Talvez associe a música Don’t Stop Believin’, da banda de rock norte-americana Journey, a noites de karaoke com os seus amigos ou até ao último episódio da icónica série Sopranos, mas agora, o grupo está a esforçar-se para que esta não seja associada ao ex-Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
No passado mês de novembro, Jonathan Cain, teclista do grupo, esteve no resort do ex-Presidente, em Mar-a-Lago, na Florida, onde interpretou a mais popular música dos Journey, num evento onde estavam ainda presentes figuras influentes do partido republicano, nomeadamente a congressista de extrema-direita Marjorie Taylor Greene, a noiva de Donald Trump Jr., e antiga primeira-dama de San Francisco, Kimberly Guilfoyle, e a candidata para governadora do estado do Arizona, Kari Lake.
Segundo a revista Variety, o guitarrista e vocalista do grupo, Neil Schon, único membro original que se mantém no alinhamento dos Journey, abriu um processo judicial contra o colega afirmando que esta performance é “prejudicial” ao grupo.
“Apesar de o Sr. Cain ser livre para expressar as suas crenças e associações pessoais, quando o faz em nome dos Journey ou da banda, tal conduta é extremamente prejudicial para a marca Journey, uma vez que polariza os fãs da banda e a divulgação da sua música. Os Journey não são, e não devem ser, políticos”, pode ler-se numa carta divulgada pelo advogado de Schon, publicada em diversos meios de comunicação.
Cain, de 71 anos, e que, a par de Schon e do cantor Steve Perry, foi um dos autores do êxito de 1981, faz parte do círculo íntimo do ex-Presidente há muito tempo. A esposa do teclista desde 2015, Paula White, é televangelista e conselheira espiritual de Donald Trump.
A apresentação do Mar-A-Lago foi recebida com desgosto por muitos fãs nas redes sociais. “Isto arruinou a música e a banda para mim”, cita a revista. “Adeus, Journey… vocês estão mortos para mim agora”, escreveu outro fã.
“A afiliação não autorizada dos Journey com a política de Donald Trump deixou os fãs da banda em pé de guerra, como é demonstrado por uma amostra dos e-mails anexados e comentários no Twitter. Isto causou e continua a causar danos irreparáveis à marca Journey, à sua base de fãs e potenciais ganhos financeiros, especialmente à luz da próxima tour”, pode ler-se no comunicado, onde é acrescentado e reforçado que “o Sr. Cain não tem o direito de usar o Journey para fins políticos”.
Esta disputa acontece ainda numa altura sensível entre os membros da banda, especialmente entre Schon e Cain, onde os dois estão numa disputa devido ao acesso às finanças da banda. Os advogados de Schon alegando no mês passado que ele não teve acesso aos registos financeiros da banda e de usar o cartão de crédito da American Express partilhado pelos elementos dos Journey.
A equipa legal do guitarrista disse que Schon teve o acesso negado ao cartão depois de usá-lo em “despesas pessoais impróprias” no valor de mais de um milhão de dólares, no entanto, estes esclarecem que a questão de apoiar Donald Trump e este novo processo judicial não pretende “aumentar ainda mais a animosidade que atualmente assola a banda e o relacionamento entre o Sr. Schon e o Sr. Cain”.
Schon não respondeu ao processo levado a cabo por Cain, afirmando que seguirá o conselho do seu advogado e não falará até que ambos estejam no tribunal, onde não terá “nenhum problema”. “É o que é”, confessou.
Músicos contra Trump Schon e Perry já tinham confessado, anteriormente, o seu descontentamento com o facto de o ex-Presidente ter utilizado músicas dos Journey nos seus comícios de campanha, um sentimento que é partilhado por variados artistas como os Rolling Stones, Adele, Rihanna, Aerosmith, Tom Petty, Neil Young, REM, Queen, Earth, Wind and Fire e a viúva de Luciano Pavarotti.
O cantautor canadiano Neil Young processou Trump, em 2020, por utilizar as suas músicas Rockin’ in the Free World e Devil’s Sidewalk num comício em Tulsa. Young afirmou que o ex-Presidente violou os seus direitos de autor, esclarecendo que “não pode permitir que a sua música seja usada como banda sonora para uma campanha divisiva e antiamericana de ignorância e ódio”.
Os Rolling Stones também ameaçaram processar a campanha do Presidente no passado. “Apesar das diretivas para Donald Trump cessar esta atividade no passado, os Rolling Stones estão a tomar novas medidas para impedi-lo de usar as suas canções em qualquer campanha política futura”, disse um porta-voz do grupo, em 2020, ano em que Trump estava a recandidatar-se à Presidência dos Estados Unidos contra Joe Biden.
Até com os mortos o ex-Presidente arranja quezílias, por exemplo, com o falecido Beatle George Harrison, uma vez que estava a usar indevidamente a música Here Comes the Sun, para apresentar a sua filha Ivanka Trump nos comícios de 2016. Os gestores do legado de Harrison disseram que Trump teria de parar de usar esta música, mas, se fizesse questão, ser-lhe-ia permitido usar a canção Beware of Darkness (“tem cuidado com a escuridão”).
Os Journey, no passado, já se tinham oposto a Trump, com Schon e Perry a afirmarem que estavam descontentes com o facto do ex-Presidente usar as suas músicas em eventos. A banda tentou processá-lo, contudo, a equipa legal de Trump argumentava que os seus comícios eram considerados apresentações públicas.
Este argumento deixa os músicos “de mãos atadas” e com a única opção de “distanciar-se publicamente de qualquer tipo de associação” com este político, explica a Variety.
Já em 2017, Schon publicou diversos tweets onde criticava três membros dos Journey por terem visitado a Casa Branca e postarem fotos com o então Presidente.
“Eu expliquei como me sentia ao misturar religião e política e como a nossa música não é de uma religião – democrata ou republicana. Este tem sido um problema comigo, o Sr. Cain e a sua esposa. Tive de lutar todo este tempo para proteger a marca que construí com Steve Perry, muito antes do Gregg [Rolie] e eu escolhermos Cain para o substituir quando ele queria afastar-se da estrada naquela época. Francamente, estou cansado de ter de me defender sozinho”, refletiu Schon, em 2020.