“Devia afastar-me da liderança do Twitter? Vou respeitar os resultados desta sondagem!”, perguntou e prometeu Elon Musk aos seus usuários, na noite de domingo, através da criação de uma sondagem na rede social. O objetivo? Perceber a sua opinião sobre o futuro do Twitter e sobre a sua própria permanência na liderança da empresa, após meses de turbulência desde que assumiu esse cargo. Num segundo tweet, Musk deixou um “aviso”: “Como diz o ditado, cuidado com o que desejas, porque podes mesmo recebê-lo”, escreveu, sem deixar mais explicações. Numa outra partilha, afirmou acreditar que ninguém quererá o cargo que pode manter vivo o Twitter. “Não há sucessor!”, garante.
Ao terminar o desafio, não restam dúvidas: os seguidores querem que Musk abandone o cargo e há até quem aplauda a atitude, como é o caso dos investigadores da Tesla. Segundo o The New York Times, foram mais de 17 milhões de votos “que mostraram um veredicto claro”: o “sim” recebeu 57,5% dos votos (cerca de 10,06 milhões), enquanto o “não” recebeu 42,5% (cerca de 7,44 milhões).
Segundo os meios de comunicação americanos, a votação ocorreu após o multimilionário anunciar que os utilizadores da rede social “deixarão de poder publicar hiperligações ou menções de redes sociais concorrentes, como é o caso Facebook ou Instagram”. As plataformas proibidas incluíam ainda o Mastodon, Tribel, Nostr, Post e o Truth Social do ex-Presidente Donald Trump – até agora desconhece-se a razão da escolha destes sites, em prol de outros como o Parler, TikTok ou LinkedIn.
Esta ação parece ter sido a sua última tentativa de reprimir certos discursos. Porém, após o alvoroço gerado em torno da nova regra, como escreve o The Independent, o Twitter rapidamente reverteu a política, com Musk tuitando que a rede estava a ser “ajustada” para apenas suspender contas “quando o objetivo principal é a promoção de concorrentes”.
Imediatamente após o lançamento da sondagem, Musk partilhou um outro tweet desculpando-se por este momento, garantindo que, “daqui em diante, haverá uma votação para a introdução de profundas alterações na política” de utilização desta rede social. “As minhas desculpas. Não voltará a acontecer!”.
Polémica atrás de polémica Além disso, até aqui, o caminho não tem sido “fácil”, já que desde outubro deste ano (altura em que comprou a empresa) a sua liderança tem sido marcada por inúmeras polémicas que vão desde demissões em massa na empresa, à queda nas vendas de publicidade, renúncias de executivos e várias contas de usuários importantes suspensas por infrações da política “recém-inventada”, entre os quais então Donie O’Sullivan, da CNN, Ryan Mac, do The New York Times, Drew Harwell, do The Washington Post e Paul Graham, fundador da financiadora Y Combinator (muitas das contas já foram restauradas pouco tempo depois).
De acordo com o The New York Times, Musk baniu estes jornalistas após terem escrito sobre o seu jato privado (muitos deles escreveram recentemente sobre a decisão do multimilionário de banir as contas que rastreavam as localizações de terceiros, “mesmo que com base em informação pública”), alegando que estavam a transmitir “basicamente coordenadas de assassinato”: “Divulgaram a minha posição geográfica em tempo real, ou seja, literalmente as coordenadas que permitiam um assassínio, em violação direta (e evidente) das condições de utilização do Twitter”, referiu Musk.
Ao The Verge, Ella Irwin, chefe de segurança do Twitter, sugeriu que estas contas “colocavam outros utilizadores da rede social em risco” e Musk “entrou no debate para argumentar que as contas visadas pela suspensão estariam envolvidas em doxxing” (nome dado à publicação de dados privados de terceiros).
Nessa altura e devido às más reações e críticas, Musk acabou por criar uma sondagem onde perguntava aos seguidores “durante quanto tempo as contas sancionadas deveriam estar suspensas”. O empresário já o tinha feito quando decidiu desbloquear as contas que estavam suspensas antes de comprar a rede social.
“Elon Musk suspendeu a minha conta no Twitter”, afirmou Taylor Lorenz, repórter do The Washington Post, na sua página na plataforma Substack. Lorenz, que cobre a área da tecnologia, disse que a medida ocorreu depois desta e de um colega “tentarem contactá-lo várias vezes” para comentar um artigo no qual trabalhavam. “Quando fui fazer o login e ver se ele havia respondido à nossa solicitação, estava suspensa. Não recebi nenhuma comunicação da empresa sobre o motivo da suspensão ou quais termos violei”, escreveu.
A editora executiva do jornal em questão, Sally Buzbee, considerou esta decisão uma “suspensão arbitrária de outro jornalista do Post” que minou ainda mais a promessa de Musk de administrar o Twitter “como uma plataforma dedicada à liberdade de expressão”: “Novamente, a suspensão ocorreu sem aviso, processo ou explicação – desta vez porque o nosso repórter apenas pediu comentários de Musk para uma história”, denunciou Buzbee. Ao meio-dia de domingo, a conta de Lorenz foi restaurada.
Segundo Nuno Correia de Brito, especialista em Ciências da Comunicação e Professor no Instituto Politécnico de Leiria e da Universidade Autónoma de Lisboa, o facto de Musk ter comprado o Twitter e agora estar quase a “expurgar” os jornalistas da plataforma – que é bastante usada pelos mesmos como forma de veicular mensagens e formar opinião – mostra mais uma rota de colisão do empresário. “Tal como muitos líderes políticos e económicos mundiais, parece que este quer mostrar que não precisamos dos jornalistas, não precisamos da imprensa. ‘Vamos lá criar a bolha que nós queremos’, devem pensar eles! Querem criar os seus próprios sistemas de poder”, acredita o especialista, acrescentando que Elon Musk é mesmo um bom exemplo disso. “Ele faz tudo à revelia do sistema… Criou o seu próprio sistema como se tem visto. Nesse sistema imperam as suas próprias regras”, frisou. Para si, essa foi mesmo a “última gota”: “Abrir uma guerra aberta contra a imprensa?”, interrogou.
O declínio de Musk Depois disso, a União Europeia sinalizou a possibilidade de avançar com sanções contra a rede social. Numa mensagem no Twitter, a vice-presidente da Comissão Europeia, Vera Jourová, considerou a decisão “preocupante” e lembrou que há “linhas vermelhas”, ameaçando Elon Musk com “sanções, em breve”.
“A liberdade de imprensa não pode ser ativada e desativada por conveniência”, criticou por sua vez o Ministério dos Negócios Estrangeiros alemão, também numa mensagem na rede social. “Por esse motivo, temos um problema com o Twitter”, frisou. Já o ministro da Transição Digital francês, Jean-Noël Barrot, afirmou-se “preocupado com a deriva na qual Elon Musk precipita o Twitter” lembrando que “a liberdade de imprensa está na base da democracia”.
Mas, apesar do também CEO da Tesla ter afirmado que acataria com os resultados da votação, até agora, ainda não houve resposta da sua parte. De acordo com o jornal americano, se este cumprir com o prometido, estará a entregar as rédeas da empresa que comprou por 44 mil milhões de dólares, o equivalente a 41 mil milhões de euros e liderou por 53 dias.
O também fundador da SpaceX, perdeu mais de 110 mil milhões de dólares, o equivalente a 103 mil milhões de euros, ao longo de 2022. Em parte, devido à queda das ações da Tesla e à decisão que envolveu as polémicas do Twitter – a desaprovação foi tamanha que o multimilionário chegou a perder a liderança no ranking de homens mais ricos do mundo, segundo a Forbes.
Quando concluiu o negócio, o empresário vendeu volumes expressivos das suas ações da Tesla para honrar os novos compromissos. Contudo, isso gerou desconfianças em muitos acionistas da fabricante de carros que, por consequência, começaram a vender as suas próprias ações. De acordo com a CNN Business, Musk vendeu esses mais de mil milhões de dólares em ações da Tesla provavelmente para pagar a sua compra do Twitter. Isso fez com que as ações da empresa caíssem 60% este ano (uma das maiores desvalorizações num ano muito negativo para as bolsas e em particular para o Nasdaq, onde a Tesla é negociada). Desde os resultados da sondagem criada pelo empresário, as ações da empresa subiram 5% nas negociações de pré-mercado.
Questionado em tribunal em novembro sobre a forma como divide o seu tempo entre a Tesla e outras empresas, incluindo a SpaceX e o Twitter, enquanto testemunhou sobre a contestação de um acionista ao plano de remuneração de Musk como CEO da empresa de carros elétricos, Musk revelou que nunca pretendeu ser presidente executivo (CEO) da marca e que também não queria ser CEO de nenhuma outra empresa. Segundo o mesmo, este prefere ser visto como engenheiro.
Apesar de Musk acreditar que ninguém gostaria de ficar no comando do Twitter, segundo a mesma publicação – respondendo ao seu tweet de domingo –, o renomado investigador alemão de inteligência artificial e youtuber, Lex Fridman, escreveu que aceitaria o cargo. “Uma sugestão divertida, Musk. Deixe-me comandar o Twitter durante um tempo. Sem salário. Foco em boa engenharia e crescimento da quantidade de amor no mundo. Só estou a oferecer a minha ajuda na improvável possibilidade de ser útil”, escreveu.
Em resposta ao cientista, Elon Musk disse que este “deve gostar bastante de [sentir] dor”: “Um problema: você terá que investir as suas economias no Twitter, que está no caminho certo para a falência desde maio. Ainda quer o emprego?”, interrogou. Naquilo que pareceu uma espécie de indireta, Musk tuitou ainda na noite de domingo que “aqueles que querem poder são os que menos o merecem”.
Além dele, o rapper Snoop Dogg criou a sua própria sondagem no Twitter, perguntando: “Devo ser o novo dono do Twitter?”. No início da manhã de segunda-feira, tinha 1,3 milhão de votos, com mais de 80% dos usuários a escrever que “sim”.
De acordo com a CNN Business, depois de assumir o controlo da rede social, Musk dissolveu o conselho da empresa e o seu C-Suite (dentro da hierarquia de uma empresa, os funcionários do alto escalão são conhecidos como C-suite), “esvaziou-se”. Por isso, como único diretor do conselho e proprietário da empresa, Musk pode nomear o próximo CEO – e também dizer a essa pessoa o que fazer na função.
No lugar da antiga liderança do Twitter, o multimilionário “convocou capitalistas de risco e amigos para trabalhar consigo enquanto avaliava uma série de mudanças significativas na empresa”, escreve a agência de notícias americana. Segundo a mesma, a lista inclui o investidor Jason Calacanis, David Sacks, sócio da Craft Ventures e Sriram Krishnan, sócio geral da Andreessen Horowitz focado em criptomoedas e ex-líder de equipas de consumidores do Twitter. Os media estrangeiros acreditam que alguns desses indivíduos podem estar agora na lista para assumir o cargo se Musk cumprir a sua promessa e renunciar.
Pouco depois de criar a sondagem, Calacanis criou uma outra na sua página onde pergunta quem deveria ser o próximo CEO do Twitter: ele; Sacks; os dois juntos como co-CEOs; ou outros. Até esta publicação, a quarta opção estava a ganhar com 39,1 %.
Recorde-se que um dia antes de concluir a compra do Twitter, o dono da Tesla partilhou um vídeo a entrar na sede da gigante tecnológica, em São Francisco, com um lavatório nas mãos, enquanto falava com alguém que filmava a cena.
Na legenda, Musk escreveu: “A entrar na sede do Twitter, let that sink in“. Sink significa, em inglês, pia — esta pode ser uma referência clara a “afundar”.
Interrogado sobre a forma como o multimilionário tem tomado decisões – a partir das sondagens que cria -, Nuno Correira de Brito acredita que tudo isso não passam de “jogadas”: “No fundo ele quer tentar perceber e ir medindo o seu poder. De facto ele é um líder carismático e está a trazer o populismo para o meio empresarial”, acredita.