Papa segue exemplo de Bento XVI e resigna depois das Jornadas da Juventude

Faz 10 anos de pontificado em março e deve anunciar a resignação antes do final do ano. O Papa Francisco quer dar o exemplo de não se perpetuar no cargo até à hora da morte, e sente-se cansado. A Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa, deve ser uma das últimas aparições no estrangeiro.

O tema tem animado as discussões sobre o futuro do Papa Francisco, mas o representante máximo da Igreja Católica também tem contribuído para festa, respondendo de forma mais ou menos evasiva ao tema da sua reforma antecipada, ou melhor dizendo, a passagem a Papa emérito. Fontes eclesiásticas do Vaticano garantem ao Nascer do SOL que Francisco irá renunciar depois da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), que ocorrerá entre 1 e 6 de agosto do corrente ano, em Portugal, por sentir que a sua condição física não lhe permite acorrer a todos os desafios que gostaria de enfrentar. Se em junho do ano passado, Francisco dizia: «Nunca me passou pela cabeça» tal intenção, já no final do ano, em 18 de dezembro, surpreendia o mundo católico ao anunciar numa entrevista ao jornal espanhol ABC que tinha entregue, quando foi nomeado Papa, ao então secretário de Estado do Vaticano, cardeal Tarcisio Bertone, uma carta de renúncia, «em caso de impedimento por razões médicas» . Curiosamente, o chefe do governo do Vaticano acabaria nesse mesmo ano, 2013, por se reformar, comprando uma casa que criaria uma enorme polémica, pois há acusações de que o dinheiro da compra – cerca de quinhentos mil euros – foi subtraído aos fundos do hospital pediátrico Bambino Gesù.

Já se sabe que o Vaticano é muito fértil em histórias pouco dignificantes, e Francisco notabilizou-se precisamente por querer combater os privilégios da nomenclatura de Roma, o que lhe tem causado alguns dissabores.

E é por se sentir cansado que, aos 86 anos – um ano mais velho do que Bento XVI quando renunciou –, o Papa Francisco terá comunicado aos seus próximos que depois da JMJ se vai retirar, seguindo as pisadas de Bento XVI. Para justificar a carta de renúncia, Francisco lembrou o caso de Paulo VI, que terá feito o mesmo, e, embora não tenha sido tão afirmativo, Francisco pensa que Pio XII também deixou a sua carta para ser substituído no caso de se confrontar com problemas de saúde.

Segundo as mesmas fontes do Vaticano, Francisco também quer dar o exemplo a futuros Papas, para que estes não sigam a tradição dos anteriores, que só deixavam o papado quando morriam. João Paulo II, por exemplo, que foi sucedido por Bento XVI, exerceu o seu pontificado durante 26 anos, demonstrando grandes debilidades antes de morrer, à semelhança de tantos outros.

Francisco, meio a brincar, meio a sério, fala do tema da renúncia e não foi por acaso que num dos encontros preparatórios da Jornada Mundial da Juventude desabafou com D. Américo Aguiar, coordenador do encontro, diálogo que o bispo auxiliar de Lisboa conta na segunda parte da entrevista ao_Nascer do SOL de hoje: «Não há jornada sem Papa. O Papa vem. Ele próprio diz a brincar que pode ser o João XXIV ou o Francisco II. Tem que ter Papa, sem Papa não há jornada» (ver págs. 12-15).

 

O incómodo de haver dois Papas eméritos

Muito se tem falado sobre a renúncia de Francisco, havendo até notícias que davam conta de que estaria com um cancro, algo que o mesmo desmentiu categoricamente. Nos corredores do Vaticano discutia-se o incómodo que causaria haver dois Papas eméritos, facto que terá atrasado a decisão do Papa argentino. Com a morte de Bento XVI esse problema deixou de existir, e Francisco poderá agora seguir os passos do antigo cardeal Joseph Ratzinger, que, ao que se diz, já na pele de Papa, renunciou precisamente por não se sentir em condições de ir à Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro, Brasil, que se realizaram meses depois da abdicação.

 

Dois homens vestidos de branco

A imprensa religiosa, e não só, deu conta dos inconvenientes de haver dois Papas eméritos, havendo mesmo quem questionasse quer a designação, quer a vestimenta. Começando pelo cargo, segundo relatos da imprensa internacional, o cardeal australiano George Pell, próximo da linha filosófica de Bento XVI, defende que não faz sentido os Papas que resignam ficarem só com o nome de Papa emérito. Para Pell, os Papas eméritos deviam voltar à condição de cardeais, no caso de Francisco, voltaria a ser Bergoglio. Pell também não concorda que dois Papas possam usar a roupa branca, defendendo que só o Papa em exercício é que a devia poder usar, até para se clarificar que existe apenas um Papa.

 Também teólogos da universidade de Bolonha sugerem que é muito importante acabar com a ideia de que a Igreja «tem duas cabeças ou dois reis», tendo então proposto um conjunto de regras para simplificar, destacando-se a designação. Para os teólogos da Universidade de Bolonha, o Papa que resigna deve ficar com a designação de bispo emérito de Roma, o que simplificava muito, já que os bispos eméritos devem «evitar toda atitude e relacionamento que possa sugerir algum tipo de autoridade paralela à do bispo diocesano, com consequências prejudiciais para a vida pastoral e a unidade da comunidade diocesana», segundo o site brasileiro Terra, que cita os autores.

E aqui sobressai logo o comportamento de Bento XVI, que, já como Papa emérito, deu entrevistas, escreveu livros e ainda tomou algumas posições no Vaticano, indo ou não ao encontro das ideias de Francisco. Os bispos eméritos devem pautar-se pela discrição e recato.

Curiosamente, o Papa Francisco quando foi questionado sobre esta matéria pelo jornal espanhol ABC, brincou, de forma séria, com o assunto, dizendo que não tem intenções de definir o estatuto jurídico do Papa emérito: «Tenho a sensação de que o Espírito Santo não tem interesse em que eu me ocupe dessas coisas», disse.

Mas também disse que quando deixar de ser Papa gostaria de ser tratado por bispo emérito de Roma, por ser «a minha diocese», e que não tenciona regressar à Argentina nem ficar no Vaticano, preferindo arranjar uma casa modesta na capital romana. Até para poder ficar perto de uma grande igreja para poder passar os últimos dias a «ouvir confissões», segundo cita o Terra.

Resumindo, tudo indica que uns tempos depois da JMJ o Papa Francisco abdique do papado, coincidindo, em princípio, com a resignação do cardeal patriarca de Lisboa ao seu cargo. Francisco esteve esta semana com D. Manuel Clemente e D. Américo Aguiar – aquando das cerimónias fúnebres de Bento XVI – a quem terá garantido que virá mesmo a Lisboa em agosto. Depois será o tempo de se retirar, prometendo que não irá escrever livros, nem dar entrevistas.