Por Manuel Boto, Economista
No passado dia 17 de novembro, foi apresentado pelo Governo, ainda com Pedro Nuno Santos, o ambicioso Plano Ferroviário Nacional (PFN), devidamente enquadrado numa das suas prioridades estratégicas, ou seja, a melhoria do ambiente. Com este propósito, o PFN visa a redução das emissões de 40% de emissões de gases com efeito de estufa nos transportes e mobilidade, prometida para 2030, pelo que não surpreende o enquadramento, nele efetuado, do Plano Nacional de Investimentos 2030 (PNI 2030).
Nessa apresentação, em que foi enfatizada a importância estratégica da articulação do PFN com a expansão das redes de metro de Lisboa e Porto e o investimento no transporte urbano (essencial para a redução do seu custo), definem-se como objetivos principais do PFN, a concretizar num horizonte temporal até 2050 : (i) a transferência modal para a ferrovia, passando de 4,6% para 20% nos passageiros e de 13% para 40% no transporte de mercadorias, e (ii) assegurar ligação aos 28 centros urbanos de relevância regional.
Assim, o PFN retoma os objetivos do PNI 2030 que pretende privilegiar a linha de Alta Velocidade Lisboa/Porto de forma a libertar capacidade e desbloquear constrangimentos na Linha do Norte. Para o tráfego de mercadorias, ir-se-á reforçar a capacidade na ligação a Sines. Adicionalmente, há investimentos previstos nas Áreas Metropolitanas, em particular, nas estações de Roma-Areeiro (Linha de Cintura de Lisboa), no Braço de Prata (Linha do Norte) e no troço Contumil/Ermesinde (Linha do Minho). Uma pequena nota para a criação de condições para a circulação de comboios com 750 metros nalgumas linhas nacionais por forma a privilegiar as que façam parte da Rede Transeuropeia de Transportes (RTE-T), sobretudo as que irão abranger os portos e ligações transfronteiriças.
Há, contudo, uma questão crucial que deveria merecer uma reflexão mais aprofundada no PFN e que se prende com a bitola ferroviária, fundamental para a rede de Alta Velocidade (AV), sobretudo nas ligações internacionais, bem como para a rede de transporte de mercadorias. A atual bitola ibérica que até já nos foi muito útil a ajudar a impedir a invasão pelas tropas de Hitler, é incompatível com a europeia e há que assegurar que a rede de AV (como Madrid, com passageiros) e as ligações internacionais fiquem dotadas de soluções técnicas disponíveis, que permitam a migração para a bitola europeia. Por exemplo, com a utilização de travessas polivalentes e/ou a tecnologia de eixos variáveis, solução cada vez mais maturada, sempre sem comprometer a continuidade da exploração sem custos ferroviários acrescidos.
Sobre as mercadorias, o próprio PFN reconhece que a «a criação de ligações ferroviárias em bitola padrão (1435 mm) teria inegáveis vantagens no transporte de mercadorias internacional de longa distância, contribuindo para melhorar a competitividade das exportações portuguesas». Claro que avançar para esta solução, em particular no contexto do transporte ferroviário de mercadorias, implicaria que do lado do território espanhol também estivesse garantida a operação em bitola europeia, a globalidade do ‘hinterland’ dos portos nacionais e desenvolvido o mercado geográfico (em Espanha) das empresas nacionais.
Desta forma, será primordial acompanhar os desenvolvimentos em Espanha e prosseguir uma estreita articulação com as suas autoridades, por exemplo no Grupo de Trabalho conjunto no âmbito do Corredor Atlântico, particularmente relevante na interoperabilidade entre as redes dos dois países.
Uma nota final economicista, a relembrar que nas opções a tomar há que ter em especial atenção os custos de exploração, tendo presente que os utilizadores optam sempre pelas soluções economicamente mais convenientes. Por exemplo, no tráfego ferroviário proveniente do território nacional e com destino além-Pirenéus, existe sempre como alternativa a via marítima com custos diretos provavelmente inferiores. No entanto, os cálculos das alternativas em equação deveriam ser refeitos por forma a incorporar obrigatoriamente nos custos por unidade de carga transportada todas as externalidades ambientais e só depois os comparar para documentar as eventuais vantagens ambientais da ferrovia.
Em suma, nós que em Portugal somos peritos a elaborar Planos e altamente relapsos no cumprimento dos objetivos e, sobretudo no seu controlo e aferição, temos hoje mais um Plano apenas para mostrar obra a realizar ou poderemos daqui a uns anos creditar este PS e Costa pela obra feita?
P.S. 1 – Foi finalmente conhecido o relatório sobre o famigerado caso dos abusos sexuais na Igreja. Pedro Strecht liderou um Grupo de trabalho que, durante meses, pugnou pela verdade num conjunto de casos sórdidos e abjetos. A sociedade já fez o julgamento, sabendo distinguir entre quem comprovadamente prevaricou e toda uma Igreja que obviamente jamais se poderia rever nestas práticas chocantes. Mas não chega: há todo um mea culpa a fazer por tantos que camuflaram as situações, julgando que protegiam a Igreja. Como a mentira tem ‘perna curta’, esses ‘zelosos e escrupulosos’ agentes do encobrimento, são tão culpados como os prevaricadores, porque sem perceberem que o descobrimento da verdade seria apenas questão de tempo, apenas contribuíram para descredibilizar a Igreja, aumentar o escândalo e possibilitarem que acontecessem mais casos.
P.S. 2 – Catarina Martins vai sair de líder do Bloco, cargo que ocupou 10 anos. Durante estes anos, o Bloco transformou-se de um partido ideológico (com Louçã) num partido de protesto e de causas radicais, sem nada acrescentar para os portugueses e, por isso, não surpreende a queda vertical nas últimas eleições. Mas uma justiça faço a Catarina: acho que tem profunda consciência social e muitas das suas lutas terão sempre a razão como sustentáculo da sua (enorme) força pessoal. Por isso lhe peço: continue ‘a andar por aí’!