O Ministério da Saúde voltou a reunir-se, esta segunda-feira, com a Federação Nacional dos Médicos (FNAM) e o Sindicato Independente dos Médicos (SIM). No entanto, os sindicatos não ficaram totalmente satisfeitos com o desfecho deste encontro que teve lugar no dia em que o ministro da Saúde admitiu que o problema das urgências em Portugal é “crónico”.
O dirigente espera que tudo melhore com a abertura de centros de saúde em horários complementares numa altura em que a afluência a hospitais – e o consequente caos – como o de Santa Maria, em Lisboa, e o Garcia de Orta, em Almada – onde a equipa do Serviço de Urgência Geral apresentou demissão, ontem, em protesto com a escala de dezembro -, é cada vez maior devido a vírus respiratórios. “Esta foi a segunda ronda de negociações depois daquela que aconteceu a 9 de novembro. A FNAM, em conjunto com o SIM, tem vários assuntos em cima da mesa. É uma negociação que existe há muito tempo e existem coisas que gostaríamos de ver resolvidas”, diz Joana Bordalo e Sá, vice-presidente da FNAM, referindo-se a variados temas.
“As grelhas salariais, a organização do trabalho de modo a que os médicos possam ter uma vida mais equilibrada dos pontos de vista profissional-pessoal (há médicos que fazem 700 e 800 horas a mais do que um trabalhador dito ‘normal’ da saúde)”, indica.
Como o i já tinha analisado no passado mês de julho, nos primeiros seis meses do ano, mostram os dados publicados já a incluir junho, no Portal da Transparência do Serviço Nacional de Saúde (SNS), foram feitas quase 10 milhões de horas extra no SNS. Em 2019, tinham sido quase 7 milhões no período homólogo, constatando-se assim um recurso a horas extra 42% superior àquele que foi verificado no pico da pandemia de covid-19.
Nessa altura, havia “casos em que o recurso a horas extra praticamente duplicara face ao primeiro semestre de 2019”. Era o caso da Unidade Local de Saúde do Litoral Alentejano (+99% horas extra nos primeiros seis meses de 2022 face ao primeiro semestre de 2019) ou o Centro Hospitalar do Oeste (+84).
Por outro lado, havia hospitais onde se contabilizava um aumento superior a 50% no recurso a horas extras face ao primeiro semestre de 2019. Por fim, somente dois hospitais terminavam junho com uma ligeira diminuição no recurso a trabalho extraordinário: o Centro Hospitalar Universitário de São João e o Hospital Magalhães Lemos.
“Devíamos ver valorizado o nosso trabalho no serviço de urgência, que é extremamente diferenciado – as pessoas ficam mesmo exaustas -, queremos ver progressão na carreira, devia haver um SNS que fosse majorado (opcional) e tudo isto são medidas que melhorariam a condição de trabalho dos médicos de modo a que não fugissem a sete pés para o privado ou para o estrangeiro”, continua a dirigente.
“Não se pode dizer que há falta de médicos em Portugal: há é falta de médicos no SNS porque os sucessivos Governos nunca reuniram condições para os médicos ficarem. A questão das grelhas salariais, de todos os assuntos, é o mais premente e, por aí, ficámos desiludidos porque ainda não conseguimos, concretamente, começar a discutir este assunto”, realça Joana Bordalo e Sá. “Estamos à espera de que o Executivo nos envie a sua proposta”.
“Os médicos têm de ficar no SNS” “Já avançámos qualquer coisa em termos das normas de organização e disciplina no trabalho. Ou seja, o modo de organizar a consulta, os atos médicos, o trabalho presencial, o teletrabalho… Tudo deve estar bem definido na legislação”, indica a médica. “A perspetiva, apesar de tudo, continua a ser positiva porque estamos numa mesa negocial. Estamos desiludidos, sim, mas ficou já marcada uma reunião para 15 de dezembro e esperamos que haja mais propostas da parte governamental. Dizem-nos que estão a trabalhar nas propostas, mas nós queremos vê-las: isso vai ao encontro daquilo que temos dito e feito”, desabafa, asseverando que “os médicos têm de ficar no SNS e atender bem os doentes”.
“Estão exaustos, desmotivados e sem perspetivas de futuro. E se estes problemas não forem resolvidos, o SNS, que deve servir a população e é tendencialmente gratuito, ficará cada vez mais em risco”, diz a também mestre em Medicina e Oncologia Molecular pela FMUP e docente externa do ICBAS-UP. “Para isso, é preciso dinheiro e o OE2023 não é muito animador. Só há aumento de 2,9% para recursos humanos… Tem de haver um investimento sério e real. Todos os profissionais de saúde devem ser valorizados”.
“Temos reuniões mais ou menos de três em três semanas e o próprio ministro está connosco: o que já é um ótimo sinal, porque a equipa ministerial anterior não fazia tal coisa”, frisa Joana Bordalo e Sá, estabelecendo um antagonismo entre as equipas do ministro Manuel Pizarro e da ministra Marta Temido.
Para além da FNAM, o i já falara com Jorge Roque da Cunha, líder do SIM, que partilhou as suas preocupações. A título de exemplo, a falta de médicos de família e o aumento de rescisões de médicos no SNS, que em 2021 foram aproximadamente 1 000, ou as 150 vagas sobrantes após o processo de escolha de especialidades médicas.