por Daniela Soares Ferreira e Sónia Peres Pinto
A economia cresceu 4,9% no terceiro trimestre, a inflação abrandou e situou-se nos 9,9% em novembro, de acordo com os dados avançados pelo INE. Boas notícias, que não surpreendem os economistas contactados pelo i, mas reconhecem que o perigo é o que pode estar para vir.
De acordo com João César das Neves, esta subida do Produto Interno Bruto (PIB) era “expectável”, apesar da procura interna ter registado um contributo menor para o crescimento neste período, já que as famílias consumiram menos e o investimento também caiu, passando de um crescimento de 3,5% no segundo trimestre, para uma contração de 0,4%. Números que levam o economista a afirmar que “o cenário está a ficar mais negro, pelo que o crescimento deve abrandar”, daí garantir que esta tendência “provavelmente” se irá manter.
Uma opinião partilhada por Henrique Tomé, analista da XTB, ao admitir que “os próximos valores trimestrais deverão começar a ser revistos em baixa, uma vez que a inflação permanece elevada em Portugal e deverá ter impacto na atividade económica”, lembrando que “os efeitos da inflação em conjunto com o aumento dos juros, começam a ter impacto no poder de compra das famílias que começa já a ser representativa nos indicadores económicos”. E não hesita: “Esta tendência será para se manter e possivelmente será agravada ao longo dos próximos trimestres”.
Também Paulo Rosa, economista do Banco Carregosa, refere que “à medida que a desaceleração económica se instala, nomeadamente penalizada pela diminuição do rendimento disponível, é provável que o consumo e o investimento contribuam cada vez menos para o crescimento do PIB”, acrescentando que “na reta final do ano, o consumo privado deverá abrandar a sua contribuição e estima-se que o PIB do quarto trimestre desacelere do atual forte desempenho”, ainda assim, acredita que “o produto deverá manter um bom desempenho no conjunto do ano, e corroborar os 6,5% antecipados pelo Executivo, mas recuar para um crescimento entre a estagnação e uma alta de 2% no quarto trimestre em termos homólogos e em cadeia inverter para negativo, após seis trimestre consecutivos de alta, desde a queda de 3,2% no primeiro trimestre de 2021”.
Já Ricardo Evangelista, analista da ActivTrades, dá como exemplo, as últimas estimativas da Comissão Europeia para a performance da economia portuguesa em 2023, que deixam antever um abrandamento da atividade económica no nosso país. A previsão aponta para um crescimento do PIB de 0,7% no próximo ano, uma desaceleração significativa, que refletirá menos consumo e investimento.
Inflação alivia ligeiramente
O INE avançou também que a variação homóloga do índice de preços no consumidor situou-se nos 9,9% no mês de novembro, um valor que compara com os 10,1% em outubro, tendo assim recuado ligeiramente. O economista do Banco Carregosa, explica que “o aumento dos preços dos combustíveis fósseis, das matérias-primas e dos produtos agrícolas impulsionaram a inflação a montante da cadeia de valor, pressionando todos os restantes preços de bens e serviços a jusante, generalizando a inflação, tornando-a também cada vez mais persistente”. Mas defende que é preciso ter em conta que “o alívio nos preços dos combustíveis fósseis tem sido uma realidade e poderá ditar o pico da inflação algures neste quarto trimestre”.
Já César das Neves admite que o clima é muito incerto e a tensão continua a ser inflacionista, aconselhando que é necessário “estarmos atentos” e apensar de reconhecer que “não são de esperar grandes subidas na inflação” também acredita que “não deve descer rápido”.
Os dados do gabinete de estatística surgem numa altura em que a presidente do Banco Central Europeu (BCE) alertou que a inflação pode ainda não ter atingido o seu pico. No entanto, Ricardo Evangelista diz ao i que os números publicados “ficaram abaixo das expectativas porque os custos da energia sofreram uma queda inesperada”. Por outro lado, alerta, “a chamada espiral inflacionária, em que a subida dos preços força aumentos dos salários e resulta em mais subidas dos preços, é um processo que ainda se está a desenrolar”, daí afirmar que “é possível que o pico ainda não tenha sido atingido”, defendendo que a melhor forma de controlar a espiral inflacionista “é através de políticas monetárias restritivas”, defendendo assim as palavras de Christine Lagarde “que pretende justificar as subidas das taxas de juro que com certeza irão ocorrer”.
Mais otimista está ao considerar que “já estamos próximos do momento de transição (que tanto se falava em 2020) em relação à inflação”, acrescentando que na Europa “espera-se que exista um pequeno atraso nos números, no entanto, ao longo dos últimos dois meses temos assistido a fortes correções de baixa nos preços de várias matérias-primas, nomeadamente a energia, bem como os constrangimentos sobre as cadeias de distribuição também estão a melhorar”.
Tendo em conta, apenas estes dois indicadores, o analista diz que se pode esperar que a inflação continue a abrandar. “Não obstante, é também importante notar os esforços do BCE nas medidas para travar a subida dos preços, passando pelo aumento dos juros que têm vindo a reduzir o poder de compra das famílias”, diz.
Preços vão continuar a crescer? João César das Neves deixa a garantia: “Claro que um choque nos preços desta dimensão vai continuar a ter efeitos e torna toda a gente mais pobre (até os supermercados estão, pois absorvem nas margens parte da subida). Estamos mais pobres e a única coisa que se pode fazer é distribuir a carga de forma mais justa (ou não)”.
Já Paulo Rosa acredita que à medida que as cadeias de abastecimento normalizem “também os preços nos supermercados tenderão a desacelerar o ritmo de subida” e, por isso, “é provável que em 2023 haja um ligeiro alívio nos preços, podendo acontecer mesmo uma reversão da alta dos preços em caso de recessão económica. Até lá o rendimento disponível dos consumidores continuará a diminuir devido à alta dos juros”.
Também Ricardo Evangelista diz que devido à espiral inflacionária, “os preços de muitos produtos e serviços deverão continuar a aumentar nos próximos tempos”. E não tem dúvidas: “Como os salários poderão não subir ao mesmo ritmo, os orçamentos familiares poderão ficar mais apertados”. Por seu lado, Henrique Tomé receia que “a inflação possa ficar enraizada em determinados setores da economia”. Ainda assim, diz, tendo em conta que os preços da energia estão a baixar “e as pressões inflacionistas noutros produtos também estão a diminuir, espera-se que a médio prazo os preços praticados nos supermercados poderão ser revistos em baixa”.