O risco de perder o controlo sobre a atividade partidária foi uma das razões que levou João Cotrim de Figueiredo a precipitar a saída da liderança da Iniciativa Liberal (IL). A decisão foi revelada em outubro com a justificação assumida de que iria dar oportunidade «a uma nova liderança de estar em funções com suficiente antecedência em relação aos próximos atos eleitorais, que terão lugar já a partir do segundo semestre de 2023» – mas, ao que o Nascer do SOL apurou, o ainda líder da IL preferiu abandonar o partido a perder as suas rédeas.
Esse receio acaba por estar visível nas cinco listas que avançaram para o conselho nacional do partido. E a explicação é simples: o comportamento tático de cada núcleo passa por colocar os membros em cada lista de forma a garantir representação, mas, com o método de Hondt, o núcleo duro de João Cotrim Figueiredo iria perder o controlo da máquina partidária. Em cima da mesa para estas eleições está a lista apoiada pela Comissão Executiva, liderada por Mariana Leitão, atual presidente do Conselho Nacional; a Lista T, liderada por Miguel Ferreira da Silva, primeiro presidente da IL e apoiante da Carla Castro; a Lista D, liderada pelo atual conselheiro José Cardoso e opositor da CE; a Lista B, liderada pelo atual autarca de Mafra, Nuno Simões Melo, mas também opositor da CE; e a lista liderada por Cristiano Santos, atual conselheiro e cabeça de lista por Aveiro e apoiante da Carla Castro.
Ao que o Nascer do SOL apurou, esta corrida está relacionada com o facto de haver um grande descontentamento nas estruturas partidárias com a direção do partido. Uma questão que ganha maior revelo quando o Conselho Nacional controla essencialmente três áreas: contas, listas de candidatos às diferentes eleições e atividade política.
Os problemas, aliás, não são de agora. A aprovação das listas nas últimas eleições foi e é vista por vários militantes como o momento em que Cotrim Figueiredo perdeu o partido por ter optado por candidatos a deputados sem experiência profissional com o objetivo de ter uma equipa mais leal. O Nascer do SOL sabe que um desses nomes é Patrícia Gilvaz, que motivou forte contestação nos núcleos do Norte – e aos dias de hoje ainda não está completamente resolvida. Era núme ro dois da lista, logo a seguir a Carlos Guimarães Pinto, e por isso mesmo facilmente elegível. Atualmente deputada, é também coordenadora de um núcleo local – o equivalente a uma concelhia nos outros partidos – e membro do Conselho Nacional por inerência. Foi também candidata à União das freguesias de Perafita, Lavra e Santa Cruz do Bispo. Uma situação que causa mal-estar por ocupar várias posições de destaque em todos níveis de autoridade do partido.
Outro nome longe de ter criado consenso é o de Joana Cordeiro, que subiu a número 1 da lista por Setúbal para afastar Diogo Prates, um dos fortes críticos à organização interna do partido, membro da lista B – Liberais Clássicos e ex-coordenador do núcleo de Almada e cabeça de lista nas eleições de 2019.
Aliás, Diogo Prates tem andado a promover o seu livro – Encarar o futuro de Frente –, onde já contou com a presença de Pedro Passos Coelho, Cecília Meireles, Carlos Guimarães Pinto e outros elementos do partido. Mas, ao que o nosso jornal apurou, este nome continua a ser considerado ‘tóxico’ junto da Comissão Executiva, não só devido à sua influência e capacidade de mobilização, como também por causa dos ‘recados’ que dá no Twitter.
A juntar a esta lista surge ainda outro nome: Bernardo Blanco, que é visto por muitos como um funcionário do partido cuja função é a de apoiar todos os presidentes.
As listas de candidatos a deputados só foram aprovadas por pressão de calendário e devido a fugas de informação com vista a pressionar a não negociação dos cabeças de lista com os conselheiros e com os núcleos, como confirmaram ao Nascer do SOLvárias fontes dos liberais.
Contas ‘marteladas’
O Nascer do SOL sabe que as contas são outra dor de cabeça para o ainda presidente do partido. Na apresentação de contas, João Cotrim de Figueiredo, em 2021, disse aos conselheiros que a sua não aprovação era uma questão de ‘deslealdade’. A ‘ameaça’ não caiu bem e a questão ganhou maior relevo ainda nesse ano devido à ‘confusão’ na entrega da contabilidade ao Tribunal de Contas, deixando os conselheiros quase à ‘beira de um ataque de nervos’. Numa primeira versão, apresentou perdas de 114 mil euros, mas na mesma semana em que a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos publicou as receitas e despesas dos partidos relativas a 2021, passou para lucros de quase 28 mil euros.
Fonte próxima do partido admitiu que os conselheiros se mostraram muito ‘preocupados’ com o trabalho do tesoureiro Bruno Mourão Martins, um dos homens fortes do aparelho do partido e apoiante de Rui Rocha. Isto porque a substituição dos ficheiros nunca foi explicada ao Conselho Nacional e foi referida internamente, nas redes informais do partido, como um ‘lapso’.
Na altura, à Visão, um dos responsáveis do partido explicava: «As contas da Iniciativa Liberal referentes ao ano de 2021 foram aprovadas em abril pelos órgãos do partido e enviadas assinadas corretamente à ECFP [Entidade das Contas e Financiamentos Políticos].
Juntamente com as contas corretas foi enviado um ficheiro para publicação no site e esse sim estava incorreto, era um rascunho muito inicial das contas, que não estava completo nem correto. Por lapso, foi esse o publicado no site».
Controlo político
Quanto ao controlo político, o Conselho Nacional nunca reuniu para expressar a sua opinião política em momentos chave, apurou o Nascer do SOL, que sabe ainda que a ‘revolta’ dos conselheiros atingiu o seu auge quando, há poucas semanas, 22 conselheiros solicitaram uma reunião de urgência, à revelia da Comissão liderada pelo João Cotrim Figueiredo, para discutir as propostas de alteração à constituição.
Apesar de se saber há mais de um ano que a Constituição seria revista – em maio de 2021 a Iniciativa Liberal reiterava publicamente a necessidade de uma revisão constitucional –, nunca o órgão máximo entre convenções foi convocado sobre o tema, tal como aconteceu nos outros partidos. Esta reunião extraordinária e urgente acabou por ocorrer «em tom cordato e da elevação do debate», disse fonte próxima da direção, justificando: «Provavelmente devido ao período eleitoral». Ainda assim, o ainda presidente do partido sugeriu que não houvesse votação sobre as conclusões. «Já que cada deputado pode votar como quiser», explicou um conselheiro. O texto indica que o CN aprova uma «recomendação» aos deputados, traduzindo assim a situação de compromisso entre os conselheiros e Comissão Executiva demissionária.
O mesmo cenário já se tinha repetido com a aprovação do artigo 6 da carta digital, em abril de 2021. Em causa, para os liberais, estava o ‘direito à proteção contra a desinformação’, com o Governo promover a criação de selos de qualidade das notícias. Os liberais entenderam a proposta, na altura, como «um primeiro passo para a criação de um Ministério da Verdade». Num primeiro momento, a Iniciativa Liberal, ainda com o deputado único, absteve-se, e perante o coro de protestos internos João Cotrim Figueiredo acabou por solicitar um novo debate na Assembleia da República, questionando apenas o artigo em causa, para alterar o seu sentido de voto e não perder a face junto dos críticos internos no Conselho Nacional.