A Nova School of Business and Economics (SBE) montou no seu campus de Carcavelos, com o apoio da Câmara Municipal de Cascais, uma fan zone onde ia transmitir os jogos do Mundial 2022, mas acabou por decidir suspender a iniciativa, na sequência de uma petição lançada por um conjunto de alunos que se manifestaram contra a mesma.
“O Mundial do Qatar, um país que penaliza a homossexualidade com até sete anos de prisão, vai começar com uma dívida de milhares de trabalhadores mortos. Muitos fãs, clubes de futebol locais e figuras públicas vão boicotá-lo, devido às suas muitas controvérsias. Contudo, a Nova SBE vai dar um palco à violação de direitos humanos, ao montar o Nova SBE World Stadium [nome dado à fan zone] sem sequer mencionar um único facto sobre o que está a acontecer no Qatar. Queremos reunir assinaturas para mostrar à liderança da Nova SBE que os estudantes da faculdade querem que o projeto Nova SBE World Stadium seja interrompido, uma vez que não representa um único dos valores que nos são ensinados”, pode ler-se na petição lançada a 19 de novembro que reuniu 140 assinaturas.
A tenda equipada com um ecrã gigante, sistema de som e uma bancada de cadeiras já estava até montada, mas a direção da Nova SBE, uma das faculdades mais internacionais de Portugal, desistiu da ideia para não correr o “risco” de a iniciativa ser vista como um “apoio às políticas” do Qatar, país anfitrião do Mundial de futebol. Num email enviado à comunidade académica, a que o i teve acesso, o diretor Daniel Traça reconhece que “num esforço para celebrar a comunidade internacional” da faculdade e “ampliar as oportunidades de confraternização, a escola criou um espaço para ver os jogos do Mundial”. Porém, “perante os desenvolvimentos e notícias recentes, existe o risco de esta iniciativa ser considerada como um apoio às políticas das entidades organizadoras. Para evitar confusões, decidimos suspender a iniciativa, com efeitos imediatos”, lê-se na mesma mensagem.
Em causa está a polémica associada às condições laborais a que estiveram sujeitos os trabalhadores responsáveis pela construção de infraestruturas no Qatar. Segundo estimativas de várias associações de direitos humanos, mais de seis mil trabalhadores estrangeiros terão morrido durante as obras de construção de estádios e hotéis para albergar a competição naquele país. A isso, acrescem as violações de direitos humanos de mulheres, da comunidade LGBT e de outras minorias.
É neste contexto que a Nova SBE recuou na decisão de disponibilizar a fan zone no seu recinto. “Esperamos que isto esclareça a nossa posição de absoluto repúdio aos temas atualmente em discussão e o nosso contínuo compromisso com as causas dos direitos humanos e do desenvolvimento sustentável”, justifica Daniel Traça, que acrescenta ainda: “Gostaríamos de manifestar o nosso reconhecimento aos que se sentiram desrespeitados pela nossa iniciativa e agradecer-lhes por terem partilhado a sua opinião”.
Alguns alunos da Nova SBE, que entraram em contacto com o i, relataram que terão sido gastos vários milhares de euros com a iniciativa. O i questionou a faculdade sobre o investimento que foi feito para a instalação do equipamento e que utilização futura ia dar ao espaço, mas fonte oficial da Nova SBE apenas adiantou que a iniciativa “contava com o apoio da CM de Cascais” e que a “infraestrutura disponível é alugada, estando em análise a sua utilização, uma vez que depende de prazos logísticos”.
A mesma fonte reitera que “tendo em conta os mais recentes desenvolvimentos e o risco de esta iniciativa poder ser considerada como apoio às políticas das entidades organizadoras do evento, a escola decidiu suspender a iniciativa, tomando em consideração as diferentes posições internas sobre o assunto em questão”.
Na sequência da decisão da direção da faculdade que foi comunicada na segunda-feira de manhã, um grupo de alunos lançou uma outra petição para repor a iniciativa da fan zone no campus de Carcavelos, também em resposta à petição para suspender a iniciativa.
“Apesar de não tolerarmos o desrespeito pelos direitos humanos que teve lugar na construção deste Mundial no Qatar, acreditamos que impedir a comunidade da Nova SBE de assistir ao mesmo não faz nada para ajudar à causa que se está a tentar apoiar. Na verdade, [essa decisão] surge como reacionária e retira a grande oportunidade de unir a comunidade. Por estas razões, acreditamos que o Nova SBE World Stadium deve manter-se e servir para o intuito com que foi construído, um lugar onde a comunidade da Nova SBE pode juntar-se e apreciar a magia do Mundial de futebol”, argumentam nesta segunda petição, que conta já com mais de mil assinaturas.
Fonte oficial da Nova SBE também não comenta a contestação no seio da comunidade académica, mas o i sabe que o diretor da faculdade encontrou-se com os alunos que criaram as duas petições na tarde de segunda-feira, numa reunião à porta fechada, para ouvir sugestões de como reaproveitar a tenda, estando em cima da mesa a possibilidade de transmissão dos jogos, mas com uma componente de angariação de fundos que reverta a favor de organizações como a Amnistia Internacional ou de associações LGBT.