A recente comemoração do Dia Internacional das Pessoas com Deficiência pretendeu chamar a atenção da sociedade para a defesa da dignidade e do bem-estar das pessoas com deficiência física ou mental. A primeira premissa é abordar corretamente o tema. Não há pessoas deficientes – a expressão é considerada pejorativa – como também não há invisuais, há pessoas cegas. A definição correta para todas as situações é pessoa com deficiência, esse é o termo usado pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Essas pessoas não podem ser menosprezadas ou excluídas. A sociedade e as instituições públicas e privadas têm o dever de criar condições para que tenham as mesmas oportunidades de todos os outros, independentemente das suas caraterísticas específicas. Como disse de forma muito assertiva Zabeen Hirji: «A diversidade é um facto e a inclusão uma prática». Essas premissas devem ser também aplicadas a quem pratica desporto nas vertentes educativa, recreativa, terapêutica e competitiva. No caso das pessoas com deficiência, a prática desportiva é fundamental para o seu bem-estar físico, desenvolvimento cognitivo, reabilitação e integração.
Em Portugal, o desporto adaptado foi uma consequência da guerra colonial. Os militares que estavam nos hospitais de reabilitação, nomeadamente no Centro de Reabilitação de Alcoitão, ocupavam os tempos livres com atividades desportivas. Só mais tarde é que as pessoas com deficiência começaram a organizar-se em grupos para praticar desporto com base no que estava consagrado na Constituição da República Portuguesa de 1976.
Inclusão pelo desporto
O desporto adaptado teve franco desenvolvimento nos últimos 30 anos, atualmente existem organizações desportivas que promovem a atividade física adaptada em diferentes modalidades. A Federação Portuguesa de Desporto para Pessoas com Deficiência (FPDD) trabalha em quatro áreas: deficiência visual, auditiva, intelectual e cerebral, e vai reativar brevemente a área da deficiência motora. A sua missão é promover o gosto pela prática desportiva, desenvolver as modalidades no âmbito do desporto para pessoas com deficiência e apoiar a participação social dessas pessoas. Fausto Pereira, presidente da FPDD, considera que «o desporto adaptado deve fazer parte da educação e ser implementado nas escolas para que os jovens cresçam com a ideia de que todos podem praticar desporto. Mas deve-se ir mais além, e entender que essas pessoas podem ser igualmente atletas de alta competição».
A situação melhorou recentemente com assinatura de um contrato-programa entre o Comité Paralímpico de Portugal (COP) e o Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ) que vai ao encontro do desejo dos atletas. «Assistimos a um esforço das autoridades desportivas nacionais no sentido de financiar o desporto paralímpico. Os atletas de alto rendimento vão ter financiamento para a sua preparação a exemplo do que acontece com os participantes olímpicos. Isso permite-lhes fazerem uma preparação semelhante à que fazem os atletas de outros países» referiu o presidente FPDD.
Mas isso não resolve a situação e não faz esquecer a realidade nacional. Os Censos 2021 revelaram que há em Portugal uma população com deficiência de 10% e a percentagem de pessoas inscritas no IPDJ a fazer desporto é de apenas 0,3%. «É um número francamente mau. Reconhecemos a importância de ter sido aumentado o apoio no topo da pirâmide, mas corremos o risco de, futuramente, não ter atletas para financiar porque não se trabalha na base», disse o responsável federativo. As principais dificuldades que essas pessoas encontram são: a ausência de companhia ou amigos para poder praticar a modalidade desportiva; dificuldade na acessibilidade às instalações devido às barreiras de construção; falta de apoio financeiro para comprar equipamento e materiais adaptados; falta de meios de transporte, especialmente em pessoas com deficiência motora e pouca socialização.
Fausto Pereira indicou o caminho a seguir: «Precisamos de financiamento para desenvolver o desporto adaptado desde o nível escolar. Estamos na disposição de trabalhar com todas as instituições no sentido de inverter esta situação». Os apoios de que necessitam são sobretudo financeiros «estamos muito dependentes do financiamento público do IPDJ e do Instituto Nacional de Reabilitação. Temos também o apoio das autarquias locais, sobretudo para a realização de competições internacionais», e falou de um aspeto que merece reflexão: «Não somos muito atrativos para as empresas privadas, pois não temos um desporto espetáculo como o futebol». Uma verdade que mostra a pouca cultura desportiva que existe no nosso país.
Outro aspeto a merecer reflexão é a presença de mulheres no desporto adaptado, já que «o número de praticantes tem vindo a aumentar, mas ainda é muito baixo, apenas 30% do total de atletas com deficiência são mulheres», disse o presidente da FPDD.
No que diz respeito à igualdade de tratamento e oportunidades no desporto, a situação tem vindo a melhorar, mas ainda há um longo caminho a percorrer. Muitas vezes sente-se uma contradição na forma de falar desses atletas: tanto são vistos como superatletas – quase heróis – como apenas deficientes. Embora o estereótipo e o preconceito existam, a aceitação de pessoas com deficiência nos mais diversos espaços sociais é uma realidade. «Vivemos numa sociedade cada vez mais inclusiva, o que faz com que pessoas com deficiência sejam mais ativas e se sintam úteis à sociedade», reconheceu Fausto Pereira.
Excelência desportiva
Há vários anos que os atletas portugueses têm conseguido excelentes resultados nos jogos paralímpicos e em outras competições internacionais tanto a nível coletivo como individual.
No decorrer de 2022, Portugal sagrou-se campeão mundial e europeu de andebol em cadeira de rodas. Nos Mundiais de natação para pessoas com Síndrome de Down, Portugal conquistou 32 medalhas e vários nadadores estabeleceram recordes mundiais.
Nos Jogos Europeus de Verão VIRTUS, os atletas portugueses conquistaram 33 medalhas, 11 de ouro, competindo nas modalidades de Andebol, Atletismo, Basquetebol, Ciclismo e Ténis de Mesa. Nos Jogos Europeus da Juventude, a missão portuguesa composta por 25 atletas de cinco modalidades conquistou 12 medalhas, sendo oito de ouro. A seleção nacional de Boccia ganhou cinco medalhas na Taça do Mundo, que se realizou no Brasil. Portugal conquistou ainda duas medalhas na prova da Taça do Mundo de ciclismo adaptado, realizada no Quebec.
A nível individual, Lenine Cunha foi eleito o melhor atleta do mundo com deficiência intelectual pela Federação Internacional para Atletas com Deficiência Intelectual (VIRTUS), repetindo o feito conseguido em 2017. Recorde-se que é o atleta paralímpico mais medalhado do mundo, com 228 medalhas internacionais.
Os atletas portugueses têm sido brilhantes em todo o mundo e nas mais variadas modalidades. A mensagem de Nuno Vitorino, campeão europeu de surf adaptado e ex-nadador paralímpico – «nós não queremos saber se é difícil, apenas se é possível!» –, diz tudo sobre o querer, a determinação e resiliência das pessoas com deficiência.