falta de mão-de-obra. Sentem-no?

Seguramente. Este é um novo desafio que a Confederação do Comércio e as suas associações têm que levar a cabo. Como costumo dizer, não podemos oferecer grandes carreiras profissionais. Estamos a falar de comércio, são empresas que têm a porta aberta e que vendem ao consumidor final. Alguém que entra no nosso estabelecimento, na nossa empresa e que começa a trabalhar connosco, poderá vir a ser gerente de loja e depois sim, aprendendo a sua área, até pode, no futuro, vir a abrir negócio próprio. Agora nós não temos carreiras profissionais, não podemos dizer como a banca, ou os seguros. E isso não é atrativo para os jovens. Por outro lado, socialmente, há aqui um estigma, ao contrário do que deve ser, de que quem trabalha no comércio não são as pessoas que tenham os melhores conhecimentos e mais valias. Pelo contrário. Cada vez mais é imperativo que quem entre no comércio tenha formação, tenha capacidade de evoluir, goste de se formar, goste de ter desafios novos. O comércio hoje já deixou de ser aquela atividade de estar só atrás do balcão para vender uma peça. Até porque cada vez mais o consumidor é inundado por informação e, por exemplo, cada vez mais nós precisamos de pessoas nas nossas empresas com formação na área do digital, com capacidade de trabalhar nas redes sociais… As skills que hoje são necessárias para o comércio já exigem muita formação. Mas socialmente não é uma atividade que seja conotada assim, infelizmente. Acho que aqui é um trabalho que o Ministério do Trabalho e associações têm que fazer. E, por outro lado, os jovens não querem vir para o comércio porque não é aquela atividade. Quem trabalha no comércio cada vez tem menos apetência para estar a trabalhar aos sábados e domingos ou sair às 21h ou 22h. As pessoas cada vez dão mais valor à família, ao estar com as pessoas mais chegadas. Isto é um jogo difícil de equilibrar.

Os imigrantes são solução?

Quanto aos imigrantes que hoje chegam a Portugal, há aqui uma lacuna. A Confederação do Comércio, com a União, fizeram uma sessão de debate sobre esta situação, sobre a mão-de-obra e sobre a dificuldade. Temos um desafio – e o comércio tem aqui uma grande oportunidade, que é: há cada vez mais pessoas que até tiveram outras carreiras profissionais mas que depois de se reformarem continuam muito ativas, muito capazes e poderão vir a trabalhar para o setor. Quando vou comprar roupa gosto de alguém que me dê uma opinião, um conselho e há aqui uma possibilidade de nós podermos também ter uma geração um pouco mais sénior a trabalhar. Pessoas que muitas vezes saem das empresas com 58, 60, 62 anos e estão ativíssimas. Depois, relativamente à imigração, há um gap enorme e isso já o dissemos. A nossa mão-de-obra do comércio, da restauração, do nosso setor, é muito na base da imigração. Só que muitas vezes também não os conseguimos colocar nas nossas empresas porque não estão adaptados à nossa cultura, não sabem falar a língua… não podemos pôr alguém a vender artigos a uma pessoa que não saiba falar português. E aqui o Ministério do Trabalho e todas essas associações que recebem os refugiados, os imigrantes, que lhes dão a sua legalização, deviam depois reunir com as associações para lhes dar a formação e a capacitação, explicar-lhes o que é a nossa cultura, a nossa tradição, dar-lhes a língua, a formação nas várias áreas. E depois as próprias associações encaminhá-los para o mercado de trabalho. Não há esta ligação. Mesmo os programas que o Ministério do Trabalho já tem não são expeditos. Há que pensar que temos uma oportunidade, é óbvio, dos imigrantes que chegam a Portugal vindos de países que nós estamos aqui para os receber, com certeza que sim. Agora temos que perceber que muitas vezes vêm de países que não têm as exigências que nós temos nem o grau de excelência em termos de comércio. No fundo, o problema da mão-de-obra tem que passar por atrair as camadas jovens dando reconhecimento, dignificação e valorização a trabalhar no comércio. Passa também por aceitar o envelhecimento da população de forma positiva pensando em aproveitar a sua experiência e o seu conhecimento para serem commercial advisors. E dar formação não só da língua portuguesa, da cultura, mas também nas necessidades em que a mão de obra é necessária aos emigrantes que chegam a Portugal, mas sempre com as associações.

Como vê a atualização das rendas para 2023? O travão do Governo é uma ajuda?

Vamos ver. Claro que o travão para o comércio é. Se bem que o comércio é um pouco diferente do arrendamento habitacional. Muitos de nós temos contratos de dois, três anos que têm várias cláusulas. Mas claro, permitir para o comércio que não haja aumentos muito elevados… Se bem que corremos também o risco que já se tem falado. Há muitos senhorios que podem denunciar, em contratos que estão a ser renovados, que com aquele aumento não querem aquela renda. Em termos de habitação é capaz de ter um impacto diferente. É sempre uma ajuda. Mas com essa limitação poderá haver, e vai acontecer de certeza, senhorios que não vão renovar o contrato.

Como está a situação das lojas com história?

Estão a encerrar mais lojas. E tenho que ser frontal. O problema das lojas com história é que nós tivemos um programa fantástico de apoio que começou em 2013 e salvou centenas de lojas com história. Hoje, mais do que tratar só das questões de arrendamento, tem que se pensar de outra forma e é isso que estamos a tentar que a Câmara Municipal altere. Ou seja, repense o programa Lojas com História. Porque se não o repensarmos vai deixar de salvar lojas ou de permitir que as lojas sejam salvas. Tem que se perceber que muitas destas lojas com história estão com pessoas já com alguma idade e nós próprios temos que arranjar e assegurar a sua continuidade ou alguém que queira ficar com essa loja e renová-la e requalificá-la. Um exemplo: a Joalharia do Carmo é uma loja com história que foi pegada por um grupo e está fantástica a forma como recuperaram essa loja. E esse era o grande objetivo das lojas com história: salvá-las. Mas sobretudo dar oportunidade, até pela idade, de alguns que queriam deixar de ter essa loja, a quem venha com sangue fresco, com ideias novas, manter a essência da loja mas renová-la e refrescá-la. E isso não está a acontecer, foi uma falha do programa. Para o ano há pelo menos quatro ou cinco lojas icónicas da cidade que poderão encerrar portas se nós não pensarmos de uma forma diferente. É necessário que a cidade, a Câmara, estruturas associativas, nos sentemos e repensemos o projeto lojas com história. Foi fantástico o seu início, salvámos muitas lojas mas falta a terceira fase que é o futuro destas lojas. Muitas estão com pessoas já com alguma idade, as pessoas querem fechar as suas empresas e temos que encontrar forma de quem quer pegar nestas atividades e nestes negócios, se os proprietários assim o entenderem e repensar. Ajudar também muitos dos empresários que às vezes por si só não conseguem a reformular, a recriar, a reinventarem-se e esse é um papel mais importante que o programa tem que cumprir.