Com o Mundial a rolar no Qatar – país onde as mulheres muçulmanas ainda são condenadas a chicotadas ou a apedrejamento público – e sob a tutela da ONU, inicia-se uma jornada de 16 dias a nível global pelo fim da Violência contra as Mulheres e Raparigas. A marcha só terminará a 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos, data simbólica para destacar que a violência contra as mulheres está no topo da violação dos direitos humanos em todo o mundo.
Em Portugal, esta campanha anual da sociedade civil tem como principais árbitros a Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (PpDM) e a Câmara Municipal de Lisboa. O programa conta a participação de mais de quarenta entidades que organizam mais de seis dezenas de eventos, que passam por conferências, exposições, teatro e cinema, ações em escolas, entre outras atividades, para sensibilizar o poder político e a sociedade para uma problemática que teima em ser erradicada. Nestes dias, falar-se-á de vários tipos de violência contra as mulheres: da sexual à doméstica, da violência contra crianças à violência contra as idosas, da violência política à descriminação salarial, das migrantes, das mulheres ciganas… Os números são assustadores, num mundo onde continua a ser mais fácil fazer a guerra do que a paz.
O evento será marcado pela participação de mulheres que passaram por este tipo de experiência. E no calendário dos trabalhos, um dia será dedicado à revolta das mulheres iranianas que desafiam o regime da teocracia islâmica. A data de inauguração desta caminhada tem cor e, no comunicado de imprensa da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres, esclarece-se que não há qualquer relação com a política nacional: “A cor laranja simboliza um futuro livre de violência e serve também como meio de demonstrar a solidariedade com a luta pela eliminação de todas as formas de violência, sendo, por essa razão, usada como a cor do Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres, desde a iluminação de edifícios ao uso de roupa cor de laranja. É uma campanha que apela aos governos, sociedade civil, organizações de mulheres, jovens, setor privado, meios de comunicação e todo o sistema da ONU a unirem forças para enfrentar a pandemia global de violência contra as mulheres e raparigas”.
A Assembleia da República, onde esta semana foi dado o OK para Marcelo Rebelo de Sousa ir ao Qatar assistir o jogo entre a seleção nacional e a do Gana, também trajará laranja. António Guterres, esse, antecipou-se. Um homem nunca é o que diz. É aquilo que faz ou permite que os outros façam.
Dados estatísticos da Plataforma
• Femicídio – 24 mulheres assassinadas em contexto de violência doméstica (até 30.set.2022)
• Violência em relações de intimidade – 26.621 mulheres vítimas e 27.279 homens agressores em contexto de violência em relações de intimidade (violência doméstica)
• Violência no namoro – 58% de jovens que já namoraram foram vítimas de alguma forma de violência (psicológica, física, perseguição, controlo, violência online, violência sexual). 67% de jovens consideram como natural algum dos comportamentos de violência
• Violação – 94% das vítimas de violação foram mulheres e 98% dos violadores foram homens
• Abuso sexual de crianças – 4 em cada 5 crianças sexualmente abusadas são meninas e 96% dos abusadores são homens. 53% dos abusadores são familiares das crianças e 21% são conhecidos das crianças (“o perigo mora em casa”)
• Prostituição – Violência no sistema de prostituição: Várias formas de violência perpetradas por proxenetas e compradores de sexo: violação, agressão física e verbal, perseguição. Sentimentos de raiva, medo ou repulsa pelos compradores de sexo. Utilização de estratégias de evitamento: consumo de drogas ou de calmantes, dissociação, mecanização, concentração nos ganhos materiais imediatos. Consumo de substâncias psicotrópicas simultaneamente associada a causa da entrada no sistema e consequência dessa entrada: por imposição das redes, para submissão das mulheres; ou como estratégia de evitamento, para suportar as vivências prostitucionais. 12% dos jovens homens recorrem à prostituição
• Pornografia – Em 2018, Portugal era o 39º país que mais consumia pornografia via Pornhub. 62% dos jovens homens consomem pornografia face a 23% das jovens mulheres; 44% dos jovens homens que consomem pornografia fazem-no pelo menos 1 vez por semana
• Violência online – De acordo com o Instituto Europeu para a Igualdade de Género, uma em cada dez mulheres, a partir dos 15 anos, diz que já foi vítima de algum tipo de violência online, desde ameaças a perseguição, partilha de imagens, dados pessoais e assédio
• Práticas nefastas, em particular mutilação genital feminina, casamentos infantis, precoces e forçados – Em 8 anos (2014-2021) foram sinalizadas 668 mulheres vítimas de MFG em Portugal. Estima-se que haverá mais de 6.500 vítimas a viver em Portugal. Entre 2017 e 2021 realizaram-se 536 casamentos infantis em Portugal – ou seja, 107 casamentos infantis por ano
• Violência económica (desigualdade salarial, baixos rendimentos etc.) – Diferença remuneratória entre mulheres e homens, em 2021, era de 21%. Em todos os escalões etários, em termos médios, as mulheres auferiram uma remuneração inferior à dos homens, mas a situação é mais notória nos escalões etários mais elevados, concretamente a partir dos 50 anos de idade. As mulheres idosas recebiam, em 2021, 57% das pensões de velhice dos homens. Uma em cada 4 mulheres trabalhadoras recebe o salário mínimo nacional (face a 1 em cada 5 homens)
• Assédio sexual no local de trabalho – Cerca de 2 em cada 10 mulheres já foram vítimas de assédio sexual no trabalho, sendo o mais frequente a atenção sexual não desejada e as insinuações sexuais.