Costa foge ao referendo e faz regionalização encapotada

Resolução do Governo prevê a reestruturação das CCDR já em janeiro e a transferência e partilha dos serviços ao longo do próximo ano. Há quem fale em ‘regionalização encapotada’. Salgueiro rejeita. Marcelo está atento. 

A resolução do Governo que inicia o reforço das competências das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) entrou esta semana  em vigor. De acordo com o diploma publicado em Diário da República na passada quarta-feira, as CCDR vão receber integralmente, ou de forma partilhada, competências em nove áreas que já acompanham ao nível regional e nas quais também já têm atribuições próprias, nomeadamente na economia, cultura, educação, saúde, conservação da natureza e florestas, ordenamento do território, infraestruturas, formação profissional e agricultura e pescas.

O processo implica a reestruturação das CCDR até ao final de janeiro de 2023 e a reestruturação dos serviços abrangidos até ao fim do primeiro trimestre de 2024, ano em que o Governo assumiu pretender a realização de um referendo para a regionalização no país.

Contudo, apesar de o Executivo defender a reestruturação como uma aposta na «governação de proximidade» e  no «alargamento dos poderes locais», sendo mais um passo no processo da descentralização, há quem fale numa «regionalização encapotada» que contorna o referendo.

A ideia já foi rejeitada pela presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) , que considera que a atribuição dos serviços regionais às CCDR trará vantagens na gestão e será um «passo essencial» para a regionalização.

A socialista Luísa Salgueiro, que também assume a presidência da Câmara Municipal de Matosinhos, disse em declarações à Lusa que esta reestruturação é «apenas uma reorganização administrativa de serviços da administração central» e que poderá, depois, mediante a avaliação que for feita, resultar ou não numa regionalização.

Segundo a resolução, para concretizar a transferência das atribuições dos serviços periféricos da administração central direta e indireta do Estado nas CCDR, num primeiro momento o Governo entende que se deve proceder à adaptação do regime jurídico, «assegurando a transferência e partilha das atribuições daqueles serviços, com uma redefinição estratégica no que diz respeito à missão e atribuições das CCDR e às competências dos seus órgãos, bem como à forma de funcionamento e articulação com os demais serviços do Estado».

«Num segundo momento, importa proceder à reestruturação dos serviços abrangidos, alterando as respetivas orgânicas, onde serão definidos, entre outros aspetos, os termos em que se processa a transferência e a partilha das atribuições, e os recursos humanos, patrimoniais e financeiros a transferir», pode ler-se no documento.

Foi precisamente essa passagem dos organismos que fez soar os alertas de que o primeiro-ministro António Costa tenha tentado pôr em marcha a regionalização sem referendar a questão. Algo que também não passou ao lado de Belém, que está alerta ao processo e avisa:  «Para haver alterações orgânicas e passagem efetiva de competências tem de ser por via de lei, não é por resolução».

Ao que o Nascer do SOL apurou, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, vai querer ter uma palavra a dizer se e quando a lei for para a frente.

Perante a resolução do Governo, as CCDR na área da economia vão passar a ter várias competências do IAPMEI – Agência para a Competitividade e Inovação, que vai deixar de licenciar estabelecimentos industriais e zonas empresariais e de intervir na gestão de áreas e parques empresariais. Outras competências serão partilhadas, nomeadamente iniciativas e programas de estímulo ao desenvolvimento empresarial, a colaboração na preparação de leis sobre a regulação da atividade empresarial e o reforço do apoio técnico dos municípios à realidade empresarial regional.

Na cultura, numa altura em que está em curso a reorganização da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), o Governo estabelece que as CCDR passam a assumir a generalidade das tarefas desempenhadas pelas direções regionais de cultura.

Na educação, vão assumir algumas das competências das Direções de Serviços da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEsTE). E ganham mais atribuições no planeamento da rede escolar de circunscrição regional, nomeadamente no ordenamento das redes da educação pré-escolar, dos ensinos básico e secundário e de educação e formação de jovens e adultos, e de apoio ao funcionamento das juntas médicas regionais.

Na saúde, as administrações regionais de saúde e as CCDR vão partilhar tarefas de promoção de atividades de saúde pública junto das populações. Já o planeamento regional dos recursos humanos, financeiros e materiais nesta área, incluindo a execução e acompanhamento dos necessários projetos de investimento das instituições e serviços prestadores de cuidados de saúde, será assumido pelas CCDR, em articulação com a Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde, que vai entrar em funções no próximo mês de janeiro.

No que se refere à conservação da natureza e florestas, as divisões regionais do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) transferem um grande número de atribuições, nas áreas de Vigilância Preventiva e Fiscalização, de Gestão Administrativa e Logística, de Cogestão de Áreas Protegidas, das Áreas Classificadas, de Ordenamento do Território e de Projetos e Licenciamento.

Ainda por exemplo nas infraestruturas, as CCDR passam a licenciar os veículos para o transporte de doentes, a decidir a localização e a abertura de centros de inspeção de veículos, entre outras competências transferidas das delegações regionais e distritais do Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT).