Certa vez, por causa dele (e do Vítor Madeira) fomos a Vale de Judeus. À cadeia, quero dizer. Uma delegação e pêras. Presidente do Benfica, João Santos, treinador do Sporting, Carlos Queiroz (“tive o orgulho de ser treinador do Eusébio”), o nosso Velho Capitão, Mário Wilson, Eusébio e Humberto Coelho, Toni e Romeu, Damas e Shéu, alguns de nós jornalistas de A Bola com a mania de que sabíamos dar uns pontapés. O Nelinho passava um momento complicado. Companhias inseguras, sem príncipios, a pata na poça, uma condenação a pena efectiva, tal e qual como o Vítor Madeira. Cumpriram-na, ficaram de bem com a sociedade. Fez-se um jogo. Presos contra não presos. O Mário Wilson treinando os presos, voltando a treinar Nelinho, Joaquim Manuel Rodrigues Silva Marques, para nós sempre o Nelan, à moda do bairro da Boavista onde nasceu, em Lisboa. Foi aí que me contou a história do primeiro campeonato em que o Boavista sonhou com o título, 1975-76. Jogo decisivo no Bessa, na segunda volta, os axadrezados a receberem os encarnados, e o Velho Capitão, ua semana antes: “Nelinho, este domingo não jogas. Vais ver jogar o Boavista e não tiras os olhos do Alves. Aprende tudo sobre ele. No Bessa és tu que vais marcá-lo!”. E o Nelan à rasquinha: “Mas, ò mister, eu não tenho jeito nenhum para isso, sou mais de ter bola…” E era. Um ponta-direita à antiga, que corria como se tivesses asas nos pés à moda de Mercúrio, mas a verdade é que marcou o Alves, e o João Alves, Luvas Pretas, o motor do Boavista de Pedroto quase não tocou na bola, o Benfica ganhou e foi campeão. Nelinho não ficaria muito mais tempo na Luz.
Inédito! Na altura nenhum jogador dos três clubes grandes ia para um mais pequeno a menos que fosse dispensado. Nelinho jogava num Benfica infestado de grandes monstros do futebol português mas tinha a rebeldia própria da sua vida de garoto mal-amanhado. Ia a todas. E tinha um jeito particular para tirar centros milimátricos e para fazer golos inesperados.
O chefe de departamento de futebol do Benfica chamava-se Romão Martins. Ficou famoso por ser forreta num tempo em que o Benfica tinha mais dinheiro que os outros clubes da I Divisão todos juntos. E por causa da sua forretice, sempre a recusar negociar contratos mais interessantes para os jogadores que, nessa altura em cada quatro títulos ganhavam três, viu ir embora gente como Artur Correia, o Ruço, Rui Jordão, o Eurico…
Romão Martins não fez farinha com Nelinho na hora em que o contrato deste estava a chegar ao fim. Teimosia pura e dura dos dois lados e, ninguém dava o braço a torcer, e de repente uma surpresa vinda através de outra das figuras inesquecíveis do nosso futebol, Manuel Barbosa, o homem que tinha uma companhia de viagens e, ao mesmo tempo, começou a participar nos negócios de jogadores. Manuel Barbosa era orgulhosamente de Braga. Convenceu o presidente do clube, Lito de Almeida, a ir buscar o Nelam a Lisboa. Embasbacou-se meio mundo.
Nelinho ganhava 22.500 escudos no Benfica mas exigira que lhe dobrassem o ordenado, ainda por cima no final da sua melhor época pelo clube. Romão Martins nem quis ouvir tal coisa. Manuel Barbosa e Lito de Almeida vieram a Lisboa conversar com Nelinho: o salário que lhe puseram em cima da mesa foi de 95 contos por mês. Com as alcavalas de mais 500 contos no início de cada época. Era muito dinheiro Muito mesmo! Assinou, claro está. E passou três anos no Braga, sendo os bracarenses por duas vezes quartos classificados e uma vez quintos. Mas Nelinho, o Nelan aproveitou para se tornar num dos mais bem pagos jogadores do campeonato português. Agora que o Benfica está a dois dias de se apresentar em Braga para mais um jogo do campeonato é bom recordar um homem castiço como poucos. E muitos de nós sabem como a vida insistiu em ser ingrata para com ele.