Igreja em busca dos fiéis perdidos

O apelo do Papa para os bispos abrirem as portas da Igreja a todos, independentemente da sua moral, divide os sacerdotes portugueses.

A ideia é clara, embora a forma de a concretizar não o seja. O Papa Francisco pediu uma nova forma de viver a fé, em que os leigos são convidados a participar como intervenientes de corpo inteiro e não apenas como espectadores. Numa linguagem mais coloquial, o Papa quer que as Igrejas sejam espaços onde os fiéis participam no dia-a-dia e não vão só ouvir os sermões dos padres.

Onde é que a ideia não é clara? É que há padres que entendem que uma ala, a chamada progressista, quer mudar o conceito de moral da Igreja, alterando, por exemplo, conceitos de pecados e por aí fora. No fundo, estamos perante duas visões muito distintas, estando de um lado a ‘escola’ alemã, onde existe uma Conferência de Leigos diocesanos que discute com a Conferência Episcopal alemã praticamente em plano de igualdade, e, do outro lado, aqueles que se dizem continuadores da palavra de Cristo.

Indo direto ao que mais divide estas duas correntes, os chamados progressistas querem a possibilidade do casamento dos padres, a ordenação das mulheres e que a moral sexual seja alterada em relação ao que vem de trás. Defendem alguns que só dessa forma se pode voltar a encher as igrejas, já que os fiéis se identificarão melhor com os problemas atuais, acabando dessa forma, segundo os tais progressistas, por encontrar um caminho conjunto para ultrapassar os problemas da vida.

Do outro lado, estão os padres da continuação que, argumentam, só seguem as diretivas do Papa, de irem «ao encontro das pessoas nas suas casas, ajudando-as na doença e no sofrimento, sem haver necessidade de se querer mudar a moral religiosa. As pessoas que, por exemplo, estão em casa doentes pouco ou nada se importam com essas visões ditas progressistas. Querem é o apoio do padre e da Igreja, seja na saúde ou na fé», diz ao Nascer do SOL um padre de Lisboa.

 

O documento final sinodal

A Igreja Católica está a ouvir todas as dioceses a nível mundial para perceber o que é preciso fazer para que todos «possam caminhar em conjunto», sem excluir ninguém. Depois, no final do corrente ano haverá um encontro em Praga onde os bispos dirão de sua justiça, que é como quem diz, falarão dos problemas apontados pelos fiéis nos respetivos países. Já se percebeu que a Igreja perde praticantes a um ritmo impressionante – D. Manuel Clemente, o cardeal-patriarca de Lisboa, chegou a dizer à Ecclesia que acredita que menos de 15% dos que se dizem católicos são praticantes e frequentam a igreja ao domingo – e o objetivo é conseguir recuperar aqueles que se divorciaram da prática religiosa e ir de encontro aos que se sentem excluídos.

Foi por isso, e para responder ao apelo do Papa, que a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) emitiu uma série de notas ou avisos para os bispos porem em prática no período do Sínodo. Num dos documentos, lê-se: «O que se procura nesta questão é o sensus fidei de todo o Povo de Deus. Uma vez que cada Diocese tem um contexto único, o seu caminho para procurar, promover e colher os frutos deste sensus fidei será único. Em geral, as diretrizes do Sínodo lembram-nos que: O objetivo é garantir a participação do maior número possível de pessoas, para escutar a viva voz de todo o Povo de Deus; Isso não será possível, a não ser que nos esforcemos particularmente para chegar ativamente às pessoas nos lugares em que realmente estão, especialmente aquelas que, muitas vezes, são excluídas ou que não estão envolvidas na vida da Igreja; É preciso concentrar-se claramente na participação dos pobres, marginalizados, vulneráveis e excluídos, de modo a escutar a sua voz e a sua experiência; O Processo Sinodal deve ser simples, acessível e acolhedor em relação a todos».

O melhor exemplo do que pediu a CEP foi dado por D. Armando Esteves Domingues, na sua primeira homilia como bispo de Angra, citado pela Ecclesia: «Gostaria de poder exercer um ministério aberto: a minha porta, a comunicação e coração estarão sempre abertos para todos: clérigos ou leigos, mais ricos ou pobres, mais idosos ou jovens, seja na casa episcopal ou em qualquer casa em outras ilhas. Que não se diga que o bispo anda sempre muito ocupado. Vou procurar marcar dias e horas de porta aberta, mesmo sem marcar». Depois explicou qual a sua segunda prioridade, tendo-se referido ao sínodo 2023/2024: «Na escola da sinodalidade a vida da Igreja será mais participada por todos, menos clerical e mais capaz de compreender e dialogar com as novas culturas. Não há célula mais sinodal que a família e, delas, podemos aprender melhor o que seja ‘caminhar juntos e unidos’! Atrevo-me a dizer: nada sem a família. Nada sem as ‘igrejas domésticas’! Os membros da família perceberão porventura melhor o clamor dos que pedem melhor acolhimento, que não sejam julgados ou até rejeitados».

Como se pode constatar facilmente, o menos clerical está bem presente, abrindo a porta a todos. Já a sua terceira prioridade vai para Jornada Mundial da Juventude. «Nenhum jovem açoriano deverá ficar de fora a ver passar os aviões ou os navios e não falo apenas dos ligados às paróquias ou Movimentos. Todos têm lugar e voz! A tudo o que tenha a ver com Jovens ou Jornada Mundial da Juventude, darei prioridade na minha agenda deste ano. Gostaria de poder entrar também na vossa agenda e caminhar convosco».

Já em Portimão, a 14 de janeiro, D. Manuel Quintas, bispo do Algarve, defendia um maior envolvimento dos leigos. «Isto é um direito também que brota do batismo. No batismo não temos só deveres, temos direitos também. E esta consciência renovada de nos sentirmos todos corresponsáveis pela vida das nossas paróquias dá um alento novo, faz com que as comunidades sejam mais vivas porque há mais vitalidade, há mais gente a participar». E acrescenta: «Isto não deve ser visto como uma condescendência do bispo ou dos párocos que deixam os leigos dedicarem-se corresponsavelmente nas paróquias».

De notar que estes dois discursos são de bispos vistos como estando na linha dos ‘conservadores’, um tem 66 anos, o outro 73. Curiosamente, conservador é uma palavra que incomoda aqueles que não se reveem nos progressistas, na tal linha alemã. «O que nós queremos é estar próximo das pessoas e das suas preocupações. O casamento dos padres, a ordenação das mulheres e a revisão da moral sexual já são questões discutidas desde os anos 60 do século passado. Para nós é mais importante estar ao lado de pessoas que sofrem de depressões, de pessoas que estão desequilibradas e querem mudar de sexo, e por aí fora. Mas, como pode constatar, seguimos os apelos do Papa de abrir as portas e até a sairmos das igrejas e ir de encontro aos fiéis», conclui outro padre jovem de Lisboa.

Digamos que a Igreja irá viver dois anos muito agitados até às conclusões finais dos sínodos mundiais. As divisões começam a ser mais claras e uma entrevista do antigo reitor ao Jornal de Leiria é um bom exemplo: «Estive 35 anos como reitor. Antes, vivi aqui durante alguns períodos. Quando deixei a função de reitor, a minha vontade era mudar-me para a Casa do Clero, em Fátima. Porém, o bispo diocesano mandou-me ficar a viver no Santuário. Era natural que fosse observando o desenvolvimento da ação pastoral. Comecei então a dar-me conta de que o princípio fundamental era diferente do que tínhamos seguindo antes. Ou seja, no meu tempo a prioridade eram os peregrinos em geral, os quais podem considerar-se pobres, a classificação humana que mais convém aos filhos de Deus. No atual programa do Santuário, o fito primário mais explícito são os intelectuais. A dedicação total à intelectualidade não deixa espaço para a dedicação aos pobres», disse o padre Luciano Guerra, que entende que se «impõe um enorme esforço de purificação do Santuário de Fátima».