O último mundial

Trazer o racismo para dentro do futebol é um enorme disparate. Só serve para envenenar o ambiente. Será que Macron, um gaulês típico, ao consolar Mbappé no relvado, se lembrou por um segundo de que ele era negro? 

Escrevi há algumas semanas que a politização do campeonato mundial que se disputava no Qatar era o princípio da morte do futebol. 

Num mundo muito crispado, onde pululam organizações políticas para todos os gostos – antirracistas, antifascistas, anticomunistas, anti-sexistas, LGBTQIA+, etc., etc. -, caso o futebol se torne um campo de luta destes movimentos tenderá a morrer como espetáculo desportivo. 

Como então recordei, uma das grandes forças do futebol sempre foi sentarem-se lado a lado na bancada, sem distinções, o branco e o preto, o rico e o pobre, o comunista e o fascista, e todos vibrarem em uníssono. À entrada do estádio, as divergências políticas acabavam. Ora, a partir do momento em que elas forem transportadas para as bancadas, ou para dentro dos relvados, o futebol passará para segundo plano e parte da sua magia perder-se-á.

Por isso, discordo frontalmente daquele quadradinho negro que aparece nos ecrãs das transmissões televisivas dos jogos de futebol ingleses onde se lê «No room for racism» (Não há espaço para o racismo). É o aproveitamento do futebol para uma mensagem política.

Como discordo das equipas inglesas que se ajoelham pedindo desculpa pelas tropelias que os seus antepassados fizeram pelo mundo fora. Se formos por aqui, as desculpas nunca mais acabarão. E só os jogadores brancos deveriam ajoelhar-se… 

Mas, independentemente de tudo, o gesto não faz qualquer sentido naquele contexto, porque no futebol não há discriminação racial. Sempre os jogadores negros foram tão acarinhados como os brancos. Entre nós, basta lembrar Eusébio, Coluna, Luisão, Matateu, etc. E a seleção francesa já alinhou com 10 negros, sendo apenas branco o guarda-redes. E continua a ter uma percentagem altíssima de africanos. 

Uma das imagens que ficarão para a História desta final do mundial é o Presidente Emmanuel Macron, um gaulês típico, a consolar no relvado o futebolista negro Mbappé, abraçando-o e beijando-o carinhosamente, perante uma certa indiferença deste. Será que Macron se lembrou por um segundo de que ele não era branco? 

Falar do racismo nos campos de futebol é um disparate: só serve para envenenar o ambiente, agitando um fantasma que não existe.

Para lá das guerras políticas, que o futebol acabou por suplantar, este mundial do Qatar foi palco de outras batalhas. Uma, completamente falhada, foi o pretendido confronto entre Ronaldo e Messi. 

A comparação não fazia sentido, pois são dois jogadores completamente diferentes. Um é um construtor, o outro é um finalizador; um joga no meio da equipa, o outro joga na frente; um é um vagabundo, o outro concentra-se na baliza adversária; um faz jogar e marca golos por acréscimo, o outro se não marcar golos não faz nada. 

Salta à vista que Messi é um jogador mais completo. O que não invalida os impressionantes recordes que Ronaldo conseguiu como goleador. 

Acontece que, no Qatar, um emergiu a grande altura e o outro se eclipsou. Exatamente pelas suas características: Messi é capaz de empurrar a equipa para a frente, enquanto Ronaldo precisa que a equipa jogue para ele. Se isso não acontecer, não existe.

Outro dos episódios deste mundial foi o confronto entre Ronaldo e Fernando Santos. O selecionador teve a coragem de sentar Ronaldo no banco (depois da triste cena protagonizada por este, ao ser substituído num jogo). Santos, muito bem, deixou claro que quem decidia sobre os que jogavam de início e os que se sentavam no banco era ele e não qualquer jogador. 

Mas Ronaldo levou a mal – e a sua família encarregou-se de dizer o que ele sentia. Arrasou Fernando Santos. O que foi extremamente injusto, tendo em conta o modo como o selecionador sempre o tratou, repetindo à exaustão que era o ‘melhor jogador do mundo’ mesmo quando já todos viam que não era. 

Diz-se que no Qatar começou um braço-de-ferro entre Ronaldo e Fernando Santos, que conduziu à saída deste da seleção. Não acredito. Não é possível que o presidente da Federação tenha cometido semelhante erro. Primeiro, porque Ronaldo não jogará muito mais tempo, não podendo ser visto como uma aposta de futuro; segundo, porque isso tornaria o próximo selecionador um boneco nas suas mãos. 

Se foi Ronaldo quem ‘demitiu’ Fernando Santos, o selecionador que aí vier estará refém dele: só o poderá substituir ou sentar no banco se e quando ele quiser. Ora, isto é impensável. 

Em conclusão, este foi um mundial de futebol que começou sob o signo da política mas acabou com um hino ao futebol. O último jogo foi épico. Uma batalha à moda antiga. Eletrizante, imprevisível até ao último segundo, disputada com elevação, lealdade e respeito pelos adversários, com sublimes momentos artísticos.

Para uma geração de grandes jogadores, foi o último mundial. Mas enquanto uns como Messi, Modric ou Di María – que teve a consagração que merecia – saíram do Qatar pela porta grande, Ronaldo saiu pela porta pequena. Foi pena.