A falta de habitação não é apenas um problema nacional. E o lançamento do programa do Governo contra a falta de casas no mercado de arrendamento a rendas acessíveis rapidamente fez soar os alarmes, remetendo para o que se passou ainda tão recentemente no país vizinho.
Em Espanha, em plena pandemia, houve um movimento de usurpadores de casas – denominados ‘Okupas’ – que lançaram o pânico nas principais cidades. É que esses ‘okupas’ tomaram de assalto as residências desocupadas durante o chamado confinamento, mesmo aquelas que eram de primeira habitação, trocaram as fechaduras e instalaram-se nelas recusando-se a sair. Os proprietários ou arrendatários originais, para as recuperar, tiveram de interpor ações judiciais que, na maioria dos casos, se arrastaram por vários meses ou mesmo anos.
É que as falhas ou lacunas da legislação aprovada pelo Governo do PSOE com o apoio do Podemos só permitiam o despejo dos ‘Okupas’ instalados nas casas há mais de 48 horas mediante uma ordem do tribunal – e a justiça espanhola, como a portuguesa, não é conhecida pela celeridade das suas decisões.
Daniel Cuervo Iglesias, diretor geral da Asprima, associação de promotores imobiliários de Madrid, diz que «o movimento okupa não obedece à falta de habitação», mas «unicamente ao facto de a legislação não ser completamente contrária», antes «dá-lkhes uma certa cobertura, o que agrava o problema, pois demora mais de um ano a ser resolvido».
Um fenómeno que faz soar alarmes no mercado português face às medidas anunciadas por António Costa (págs. 8-11).
Ao Nascer do SOL, o politólogo José Filipe Pinto reconhece que «estas medidas sem política espoletam uma adesão de satisfação por parte daqueles que estão a ser esmagados pelo encargo com a habitação ou que não encontram habitação» e, ao mesmo tempo, criam pânico junto dos detentores de imóveis, nomeadamente de segunda habitação, referindo que muitos se podem recordar das ocupações no tempo do PREC, em 1975. Ainda assim, lembra que «a conjuntura é menos revolucionária e isso implicará que os movimentos populistas, principalmente ligados à extrema esquerda, não vão poder usufruir daquele clima de quase anarquia social que se verificou na época do PREC. É que a revolução social esteve na rua e era a rua que dava a ordem». Mas realça, no entanto, que não deverá existir esse risco. «Isso não implica que não haja situações de risco para pessoas que veem a sua segunda habitação ou a sua habitação de origem quando estão deslocados, por exemplo, para efeitos de trabalho, não tenham receio de ver a sua casa ocupada». Mas reconhece: «Isso vai levantar problemas a nível social porque vamos ver a sociedade dividida entre aqueles que veem alguma utilidade nestas medidas e os que temem a execução dessas mesmas medidas».
Mas o que aconteceu em Espanha? O fenómeno dos Okupas já existia mas a pandemia deu-lhe uma maior visibilidade, tendo como principais vítimas os profissionais de saúde que dormiam no hospital ou em quartos arrendados. E o problema era grave, uma vez que se não fosse detetado pelos proprietários nas primeiras 48 horas, em que o ‘Okupa’ apenas sairia com ordem judicial.
No país vizinho – e segundo dados do Conselho Geral de Magistratura –, o prazo médio que os proprietários têm que esperar para despejar um invasor ilegal era, em 2021, de 18,1 meses.
Segundo dados do Ministério do Interior, a ocupação ilegal cresceu no país quase 50% desde 2011 até 2020. Só entre 2018 e 2019 aumentou 20%, chegando às 14.394 ocupações. Barcelona, Madrid e Málaga eram, por essa altura, os casos mais graves.
O presidente da Associação Nacional de Proprietários, António Frias Marques, acredita que não estamos perante este risco, e chamar a atenção para o facto dessa ocupação ser feita não pelo Estado espanhol, mas por um movimento civil. «Normalmente a profissão deles são animadores culturais», refere.
UE não aceita casas vazias
Tiago Mota Saraiva, arquiteto e urbanista, garante que na Europa há várias políticas, «até muito mais agressivas do que a proposta apresentada pelo Governo», no que diz respeito à mobilização dos prédios devolutos. «Na maior parte dos países europeus não é permitido ter uma casa vazia. Curiosamente, em Inglaterra 1% dos edifícios são devolutos. A Suíça tem 2%, a Holanda 4%. Porquê? Porque desde sempre houve uma pressão. Os movimentos de ocupação são responsáveis por isso, porque as pessoas sabiam que, mais dia menos dia, tinham a casa ocupada e, por isso, mais valia porem no mercado. Esse tipo de movimentos em Portugal não existiu e, como tal, Portugal está nos piores da Europa. Lisboa com 15% de casas vazias. Na Europa, Portugal só está equiparado à Hungria», diz ao Nascer do SOL.
O responsável lembra que houve algum tipo de formas de ocupação, nomeadamente nos anos 70 e 80, dizendo mesmo que «foram muito violentos» e recorda que a última ocupação que existiu em Lisboa foi a do edifício Seara, durante o período da pandemia, em Arroios, pertencente a um fundo imobiliário. Os ocupantes acabaram por ser despejados e o processo está em tribunal. «Na verdade, ocupar um edifício em Portugal está associado a um processo de criminalização e de uma violência enorme».
Governo deve dar 1º passo
Para o presidente da Associação dos Inquilinos Lisbonenses, o Estado deveria ser o primeiro a colocar os imóveis no mercado de arrendamento e não hesita: «Dos 730 mil fogos devolutos, o Estado devia começar primeiro por disponibilizar a sua propriedade, depois recorrer às câmaras, mais tarde ir para os fundos imobiliários e só no fim aos privados».
Romão Lavadinho diz que não é «para penalizar os proprietários» mas que «a casa tem de ir para o mercado para cumprir a sua função», uma vez que «uma casa não é feita para estar fechada mas para ser habitada». E porquê que não está habitada? «Uma casa vale hoje o dobro. Um andar, por exemplo, na Ajuda que valia há 10 anos 130/140 mil euros hoje vale 300 mil euros. Veja o que é que o proprietário ganhou em ter uma casa fechada. Nenhum banco deu uma remuneração deste género».
Opinião diferente tem Tiago Mota Saraiva, que defende que a maioria dos edifícios camarários já estão atualmente ocupados. «Em abril do ano passado, a vereadora da Câmara Municipal de Lisboa, Filipa Roseta alertava para a existência de 48 mil fogos vazios em Lisboa que deviam ser mobilizados para o arrendamento e que estavam na mão de privados», lembrando que, se há 20 anos a Câmara tinha muitos imóveis disponíveis, essa realidade já não existe hoje. «Neste momento, das duas uma: ou já está imputado a um processo de renda acessível ou não tem propensão para habitação e, portanto, é de grande dificuldade transformá-lo ou está muito disperso e é pouco significativo». E dá como exemplo os programas municipais como o Reabilita.
Quanto aos privados, Tiago Mota Saraiva garante que, ao contrário do que a maioria diz, não é nas freguesias mais pobres que há imóveis desocupados, dando como exemplo Santa Clara, que «é uma das que menos tem fogos devolutos», afirmando que 25% dos fogos devolutos em Lisboa concentram-se nas freguesias de Arroios, Penha de França e Misericórdia, onde «estão os fundos imobiliários» e, defende, «são os primeiros que têm de ser mobilizados». No entanto, reconhece que é um processo «complicadíssimo, já que a identificação do devoluto depende dos municípios e das juntas de freguesia». E está nas mãos das câmaras intervir ou não. «O decreto de lei sobre a mobilização dos devolutos já existe e os municípios, neste momento, já podem identificar o devoluto, contactar o proprietário que tem de o ocupar e entrar com obras se for necessário e alugar».
Já o presidente da Associação Nacional de Proprietários, António Frias Marques, garante o Estado é o principal proprietário, seguido pela Câmara e depois pela Santa Casa, «que está muito calada, mas tem casas que nunca mais acabam e muitas delas fechadas».
Quando questionado sobre quantos imóveis estarão nesta situação, diz apenas que foi publicada uma lista com uma série de imóveis – de quartéis a hospitais –, mas não menciona quantas habitações é que vão fazer, dando, como exemplo, o que se passa no Ministério da Educação, na Avenida 5 de outubro ou o da Justiça com o Tribunal da Boa -Hora em plena Baixa Pombalina. «O Estado tomar conta do parque habitacional todo é uma espécie de Big Brother. Só se lembrarem disso já é muito grave».