Carlos Chaves. “Só um louco se dedica à causa pública”

Com um percurso profissional de 50 anos, o major-general de 72 espera “lutar contra o comodismo e o imobilismo” com o movimento RPP.

Major-general do Exército português, realizou o concurso de ingresso à Academia Militar em outubro de 1971, sendo que concluiu o curso de Infantaria, como segundo classificado, em agosto de 1975. Passou por inúmeros cargos, como o de comandante do Comando da Doutrina e Formação da GNR, até maio de 2010, quando passou à reserva.

Tem averbados dezanove louvores – 4 de Ministro, 2 de Chefe de Estado-Maior General das FA, 3 de Chefe de Estado-Maior do Exército e 7 de Oficial General – e foi condecorado com cinco Medalhas de Prata de Serviços Distintos, Medalha de Mérito Militar (2.ª e 3.ª classes), D. Afonso Henriques (2.ª classe) e Medalha Militar de Comportamento Exemplar (Ouro e Prata).

Já trabalhou ao lado de figuras políticas nacionais – nomeadamente, de Carlos Carreiras e Pedro Passos Coelho – e, agora, espera que toda a sua experiência seja suficiente para investir na criação e no desenvolvimento do movimento político – mas apartidário – Reagrupar por Portugal (RPP), do qual fala ao i.

 

Por onde tem andado?

Escrevi no SOL e no i durante longos meses e agora sei que tinha razão. Como Sá Carneiro dizia, “é duro ter razão antes do tempo”.

Quais são as suas propostas?

Proponho que Portugal e os portugueses deem um salto qualitativo na organização da reflexão que todo o país tem de fazer. E proponho criar um movimento de cidadãos que designo por RPP – Reagrupar por Portugal.

Será esse um partido político?

Têm de aparecer movimentos de cidadãos que, em liberdade, pensem naquilo que querem para o país. Eu, por exemplo, acho que estarei em condições de, em finais de janeiro, apresentar o movimento já com um ideário, bases doutrinárias, constituição de grupos de ação setoriais e uma coordenação central. No fundo, responder a três perguntas: quem somos?, como somos? e para quem somos? Pretendemos ser um movimento apartidário, mas não apolítico.

Quais são os vossos objetivos principais?

Estabelecemos, desde já, algumas possíveis linhas de ação. Permito-me distinguir as seguintes: rever a Constituição da República, repensar o sistema político-partidário, reorganizar o Estado, dignificar a função pública e os portugueses que a servem, recolocar as instituições nacionais no lugar que lhes é devido e exigido num Estado de direito democrático. Tudo isto com o objetivo: por Portugal e pelos portugueses.

Tem pessoas a caminhar do seu lado?

Somos já hoje mais de 4 mil aderentes e estamos abertos a todos aqueles que acreditarem nas nossas propostas. Assim, pensamos, que 2023 será o ano do lançamento e da preparação para o combate que queremos travar já em 2024: ano de eleições europeias. Estaremos abertos a ir a qualquer sítio do país falar com quem queira connosco colaborar. Em termos concretos da defesa nacional, que é o setor onde me sinto mais habilitado pelos anos que dediquei a esta causa, e por aquilo que fiz de bem e mal, mas sempre com a intenção de servir o meu país e as Forças Armadas, e não entrando em combates estéreis, quero lutar contra o comodismo e o imobilismo. É preciso que a gente saia do pântano: parece que veio para ficar. Durante algum tempo, tivemos a perspetiva de que era possível sair dele, mas considero que ainda não saímos. Terei mais uns ataques diretos e indiretos devido àquilo que estou a dizer hoje.

Porquê?

Não nos esqueçamos de que foi publicada uma notícia sobre o Hospital das Forças Armadas do Restelo neste jornal, eu pronunciei-me, e eu tenho, inclusivamente, um processo em curso por parte de uma ex-diretora. Acusou-me de crime por sempre ter defendido o hospital e aguardo a decisão final com grande expectativa. Contudo, confiando que o problema não é só das pessoas, mas também delas, penso que a senhora ministra, em quem apostei, não tem sido muito feliz nas prioridades que tem estabelecido. As prioridades não têm sido claras nem claramente assumidas. Temos de considerar que tudo é importante, mas algumas coisas são mais prementes do que outras.

O que devia ser prioritário?

Existem cinco prioridades que devem ser tidas em consideração: completar a estrutura funcional das Forças Armadas garantindo adequadas leis de programação, quer do equipamento militar, quer das infraestruturas; preparar com tranquilidade e antecipação alterações próximas das chefias militares; atuar decisiva e decididamente nos processos de captação e retenção dos efetivos – sem paliativos, com verdade e rigor porque nem tudo é igual. Temos de ter soluções diferentes para aquilo que é diferente; completar o programa operacional do Hospital das Forças Armadas já referido e resolver o problema do Instituto de Apoio Social das Forças Armadas com uma passagem da assistência dos militares para a ADSE. E, de uma vez por todas, incorporar o apoio social aos militares no EMGFA com coragem enfrentando aquilo que são as ideias do passado que não têm qualquer aplicação no presente. Quase 50 anos depois do 25 de Abril, é altura de Portugal reagir.

Imaginam-se no Parlamento?

Ainda não. Vamos concentrar-nos nas eleições europeias. Nessa oportunidade, teremos de marcar a diferença.

E no futuro?

O RPP intervirá em tudo aquilo que o Estado de Direito democrático lhe oferecer. Por exemplo, propomos uma reflexão: devemos ter eleições de quanto em quanto tempo? Não devemos reagrupar as eleições num dia do ano? Pessoalmente, sou a favor de aumentar os ciclos políticos para o mínimo de cinco e o máximo de sete anos. Não podemos andar sempre em eleições. Temos de deixar cumprir programas e julgar as pessoas por aquilo que fizeram ou não fizeram. Temos de sair desta voragem, desta fornalha do quotidiano que nos ocupa o tempo e distrai daquilo que é essencial.

Falando da “fornalha do quotidiano”, o que pensa dos últimos acontecimentos políticos? Por exemplo, da nomeação de João Galamba?

Não me quero pronunciar sobre o homem, mas quero pronunciar-me sobre as circunstâncias. Não faz sentido que uma pessoa que, segundo sei, está envolvida em averiguações de grande dimensão em Portugal evolua na carreira política sem tudo estar resolvido. A justiça para ser justiça tem de ser célere: completem-se os processos e castiguem-se aqueles que têm de ser castigados. Vivemos num enorme pântano onde incluo, claro, a justiça. E incluo também a falta de humildade democrática que transformou o nosso país num país de grupos, de famílias, de máfias. Como diz o senhor primeiro-ministro, “vamos lá ver”, mas há três dias falou com irritação, pouca tranquilidade e falta de serenidade que um ministro com sete anos de exercício já não devia ter. Quando entrei decididamente no 25 de Abril, foi para ter um mundo melhor: concluo que não o tenho. E não quero que os meus netos vivam neste loudaçal e nesta inquietude permanente. Tudo o que nasce morre e esta democracia tem de morrer: têm de aparecer novos Montesquieu e Voltaire. Temos de ter uma democracia limpa e de verdadeiros democratas. Hoje em dia, e lamento muito dizer isto, só um louco se dedica à causa pública: e eu tenho um pouco de louco. E eu centro esta causa em Viseu porque temos de partir do “centro para a periferia”!

Mas trabalhou com Carlos Carreiras. Portanto, daquela que define como periferia para o centro.

Sim, mas temos de alargar a mancha de óleo. Percebi que tudo é possível com determinação. Tento ter um equilíbrio entre amigos e inimigos, mas não me importo nada de ter inimigos: são eles que me dão força para lutar. Se virmos os males e olharmos para o lado, somos bananas. Portanto, vivemos numa República das Bananas. Não voto há seis anos porque considero que votar no mal menor é votar no mal. E não quero votar no mal seja ele pequeno ou grande. E só voto se souber que o meu voto contribui para o bem do meu país. Fico revoltado em casa, mas nunca darei o meu voto para que tudo fique igual.

Já tem membros de outros partidos políticos a aproximarem-se?

Sim, e isso dá-me força, mas o requisito fundamental é ser-se apartidário. As pessoas têm de se desligar dos partidos a que pertencem. Desde que adiram ao nosso ideário e queiram servir Portugal e os portugueses, estão totalmente à vontade para se juntarem a nós! Queremos representar o cidadão médio de Portugal e não elites!

Pedro Passos Coelho terá alguma participação neste movimento?

Terá o lugar que ele desejar. A adesão ou não adesão a este projeto só ele próprio pode decidir. Ele é um potencial do nosso país que não pode nem deve ser ignorado, mas ele é que sabe aquilo que deve fazer. Quem é amigo dele, como eu julgo que sou, somente tem de o respeitar para ouvir se está ou não pronto.

Como será composto o movimento?

Gostaria que este movimento tivesse 40% com mais de 50 anos e 60% com menos de 50 anos. À juventude faltam o tempo e o termo de comparação com aquilo que foi Portugal antes de 1974. E isto podemos colmatar com o grupo de reflexão e análise da Beira, que criaremos para realizar sessões, e já está escolhida a figura – de renome nacional – que o dirigirá.

E com as redes sociais podem aproximar-se dos mais jovens.

Sim, estamos nas redes com a associação Viriatos.14 – associação filantrópica, humanista, de direito privado e sem fins lucrativos – e com o RPP já quase com 8 mil gostos. Cada um aderirá ao movimento ou aos movimentos que quiser. Podem também visitar-nos em Viseu, no Palácio dos Silveiras, na Rua Direita (antigo Quartel General). Gostaria que tanto a associação como o RPP fossem dois movimentos de encontro de pais, avós, netos, filhos… Porque se não resolvermos os problemas que existem nas famílias, nunca resolveremos os problemas que existem no país.

Portanto, “tudo começa em casa”?

É uma grande verdade. Se não formos capazes de introduzir essa prática na sociedade portuguesa, não seremos um país de sucesso. Com 72 anos de idade e 52 de vida no setor público, não tenho quaisquer dúvidas disso. Temos de ter um lar e não uma casa.