Continuamos a assistir a um braço de ferro entre bancos e sindicatos em torno dos aumentos salariais.
Em relação a 2022 é um processo que ainda não demos por encerrado. Houve um conjunto de sindicatos, de natureza mais político-partidária que, em março do ano passado, numa altura em que a inflação dava evidentes sinais de disparar, resolveram, por razões que desconhecemos, assinar um acordo em torno de 1,1%. Os sindicatos independentes recusaram e continuaram a negociar, mas como os bancos mantiveram a sua posição irredutível fomos para a Direção Geral do Emprego e Relações de Trabalho (DGERT) e entrámos numa fase de conciliação que terminou recentemente. Nessa fase, os bancos mantiveram a sua posição de 1,1%, os sindicatos independentes não aceitaram e passámos à fase de mediação. Existe um dispositivo consagrado na lei para resolução e mediação de conflitos, onde supostamente o Ministério do Trabalho, através da DGERT, tem um papel de árbitro e compete-lhe fazer uma proposta que seja racional. A nossa esperança é que todo este dispositivo seja realmente efetivo – ficaríamos muito desconfortáveis se houvesse algum tipo de interferência governamental ou outra que afetasse a capacidade e independência da DGERT. Além disso, temos uma menos boa experiência em relação a 2021, onde fomos para a conciliação e depois para a mediação e para nosso espanto houve uma conclusão absolutamente inaceitável. Um bocadinho como se o juiz, reconhecendo que houve crime, que existe prova, arma, etc. resolve dizer ‘bom, não vou condenar porque já passou algum tempo e com certeza que já se regenerou’. E foi este tipo de sentença que nos deixou um bocadinho estupefactos, pois achou que a proposta de meio por cento era boa. Nesta fase de mediação esperemos que vigore a independência, mas vamos estar particularmente atentos para perceber até que ponto é que o Estado se subordina às leis da República.
E se ganharem receberão com retroativos?
Tem de haver obviamente retroativos para todos os bancários e não apenas para os sócios deste sindicato. Achamos que é um tema de bom senso. Em 2022, os bancos tiveram resultados recordes face aos últimos 17 anos e com inflação média anual de 7,8% não faz sentido os bancos persistirem em 1,1%. Estamos crentes como cidadãos e como contribuintes que as nossas razões vão ser atendidas. Para 2023, os sindicatos independentes fizeram uma proposta, atendendo às condições de exploração dos bancos, à sua rendibilidade, à rendibilidade dos capitais, dos ativos e aos níveis esperados de imparidade – ou seja, tendo em conta uma panóplia de fatores, nomeadamente também a produtividade e os ganhos de produtividade – de 6,25%. Os bancos responderam com 2,5%, na segunda ronda negocial continuaram com 2,5%, apesar de uns dias antes, não sei se na sequência das manifestações que foram feitas junto a três bancos, Novo Banco, BPI e Santander, porque são os três principais bancos que integram o grupo negocial das instituições de crédito, fizeram um adiantamento por conta das negociações de 4% sobre as tabelas base e, no caso do Santander, sobre as diuturnidades. Estamos a negociar para os 50 mil que estão no ativo e para os 50 mil reformados da banca, o que impacta cem mil pessoas e respetivas famílias, admito que perto de 300 mil pessoas são impactadas pelo resultado das negociações. Ainda estamos relativamente longe, porque, para nossa surpresa, apesar de alguns bancos já terem feito um adiantamento de 4% aos trabalhadores no ativo e só sobre algumas das rubricas remuneratórias, na ronda oficial seguinte mantiveram os 2,5%. Imagino que isto seja uma forma de pressão, diria desajustada e desapropriada no sentido de manterem as expectativas baixas. Isto, numa altura em que os bancos felizmente estão a apresentar aumentos de lucros.
E a tendência dos restantes bancos será essa…
Ganhar dinheiro é bom, é a função social das empresas, agora temos muito trabalho a fazer. É preciso repartir esta rendibilidade por aquilo que são os intervenientes numa economia social de mercado: trabalhadores e clientes. Não deixamos de estar atentos às recentes declarações do governador do Banco de Portugal, com quem nem sempre temos estado convergentes, mas que disse duas coisas importantes. Primeiro, que existe margem para baixar as comissões e tenho a certeza que os banqueiros tomaram nota. Talvez agora seja a hora de publicar dados com quadros comparativos sobre preço das comissões em 2022 versus o preço das comissões em 2023, porque todos, cidadãos e empresas, estão impactados pelo nível de comissionamento, nomeadamente junto dos meios de pagamento, manutenção de contas à ordem, etc. E a segunda é que havia espaço e era desejável aumentar a remuneração dos depósitos. Também estou crente que o regulador irá nos próximos dias ou semanas publicar informação detalhada sobre isso. Será moralmente inaceitável que com margens financeiras finalmente em terreno positivo, a rendibilidade deste acréscimo fosse apenas para benefício dos acionistas. Tem de ser para benefício dos acionistas, obviamente, mas também para os trabalhadores.
Em relação às comissões é fácil subir mas mais difícil descer…
Por isso é que existe um regulador, caso contrário, não se justifica existir bancos centrais locais. Agora é preciso ver se a sua recomendação será cumprida e se não for, o que tenciona fazer.
E quanto ao aumento da remuneração dos depósitos? A decisão está na mão dos bancos…
Obviamente com a inflação em valores altos, as poupanças não estão a ser remuneradas. O governador tem a faca e o queijo na mão, mas o setor tem claramente capacidade de se regenerar e de se autorregular. E é mais sensato o setor fazer isso do que ficar à espera de uma iniciativa legislativa que provavelmente será muito mais desproporcional do que o setor faria ou deveria fazer se fizesse isso por antecipação. Pela experiência dos últimos anos em Portugal espero que o governador seja mais consequente, mais afirmativo e que os bancos remunerem os trabalhadores de forma adequada e remuneram os seus depositantes.
Até há pouco tempo os bancos não tinham interesse em captar depósitos…
Há um ano as taxas Euribor estavam negativas e manter depósitos era uma operação pouco interessante. Hoje não é assim e historicamente a experiência dos últimos 50 ou 60 anos em Portugal diz-nos que metade da conta de exploração de um banco vinha da gestão dos passivos, isto é, da sua capacidade de captar depósitos e a outra metade vinha da sua competência, da sua capacidade de conceder crédito. Durante estes oito ou nove anos de taxas Euribor cada vez mais baixas e nos últimos anos de Euribor negativas, os bancos estavam amputados de metade do seu potencial de fazer receitas, agora com a taxa Euribor a crescer, os bancos voltam a ganhar dinheiro quando têm depósitos.
Os banqueiros têm ‘desvalorizado’ o aumento dos juros nas prestações do crédito à habitação. Acha que estão demasiado otimistas?
Existe um livro célebre de um par de economistas que foi publicado há uns anos, cuja tradução em português será mais ou menos ‘Desta vez é diferente’ e é uma evidência histórica dos últimos 90 anos de sucessivas crises monetárias nos Estados Unidos e na Europa – desde os anos 20 da Grande Depressão até às mais recentes, como a crise do subprime – que são marcadas pela sua imprevisibilidade, ou seja, a capacidade de antever o futuro mesmo dos agentes políticos e dos agentes económicos mais bem informados tendencialmente é zero. O facto de ser presidente de uma grande empresa ou de ser primeiro-ministro não dá a nenhuma destas pessoa uma capacidade especial de adivinhar o futuro. Depois, em todas as crises, e foram analisadas nove, os autores concluíram que os principais decisores políticos e económicos, em cada uma das épocas, diziam sempre ‘desta vez é diferente, estamos mais bem preparados, sabemos o que vai acontecer e estamos preparados’ e depois os resultados são os conhecidos. O desta vez é diferente é uma das falácias mais repetidas no mundo da economia e da política e historicamente não tem sido diferente, apesar das entidades e das empresas estarem com mais informação, nomeadamente informação histórica sobre a crise anterior, mas o que é certo é que as crises se manifestaram precisamente porque tiveram origens diferentes, modelos de desenvolvimento diferentes. Eventualmente, a melhor preparação terá evitado uma série delas, mas não evitou todas, por isso, não parece assim absolutamente líquido que haja alguém com capacidades especiais para adivinhar o futuro e que desta vez seja diferente.
Mas isso até levou à polémica em torno das declarações do presidente do Santander…
Temos o máximo respeito por Pedro Costa Almeida, apesar de, por vezes, nos termos encontrado em campos diferentes, com visões e práticas diferentes. Mas em relação ao crédito à habitação, em Portugal 92% dos empréstimos têm taxa variável, 5 ou 6% são uma mistura entre taxa fixa a curtíssimo prazo até dois/três anos e com taxa variável a seguir e, verdadeiramente, as taxas fixas são residuais. Isto é uma especificidade portuguesa, com exceção da Itália, mas a uma escala bem menor. Não há nenhum outro país na Europa que tenha os seus empréstimos à habitação a taxas variáveis. Por isso, este problema da subida das Euribor de menos 0,3% para 3,5 ou 4% tem um impacto direto, único e exclusivamente nos bolsos dos portugueses. Não vamos ter aqui solidariedade europeia, a não ser que iremos atrás dela. Seria muito prudente que as autoridades monetárias portuguesas, supervisor e os agentes políticos sensibilizassem primeiro Bruxelas para a especificidade portuguesa. Segundo, que desenhassem um plano de contingência, porque o que estamos a verificar é que os cidadãos médios portugueses não vão ao restaurante porque não podem, os cidadãos médios portugueses tiveram uma perda de poder de compra em 2022 e, em média, ficaram amputados do equivalente a um salário. Os trabalhadores portugueses e as suas famílias estão com uma escalada das taxas de juro que são a base do crédito à habitação e daquilo que se chama o crédito ao consumo, que muitas vezes não é mais do que o crédito automóvel, e que de consumo não tem nada. Esta escalada não tem paralelo na Europa e, por isso, o grosso das famílias está com aumentos de 30 a 40% na sua prestação, sem que se veja um cenário de acalmia ou de inversão desta tendência.
E por que só existe em Portugal?
Penso que é uma questão cultural. Por exemplo, até o início dos anos 90 e mesmo no início da década de 90 só havia três bancos com licença para fazer empréstimos à habitação. Os restantes têm cerca de 30 anos e também a literacia financeira dos portugueses reflete algum atraso histórico face a outros países. Se nos outros países a aquisição do crédito era uma coisa normal há uma centena de anos, em Portugal tem cerca de 30 anos e as taxas variáveis obviamente que tendem a ser mais baixas. Em sociedades de médio rendimento, como a portuguesa, em que as prestações da casa assumem um papel muito importante provavelmente era a opção que parecia menos onerosa. E num contexto em que as taxas de juro em Portugal se foram aproximando das médias europeias devido à integração na União Europeia primeiro, e depois à moeda única, este processo de taxas de juro variáveis pareceu um processo virtuoso. A tendência era de descida e, como tal, de algum alívio. Mas olhando para mercados mais maduros faz sentido que na aquisição de uma casa a crédito a família consiga ter uma programação a 20, 30 ou mais anos de qual é o esforço financeiro que lhe é exigido. Isso é claramente um raciocínio nos mercados no centro da Europa, dos mercados anglo-saxónicos, onde é pouco concebível que as pessoas joguem a casa no mercado das taxas de juro e na lotaria das taxas de juro de curto prazo.
Nos últimos anos assistimos à redução do número de trabalhadores e ao encerramento de balcões. Esta sangria já acabou?
Em 2023, não antevemos que haja reduções significativas, quer no número de trabalhadores, quer nos pontos de distribuição e de serviço à população. Diria que é um período de estabilização, o que é normal num contexto de margens financeiras elevadas.